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Eneas Salati

Diretor Técnico da FBDS - Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável

Op-CP-11

Desmatamento, mudanças climáticas e equilíbrio amazônico

O clima do nosso planeta tem se mostrado praticamente estável nos últimos milênios, com uma variabilidade natural dentro dos fenômenos meteorológicos. No entanto, a partir de 1900, a temperatura média da atmosfera do planeta mostrou uma elevação que vem se acentuando nas últimas décadas do século XX e início do século XXI.

Medidas exaustivas indicaram que o aumento de temperatura do ar no período de 1906 a 2005 foi de 0,74 °C e que a temperatura do oceano aumentou e absorveu mais que 80% do calor que foi adicionado ao sistema climático do planeta. Esses fatos são conseqüências da grande concentração dos GEE - gases de efeito estufa, provenientes das atividades humanas – principalmente queima de petróleo e carvão mineral e do desmatamento.

Por outro lado, medidas sistemáticas indicaram um aumento progressivo nas concentrações de CO2 na atmosfera, sendo que a concentração, que era de 280ppm, no período pré-industrial, passou para 379ppm, em 2005. Não é novidade que a grande contribuição do Brasil para o aquecimento global é o desmatamento e que desmatar impacta diretamente o equilíbrio climático. Estudos realizados na Amazônia demonstraram que a floresta não é uma conseqüência simples do clima da região.

Em anos de observação na região, foi possível constatar que o clima e a floresta sofreram uma coevolução e à medida que a floresta foi se estabelecendo, modelou o clima, até chegar ao equilíbrio que existe hoje. O que já foi evidenciado é que o clima atual da Amazônia depende intrinsecamente da floresta. Se a floresta for cortada, o clima daquela região mudará, porque é o bioma existente que define o equilíbrio das condições climáticas e do balanço hídrico.

Haverá, em função das áreas desmatadas, conseqüências irreversíveis, como elevação da temperatura e redução das precipitações, em algumas regiões. O desmatamento da Amazônia não afetará apenas a oferta de água na região. Boa parte da água proveniente da evapotranspiração da floresta contribui para a formação das chuvas em outras regiões do Brasil e, inclusive, do norte da Argentina.

Nos últimos 40 anos, foram desmatados 600 mil hectares da Amazônia brasileira e, hoje, a área desmatada da região é da ordem de 20%. Nestas condições, ainda é possível que a floresta cresça novamente, caso o país consiga cessar a derrubada de árvores. Mas, se não houver medidas de controle e caso o índice de desmata-mento passe de 40%, grande parte da região poderá sofrer um colapso, transformando-se de floresta tropical úmida, para uma vegetação tipo savana.

Conseqüentemente, o clima também mudará. No Brasil, estudos feitos em 2006, comparando os dados meteorológicos de 1991 a 2004, com os de 1961 a 1990, mostraram um aumento da temperatura média em todo o território nacional. Esses aumentos foram de 0,7°C, para a região Nordeste e Centro-Oeste, de 0,6°C, para as regiões Norte e Sudeste e de 0,3°C, para a região Sul.

As chuvas, entre esses dois períodos, apresentaram grande variabilidade, indo de um aumento de 17,8%, na região Sul, e uma diminuição de 11,6%, no Nordeste. Os estudos dos balanços hídricos, utilizando dados futuros de precipitação e temperatura, para as diversas regiões do território nacional, indicam situações que poderão ser críticas e impactarão atividades importantes, como a produção de hidreletricidade, a produção agrícola e pecuária e o equilíbrio dos ecossistemas naturais, com fortes impactos na biodiversidade.

A região Amazônica, que hoje está submetida a duas forçantes climáticas, uma decorrente do desmatamento e a outra induzida pelas mudanças climáticas globais, apresenta cenários preocupantes. Tomando-se, por exemplo, os dados do modelo do Hadley Centre, da Inglaterra, a oferta de recursos hídricos poderá ser fortemente afetada, em decorrência das mudanças climática.

Assim, a contribuição brasileira para a vazão do Rio Amazonas, que atualmente corresponde a 132 mil metros cúbicos por segundo, poderá, em conseqüência das mudanças climáticas, diminuir para 14% desse valor, no período de 2011 a 2040; 26%, no período de 2041 a 2070; e 35%, no período de 2071 a 2100. Embora outros modelos e outros cenários de emissões, às vezes, indiquem situações menos extremas do que as que estão acima apresentadas, os dados demonstram ser um tema relevante para a determinação de políticas públicas, em nosso território.

Como já adiantamos, o desmatamento, por si só, implica em mudanças climáticas e, dessa forma, o grande problema brasileiro é a dificuldade real de fiscalização e controle do desmatamento. Também existe uma necessidade urgente de estudos mais detalhados sobre os efeitos das mudanças climáticas, para que previsões de maior precisão sejam obtidas para todo o território nacional e não apenas para a Amazônia, uma vez que existe uma interdependência climática das diversas regiões do Brasil. Mudanças climáticas na Amazônia terão conseqüências não apenas nos ecossistemas naturais, como também em todas as atividades econômicas, com reflexos no próprio equilíbrio socioeconômico do país.