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André Lima

Coordenador de Políticas Públicas do Programa de Mudanças Climáticas do IPAM - Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia

Op-CP-18

Uma potência socioambiental precisa de uma lei à altura

O cenário atual em relação ao Código Florestal Brasileiro (lei 4.771/65, alterado pela MP 2.166/01) é o de impasse absoluto, com a maioria dos produtores na ilegalidade ambiental, e produtos estratégicos (como soja, madeira, cana-de-açúcar e carne) começando a sofrer restrições nos mercados nacional e internacional.

Ruralistas argumentam que inexistem normas similares em outros países, que o direito de propriedade está sendo usurpado, que há ocupações históricas que precisam ser garantidas, que as regras devem ser feitas pelos estados e fundadas em estudos científicos que comprovem os danos ambientais de ocupações ilegais.

Porém, todas as propostas por eles apresentadas visam, unicamente, beneficiar quem não cumpriu a lei, ignorando solenemente que há os que a cumprem. Em Mato Grosso, por exemplo, há mais de um milhão de hectares de floresta Amazônica cadastrado no sistema de licenciamento ambiental de propriedades rurais como excedentes aos 80% de Reserva Legal obrigatória.

Isso significa, no mínimo, cinco milhões de hectares de florestas nativas em propriedades rurais legalizadas. Que contradição! O estado que mais desmatou a Amazônia até hoje (40% de todo desmatamento), campeão na produção de soja, carne, algodão e outras culturas, é o mesmo que se responsabilizou por, aproximadamente, 62% de toda a redução de emissões de CO2 por desmatamento, proposta no Plano Nacional de Mudanças Climáticas.

O MT deixará de emitir quase 900 MtCO2 entre 2005 e 2020 por desmatamento florestal, se cumprir sua meta apresentada em Copenhague pelo seu governador. A meta 2005/2020 de redução de emissões por desmatamento na Amazônia prevista no Plano Nacional de Mudanças Climáticas é de 1,45 GtCO2. Então, pergunto: Oferecemos “bananas” aos produtores “irresponsáveis” que cumpriram a lei e premiamos os “visionários” que, comprometidos com o interesse nacional, desmataram ilegalmente milhões de hectares de florestas em todo país? (Entre 1996 e 2006, foram mais de 34 milhões de hectares desmatados ilegalmente, somente no cerrado e na Amazônia brasileira.).

Se assim for, ferimos o princípio constitucional da isonomia, pois tratamos desigualmente sujeitos em situação idêntica. Ferimos o da razoabilidade, pois premiamos os infratores históricos da lei em detrimento daqueles que a cumprem. É preciso considerar que o direito de propriedade (rural) não é absoluto há décadas.

É uma garantia constitucional da sociedade (capitalista) para promover a justiça social e a dignidade humana, por meio do acesso aos bens e serviços ambientais, dentre os quais destaco a terra e a segurança alimentar. Assim, deve se conformar às leis que garantem e permitem a vida em toda a sua expressão e complexidade.

Produtor rural é produtor primário, portanto, de bens e serviços extraídos da natureza e fornecidos por ela e como tal deve ser tratado pelo sistema jurídico e pela sociedade. O Brasil, se não é a maior, é uma das maiores potências mundiais em fornecimento de serviços e bens ambientais.

Se é do interesse nacional aumentar e distribuir melhor a riqueza interna, e a atividade agropecuária é uma das atividades socioeconômicas que nos permitirá fazê-lo, também o é a manutenção das bases ecológicas da nossa “eco”nomia (clima, regime hídrico, solo, biodiversidade e processos ecossistêmicos), que permitem não só a atividade agropecuária, mas também outras relevantes para o país (madeireira, turismo, biotecnologia, extrativismo, bio e hidroenergia, pesca, conservação e pesquisa).

Diante desse desafio, digno de uma nação que almeja um lugar ao Sol no cenário político mundial contemporâneo, não podemos promover, em pleno século XXI, mais um remendo na lei de 1965, principalmente pautados por sujeitos (e representantes políticos) que a descumpriram, na fiel esperança dos “ajustes”.

Precisamos de uma lei que trate o assunto de forma estratégica, que garanta o aumento da produção agropecuária nacional, o fornecimento de bens e serviços ambientais para os brasileiros e para o planeta e a manutenção e melhoria das condições que regem e permitem a nossa vida com a terra e sobre a Terra. Um bom acordo não será aquele em que ambas as partes perdem algo, mas o que reconhecer esses princípios com os olhos voltados ao futuro do Brasil e da humanidade. Os próximos governantes não poderão ignorar esse nobre desafio.