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Walter de Paula Lima

Professor de Hidrologia Florestal da Esalq-Usp

Op-CP-05

Florestas plantadas e água: conflito ambiental ou ausência de políticas sadias de uso da terra?

Os benefícios gerados pelas florestas plantadas ao país são muitos, mas freqüentemente eles acabam sendo subjugados pela questão da polêmica ambiental das florestas plantadas, principalmente em relação à água. No Brasil, essa polêmica tem sido recorrente, ressurgindo de quando em vez, sempre com a mesma feição carregada de meia-verdade, folclore, desconhecimento e, por que não dizer, marotagem.

Ou seja, a cada vez que ressurge, fica claro que tudo o que foi discutido e esclarecido da última vez acaba ficando esquecido. Quem sabe não estamos sabendo ou querendo resolver nada. Pode-se perguntar, por exemplo, se as informações científicas disponíveis sobre o assunto estão chegando aos formadores de opinião de forma clara.

Mas, pode ser, também, que o problema decorre de nossa incapacidade histórica de formular e implementar políticas sadias de uso da terra, principalmente no que diz respeito à conservação dos recursos hídricos. No mundo todo, é cada vez mais forte o interesse e a necessidade de se estabelecer políticas adequadas de uso da terra, devido à aceleração dos processos de alteração da paisagem pelo homem e seus reflexos em termos da diminuição da água, da degradação hidrológica das microbacias hidrográficas e das sentidas mudanças climáticas.

A hidrologia florestal, enquanto focada nas relações entre a floresta e a água e suas implicações para com a manutenção dos serviços ambientais e a estabilidade hidrológica das microbacias, é, sem dúvida, crítica para o equacionamento do problema. O nosso país é pleno de exemplos de degradação hidrológica, decorrentes da alteração da paisagem, do manejo inadequado, da erosão, da compactação do solo, de estradas mal desenhadas, da destruição das matas ciliares e conseqüente perda da resiliência das microbacias e diminuição da recarga dos aqüíferos.

Mas isso tudo ocorre de forma difusa e gradativa e poucos enxergam ou sentem. O resultado, todavia, afeta e é sentido por todos: diminuição da água, secamento de lagoas, de nascentes e morte de riachos e rios. E aí é mais fácil seguir a tendência marota do “bode expiatório”, da “lei do menor esforço”, do “pontapé na cerca que já está caindo”. É o eucalipto! É o “deserto verde” das florestas plantadas!

Tanto para quem não gosta das florestas plantadas, quanto para aqueles que as manejam, é preciso ficar claro que elas precisam, sim, de água para crescer, como qualquer outra espécie vegetal. Durante a fase inicial de rápido crescimento, característico destas florestas plantadas, visando ao abastecimento industrial, esse consumo de água é também maior do que aquele presente na vegetação de menor porte e, eventualmente, até em relação a ecossistemas florestais naturais.

Em outras palavras, como foi colocado em uma das palestras do congresso internacional sobre o tema floresta e água, realizada em agosto deste ano na China, “a produção florestal dá-se ao custo de um consumo de água”. Então, o que é preciso equacionar é o seguinte: primeiro, se o meio, em termos da disponibilidade natural da água (o balanço entre a precipitação e a evapotranspiração potencial) comporta esse acréscimo temporário no consumo de água.

Quando for o caso, é preciso, portanto, começar a pensar em estratégias de manejo, que levem em conta o zoneamento hidrológico, o espaçamento entre as árvores e o período de rotação, já que o consumo de água das florestas plantadas tende a diminuir em idades mais avançadas, o que significa que pode haver um retorno ao equilíbrio dos processos hidrológicos, na escala das microbacias hidrográficas.

Além disto, uma outra estratégia, que visa integrar a conservação da água no manejo de florestas plantadas, passa, também, pelo planejamento deliberado da ocupação dos espaços produtivos da paisagem pelas mesmas, respeitando as áreas de nítida vocação de proteção da água, como são as cabeceiras de drenagem e as áreas ripárias das microbacias.

Aqui é sempre importante ter em conta que, na natureza, a localização destas áreas ripárias das microbacias não coincide, necessariamente, com o que a lei define como “área de preservação permanente”. Ou seja, respeitar a lei já é um passo, mas não constitui estratégia suficiente para a conservação da água. Pela mesma razão, apenas restaurar as matas ciliares não vai tampouco resolver o problema.

E uma terceira estratégia é o monitoramento hidrológico, através de critérios adequados, visando obter informações experimentais para realimentar as práticas de manejo, objetivando sua melhoria contínua, que é, no fundo, o interesse de todos. Esse é, afinal, o espírito do conceito de manejo sustentável. O que é preciso, portanto, é o seguinte: primeiro, que as políticas de uso do solo e da conservação dos recursos hídricos evolua da condição de olhar apenas a jusante, para a condição de olhar também a montante, pois é ali que estão os problemas da degradação hidrológica.

Segundo, que o manejo das florestas plantadas, assim como o manejo agrícola e, enfim, o manejo dos recursos naturais em geral, leve em conta essas interações hidrológicas todas. E terceiro, que as pessoas bem intencionadas procurem, um dia, fazer uma comparação destes aspectos hidrológicos no meio rural.

Vão poder ver nascentes e riachos degradados, secos, em áreas onde nunca o eucalipto chegou. Poderão também enxergar que há, de modo geral, mais respeito para com a conservação das matas ciliares, nas áreas do setor florestal produtivo. E assim, quem sabe, cheguem à conclusão de que todos nós, afinal, temos uma parcela de culpa pela degradação dos nossos recursos hídricos. Em tempo, ao sair da cidade para esta vistoria, procurem também observar o que a urbanização fez com os nossos riachos e nascentes!