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Luiz Carlos Estraviz Rodriguez

Professor de Economia e Planejamento Florestal da Esalq-USP

Op-CP-60

Como o novo cenário de trabalho afeta o avanço da tecnologia?
As restrições impostas pelo combate à Covid-19 evidentemente mudaram o ambiente de trabalho. Ainda que a pandemia seja o mais inusitado e global de todos, outros eventos igualmente disruptivos têm também mudado o ambiente de trabalho. A menor disponibilidade de mão de obra rural, a automação de processos dentro e fora da indústria, os novos processos de cultivo e de transformação industrial, tudo isso tem alterado o ambiente de trabalho.
 
A velocidade com que a tecnologia tem evoluído traz enormes desafios para a capacitação, para a formação de novos profissionais e para a educação. E, nesse processo, temos percebido um certo esforço da universidade em se reinventar. Mas, francamente, a sensação é de que não estamos sendo bem-sucedidos. Temos tentado, é verdade.

Pelo menos na Esalq, onde trabalho, a tecnologia e a ciência têm sido parceiras no processo de oferecer certos conteúdos com alto nível de qualidade. Apesar da abrupta e recente suspensão das aulas, a Esalq foi exemplar dentro da USP nesta primeira metade de 2020. Ao usarmos técnicas de EAD (ensino à distância), conseguimos manter ininterruptas as atividades de todas as disciplinas lecionadas no primeiro semestres.

E isso só foi possível graças à internet, aos sistemas de comunicação remota para grandes grupos e aos smartphones. Mas acho que a universidade ainda não encontrou um modelo ideal de ensino, capaz de acompanhar a evolução tecnológica e de preparar com perfeição o aluno para o dinâmico e moderno ambiente de trabalho. Acho também que essa tarefa será muito difícil.

Me proponho, então, a refletir sobre como o “novo normal” pós-pandemia afetará o uso de novas tecnologias e, assim, eventualmente, me preparar melhor como gestor e educador. Mas por onde começar? Buscar referências no passado é inútil, pois o que vemos, hoje, acontece num momento em que o clima está diferente, e os processos produtivos superam a capacidade de resiliência do nosso planeta. Soma-se a isso o fato de que nunca fomos tão pressionados a conciliar dois remédios tão contraditórios.

O distanciamento social por um lado, para reduzir o avanço da pandemia, e, por outro lado, a forte demanda social por mais tolerância, para mitigar séculos de opressão homofóbica e racismo. Nesse sentido, proponho um intervalo para destacar o trabalho que algumas grandes empresas do setor florestal vêm fazendo, como o projeto "Plural diversidade e inclusão", da Suzano Papel e Celulose (https://www.suzano.com.br/a-suzano/gente-e-cultura), e peço licença para contar, no box da página seguinte, uma história pessoal.

Bem, voltando à necessidade de conciliar, simultaneamente, distanciamento e tolerância sociais, nota-se como essa experiência é única na história. À singularidade da aplicação simultânea desses dois remédios soma-se a ruptura de rotinas, a falta de interação humana e a insuficiência de conhecimento para nos ajudar a conter a pandemia.

Tudo isso é desconcertante, preocupa muito e dificulta entender como será o "novo normal". Mas podemos tentar! O isolamento social trouxe momentos de maior introspecção, de maior convívio, não só com a nossa família, mas também com pessoas de fora da nossa família. Pessoas das quais, percebemos agora, tanto dependemos para consertos, comida, cuidados, ir, vir e existir.

Esse convívio se faz num círculo pequeno, no nosso entorno bem próximo. Temos nos voltado para o local, para a real importância do pequeno dentro do global. Acho que essa subliminar experiência é a base da grande mudança que veremos pela frente. Até agora, procurávamos “pensar global para agir local”. Entretanto, de repente, o global nos obriga a “pensar-e-agir” local.

E isso pode ser, social, economica e tecnologicamente, bastante transformador. Até agora, o pensar global era algo distante e abstrato, uma entropia negativa, um esforço enorme de organização. A enorme dificuldade de, como indivíduos, perceber o global acelera a entropia, o desarranjo do todo, a separação do nosso coletivo em unidades menores, em núcleos locais. 

Não fosse a moderna tecnologia, isso seria ruim. Mas as redes virtuais de comunicação, o processamento de dados em nuvens e as bandas, cada vez mais largas e velozes, nos tornaram irremediavelmente conectados. E, agora, somos capazes de nos voltarmos para o local, tanto no pensamento como na ação, mantendo a nossa pequena aldeia integrada às demais.
 
No setor florestal, isso se materializaria num sem-fim de produtores geridos por processos inteligentes, artificiais e automáticos, interligados por eficientes meios de transporte de baixa emissão, que alimentam diversas unidades industriais e biorrefinarias bem articuladas e focadas nos seus processos, que buscam, no mercado, a matéria-prima produzida por uma massa de pequenos e médios produtores rurais locais e independentes.
 
Sinto que começamos um novo movimento, uma transição da “aldeia global”, que massifica, homogeneíza, sintetiza e é menos humana, para um “global de aldeias”, que é pulverizado, diverso, complexo e mais humano. Acredito que as inovações que temos observado a um ritmo alucinante nos três principais eixos do desenvolvimento humano — comunicação, energia e transporte —viabilizarão o funcionamento de inúmeras e complexas estruturas pequenas de produção básica.

O trabalho no campo será o de gerir pequenas e médias unidades produtivas, bastante robotizadas e informatizadas, em constante interação com provedores de serviços, que garantirão a estabilidade da produção, sem comprometer o meio ambiente e os recursos hídricos. Será mais fácil acomodar a natural entropia que nos torna núcleos únicos de diversidade, porque seguiremos conectados a uma sociedade global igualmente diversa, tolerante, mais rica culturalmente e mais criativa.

Nesse sentido, seremos melhores indivíduos, orgulhosos das nossas diferenças, mais felizes e, ainda que voltados para o local, paradoxalmente, mais unidos. Enfim, acho que a tecnologia tem se apresentado como uma parceira que nos mantém socialmente unidos, que nos ajuda a agir local, sem nos distanciarmos do global, apesar da pandemia e de o mundo seguir frequentemente convulsionado por crises e rupturas.

Tudo isso, é claro, tem uma boa dose de otimismo e esperança. Acredito que temos espaço para otimismo e esperança, pois a atual crise tem permitido que pessoas e empresas se voltem para importantes valores humanos. Desde que continuem prevalecendo as virtudes da ciência e do espírito democrático, mesmo que nossas previsões às vezes não passem de uma opinião, o uso da tecnologia nos fará ter sempre um olhar positivo e otimista, não só para a melhoria do ambiente de trabalho, mas também para um desenvolvimento mais harmônico do ser humano no planeta Terra.