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Jayme Buarque de Hollanda

Diretor-geral do INEE

Op-CP-38

Cadeia energética da madeira

A madeira é uma importante fonte de energia no Brasil, origem de mais de 10% da sua oferta de energia primária. Apesar de sua importância relativa, é a forma de energia menos compreendida e que apresenta um potencial de grandes ganhos no futuro próximo. O uso dessa fonte se baseia em duas famílias de consumidores. Na primeira, encontram-se empresas que verticalizam a produção do combustível, com plantio e manejo de florestas energéticas.

Na segunda, há os usos descentralizados em que a demanda é obtida, sobretudo, de forma extrativa. No primeiro grupo, estão  as indústrias de papel e celulose e (no futuro próximo) geradoras de energia elétrica, cujas atividades têm elevada eficiência energética. Nesse grupo, encontram-se, também, fábricas de gusa que verticalizam a produção de carvão vegetal, mas raramente aproveitam os gases e voláteis coproduzidos no carvoejamento, pela falta de um mercado organizado para esses biocombustíveis.

No segundo grupo, estão os usos rurais extrativos. O dos consumidores domésticos não chega a ser um problema, pois há uma renovação natural. Preocupa, porém, o uso de madeira ou de carvão vegetal nas indústrias de gusa, cerâmicas e gesseiras. Esses biocombustíveis são as únicas formas de energia produzidas, transportadas e comercializadas no Brasil à margem de qualquer regulamentação energética. No mundo energético, essa função é primordial.

Como seria projetado um motor a gasolina ou um motor elétrico se a gasolina não fosse especificada ou a frequência e a voltagem da rede não fossem padronizadas? Uma organização mínima e a existência de uma política energética para a cadeia energética da madeira aumentariam a eficiência, gerando mais receita para o mesmo insumo, reduzindo preços, melhorando a qualidade dos combustíveis e asfixiando economicamente a informalidade e o recurso ao desmatamento.

Em 2005, um passo importante foi dado quando o escopo da ANP - Agência Nacional do Petróleo, foi ampliado pela Política Energética Nacional - PEN, para que, além do petróleo e do gás natural, regulasse também “a produção, importação, exportação, transferência, transporte, armazenagem, comercialização, distribuição, avaliação de conformidade e certificação de qualidade de biocombustíveis”.

O que parecia um avanço frustrou-se em setembro de 2011, quando o conceito de biocombustível, universalmente entendido como “combustível derivado de biomassa renovável”, foi definido (XXIV, Art. 2 da PEN na versão atual) da seguinte forma: “(...) substância derivada de biomassa renovável, tal como biodiesel, etanol e outras substâncias estabelecidas em regulamento da ANP, que pode ser empregada diretamente ou mediante alterações em motores a combustão interna ou para outro tipo de geração de energia, podendo substituir parcial ou totalmente combustíveis de origem fóssil”.

O texto, muito confuso, exclui, na prática, os bicombustíveis da cadeia da madeira, normalmente sólidos. Isso reflete um preconceito dos que associam o uso intensivo da madeira a subdesenvolvimento, pois, sendo de fácil obtenção e uso com tecnologias simples, atende às necessidades de populações pobres. Assim, os únicos biocombustíveis admissíveis seriam o etanol e o biodiesel, por se assemelharem à gasolina e ao diesel.

Note-se, a propósito, que a estatística oficial chama a madeira energética de “lenha”. Explica também por que os investimentos em pesquisa e desenvolvimento para essa fonte renovável são mínimos quando se considera a sua importância na matriz energética do País e os aumentos da produtividade das biomassas de um modo geral.

O preconceito não tem mais razão de ser. Na Europa, a busca de alternativa aos combustíveis fósseis tem dado ênfase ao uso de densificados, resíduos de madeira industrial e florestal comprimidos sob a forma de pequenos cilindros (pellets), com queima limpa, fácil de manusear e preço competitivo, sobretudo quando se considera a grande vantagem ambiental sobre os combustíveis fósseis que pode substituir.

Apesar de ter metade da densidade energética do óleo combustível, o pellet é usado para substituí-lo nos usos urbanos e, ultimamente, ajuda a reduzir a emissão de CO2 em termelétricas, onde substitui até 30% do carvão mineral (cofiring). O consumo de pellets na Europa pulou de meio para treze milhões de toneladas na primeira década deste século, um crescimento anual explosivo de 38%. Mais de 20% dos pellets são importados dos EUA e do Canadá.

Em 2010, foram estabelecidas normas e padrões internacionais para o biocombustível, que vai se tornando uma importante “commodity energética”, que movimenta em torno de 2 bilhões de euros naquele continente. Com isso, é possível otimizar os processos de produção e dos bicombustíveis densificados. Essas novidades me fazem crer que, mesmo na ausência de estímulos legais, forças de mercado vão organizar, no Brasil, a cadeia da madeira energética.

A demanda para exportação de densificados já tem mobilizado algumas iniciativas, mas sua exportação é dificultada por fatores como a valorização do real, custo de transporte e pequena escala de produção. O exemplo externo, a existência de normas que podem ser adaptadas às condições brasileiras, a possibilidade de reduzir custos de logística, no entanto, fazem prever uma expansão do uso no País.

Cabe lembrar que as tecnologias de produção e uso desses biocombustíveis são compatíveis com a nossa capacidade industrial, que terá acesso aos últimos avanços e desenvolvimentos europeus e norte-americanos. Apesar dos baixos investimentos em P&D para o uso energético da madeira e derivados, o Brasil tem um pequeno, porém competente grupo de especialistas.

Esses avanços também servirão de paradigma para alavancar a cadeia dos pirolizados em geral, notadamente o carvão vegetal. O Brasil é o único país do mundo a produzir gusa com carvão vegetal em larga escala. Pela ausência de enxofre e contaminantes no carvão vegetal, esse gusa tem elevada qualidade.

A organização da cadeia para esse biocombustível e uso dos voláteis orientará o mercado com sinais econômicos adequados à criação e ao  desenvolvimento de biorrefinarias, com o aumento da receita dos produtores do carvão vegetal em bases modernas.  O Brasil terá a oportunidade, assim, de rapidamente liderar o desenvolvimento tecnológico e o domínio da produção e uso desses biocombustíveis, mais adaptados ao País e a todos os países da faixa tropical, para competirem com os combustíveis fósseis.