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Raul Silva Telles do Valle

Coordenador Adjunto do Programa de Política e Direito do ISA - Instituto Socioambiental

Op-CP-18

O que queremos com a modernização do código florestal?

O Código Florestal é uma lei que vigora desde 1934, praticamente inalterada em sua concepção, embora vários de seus instrumentos tenham passado por atualizações. Apesar de antiga, ela não é uma lei equivocada em seus princípios, como vem sendo difundido por determinados setores da sociedade. Independentemente das razões determinantes que guiaram os políticos da década de 1930 a aprová-la, a ciência já demonstrou que a manutenção de um mínimo de vegetação natural na paisagem rural é fundamental para garantir não só a conservação da biodiversidade mas, sobretudo, a continuidade na oferta de serviços ambientais básicos, como a ciclagem da água, de nutrientes, do carbono, a contenção de ventos, a existência de polinizadores, o controle de pragas, dentre outros.

Portanto o pressuposto de que a conservação de florestas é algo que interessa à sociedade, expresso logo no primeiro artigo da lei de 1934, é atualizadíssimo. Mas, então, qual o problema? Por que tanta pressão para modificá-la? Uma das razões fundamentais é a insatisfação de - parte de - um importante setor socioeconômico nacional, o agropecuário, em ter que cumprir a lei e, dessa forma, “cuidar” para a sociedade das Áreas de Preservação Permanente e Reservas Legais.

Esse setor entende que a obrigação de manter, mas sobretudo de recuperar essas áreas, impõe-lhe um custo excessivo e que não é justo recair apenas sobre um setor o ônus de cuidar de áreas que interessam a todos.
Devemos lembrar, no entanto, que, em 1934, grande parte das terras no país ainda eram públicas, mas estavam sendo rapidamente privatizadas.

O Código Florestal, junto com outras normas, veio para “civilizar” esse processo de desprendimento do patrimônio público. O particular receberia terras para produzir, mas teria que, em contrapartida, manter um mínimo de vegetação natural em benefício da sociedade, que lhe havia entregue aquela terra. Parecia justo. Mas foi ineficiente.

O poder público não teve qualquer tipo de controle sobre como os particulares cuidavam dessas áreas e, muitas vezes, incentivou, direta ou indiretamente, o desrespeito à lei. Hoje, há um grande passivo acumulado, que ainda não foi adequadamente mensurado, mas, com base no Censo Agropecuário 2006, pode ser estimado em cerca de 60 milhões de hectares.


Esse é um problema para o produtor, mas também para a sociedade. Não podemos acreditar que essas áreas serão recuperadas apenas com a aplicação de multas e um aprimoramento na fiscalização. Isso é necessário, mas não suficiente. Se não houver um conjunto de estímulos por parte do poder público para que o produtor recupere seu passivo, jamais ganharemos escala nessa tarefa.

Urge que as políticas de apoio à atividade agropecuária passem a apoiar a implementação da legislação florestal, não só oferecendo crédito para a recuperação, mas, sobretudo, premiando, de diversas formas, aqueles que cumprem rigorosamente a legislação. Há a necessidade de aperfeiçoar alguns pontos da lei também.

É fundamental, por exemplo, que se dialogue melhor com a política de recursos hídricos e que se estabeleçam metas de conservação por bacia hidrográfica, e não apenas por imóvel, as quais poderiam ser cumpridas tanto por áreas privadas como públicas. Um bom planejamento da paisagem poderia indicar áreas onde é melhor preservar ou recuperar florestas, usando inclusive mecanismos de compensação, do que manter uma agropecuária de baixa produtividade.

Num contexto de aprimorar a lei para melhor aplicá-la, até mesmo algumas flexibilizações seriam aceitáveis. Há, portanto, um imenso caminho no qual política agrícola e florestal poderiam andar juntas. Por essa razão, é de assustar o conteúdo de boa parte dos projetos em curso no Congresso Nacional, sobretudo os elaborados pela CNA. Algumas de suas propostas são:


a. ampla anistia a ocupações ilegais, inclusive em áreas de risco;
b. a compensação de RL a milhares de quilômetros da área onde originalmente deveria estar;
c. o fim de qualquer tipo de proteção a encostas e topos de morro, e
d. a possibilidade de os estados diminuírem (jamais aumentarem) a proteção às matas ciliares, dentre outros. Assim, pretendem, com outras palavras, revogar, na prática, o Código Florestal, sem propor nada em seu lugar. Caminham, portanto, na direção do confronto e não da conciliação. Infelizmente.