Me chame no WhatsApp Agora!

Roosevelt de Paula Almado

Gerente de Pesquisa Florestal e Meio Ambiente da ArcelorMittal BioFlorestas

Op-CP-39

Um binômio indissolúvel

O setor florestal é um dos mais importantes produtores de água do setor produtivo nacional. Dados de 2014 da Ibá – Indústria Brasileira de Árvores, instituição que representa 70 empresas florestais dos mais diversos segmentos, apontaram que elas têm, sob sua responsabilidade, aproximadamente 2,1 milhões de hectares de mata nativa, entre Reservas Florestais Legais (RLs) e Áreas De Preservação Permanente (APPs), nos principais biomas brasileiros e, em sua maioria, nas regiões Sudeste e Sul do Brasil, onde corremos, hoje, um grande risco de escassez.

No perímetro do bioma mata atlântica, temos 100 milhões de brasileiros que se beneficiam das águas geradas pela floresta, onde são formados diversos rios que abastecem cidades e metrópoles brasileiras. Um estudo do WWF evidenciou que mais de 30% das 105 maiores cidades do mundo são dependentes das florestas para seu abastecimento de água. Seis capitais brasileiras foram base de pesquisa no estudo, cinco delas estando presentes na região da mata atlântica: Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Salvador e Fortaleza.

A tendência mundial foi confirmada também no Brasil, afinal, com exceção de Fortaleza, todas as cidades pesquisadas são dependentes, em maior ou menor grau, de áreas protegidas para o abastecimento. Intencionalmente, citei o setor produtivo porque a disponibilidade de água vem sendo a premissa básica e a mais preocupante ameaça à instalação e à permanência de um empreendimento econômico na atualidade; a possibilidade do desabastecimento de água devido às mudanças significativas no ecossistema tem induzido crescentes alterações no comportamento de diversos atores no setor público, privado e na sociedade civil.

Coletar água da chuva através de calhas nos telhados, coletar a água gerada pelo processo de refrigeração em ambientes com ar condicionado, reduzir pressão das torneiras nos banheiros são alguns exemplos que se vêm tornando comuns atualmente. Aumentam as leis e as regulamentações por parte dos governos e a pressão exercida sobre as empresas pelos grupos de interesse, sejam eles acionistas, organizações não governamentais ou clientes.

A tendência é que esse quadro se torne mais complexo à medida que os diversos grupos de interesse vão aferindo a gravidade da situação. Outorgas e suas respectivas renovações estão sendo negadas e a exigência de redução de consumo por parte de indústrias em cerca de 30% do valor utilizado são exemplos reais da consequência do desabastecimento de água.

Segundo o relatório síntese da Millenium Ecosystem Assesement (Avaliação Ecossistêmica do Milênio), uma parcela entre 5 e 20% da captação de água para uso industrial ou doméstico não é sustentável no longo prazo, uma vez que a água é obtida por transferência de bacia hidrográfica ou retirada dos lençóis freáticos em quantidades superiores à reposição natural. Nossos acompanhamentos do clima mostram que 2012 e 2014 foram atípicos quanto à ocorrência de chuvas em várias regiões do Brasil.

Em Carbonita, por exemplo, que é uma cidade localizada na região norte de Minas Gerais, a precipitação média é de 1150 mm, de acordo com as normas climatológicas de 1961 a 1990. Em 2012, choveu 653 mm e, em 2014, choveu apenas 612 mm; em dois anos quase consecutivos, tivemos, em média, 55% menos volume de água de chuva em relação à média histórica. Em setembro de 2012, no auge do período seco em Minas Gerais, registraram-se ocorrências de morte de plantios florestais por déficits hídricos.

Em uma empresa, na região de Pirapora, houve morte total das plantas (déficit hídrico forte) em 6% da área plantada, houve mortes parciais (déficit hídrico intermediário) em 13% e sintomas severos sem mortes (déficit hídrico pouco intenso) em 18% da área da fazenda. Dados de 2014 estão sendo levantados por órgãos do setor, mas as primeiras avaliações mostram forte impacto nas plantações.

A quantificação das áreas foi feita a partir de interpretação de imagens de satélite; a técnica de sensoriamento remoto é potencial para monitorar comportamentos ecofisiológicos da floresta. Tivemos uma reunião muito interessante sobre a indução de chuvas localizadas por processo físico, que é uma tecnologia limpa, nacional e patenteada, resultante de 15 anos de pesquisa, com mais de 1.000 voos realizados e mais de 600 chuvas induzidas. Precisamos pensar diferente e buscar alternativas.

A nossa preocupação, logicamente, é a perda de produtividade da cultura pela falta de água. Pensando nisso, realizamos um trabalho com o objetivo de avaliar a influência dos aspectos climáticos sobre a produtividade florestal em áreas da ArcelorMittal Bioflorestas, especialmente nas regionais de Carbonita e Martinho Campos; para isso, utilizamos o modelo 3-PG (Physiological Principles in Predicting Grouth), que é um modelo baseado em princípios fisiológicos, desenvolvido por Landsberg & Waring (1997).

Resumidamente, trata-se de um sistema utilizado para estimar o crescimento de florestas homogêneas a partir de parâmetros ambientais. Segundo Lemos (2012), o modelo 3-PG calcula a absorção da energia solar pelas folhas, que é convertida em carboidratos, alocados nas folhas, nos galhos, na casca, no lenho e nas raízes. Para que o sistema 3-PG funcionasse corretamente, foi necessário parametrizá-lo com as variáveis ambientais do local para o qual se deseja realizar as estimativas de crescimento florestal.

No ano de 2004, Stape et al, fizeram a parametrização do 3-PG utilizando dados experimentais coletados na região de Entre Rios-BA, em áreas da Copener. Outras parametrizações também já foram feitas para diversas regiões do Brasil, como Espírito Santo (Almeida et al, 2004); Vale do Rio Doce, em Minas Gerais (Silva, 2006); e Cerrados (Curvelo e Itamarandiba), em Minas Gerais (Borges, 2009).

Utilizando-se o programa 3-PG com os parâmetros ajustados por Borges (2009), foram feitas duas simulações: na primeira, foram utilizados os dados climáticos (precipitação pluviométrica, temperaturas mínimas e máximas) das normais climatológicas (média dos anos de 1961 a 1990), estimadas a partir de interpolação de dados pelo site Tempo Agora, e, na segunda, foram utilizados os dados observados para o ano de 2014 nas duas regiões.

Nas simulações, foram consideradas 1.111 plantas por hectare, já que esse é o número de plantas adotado durante a parametrização do 3-PG. De acordo com os resultados das simulações, aos 7 anos de idade, o crescimento em volume seria de 408 m3/ha-1, e o incremento médio anual (IMA), de 56 m3/ha-1/ano-1, caso o comportamento do clima fosse exatamente igual ao das normais climatológicas para a regional de Carbonita.

Nessa mesma idade, o volume produzido seria de 143 m3/ha-1, e o IMA, de 19,8 m3/ha-1/ano-1, caso o comportamento do clima fosse exatamente igual ao ocorrido durante o ano de 2012. Ou seja, as condições climáticas normais para a regional de Carbonita proporcionariam uma produtividade 2,8 vezes superior à que seria obtida se as condições climáticas de 2012 se repetissem ao longo de toda uma rotação florestal.

Tratou-se de uma simulação, mas nos alerta sobre a sustentabilidade dos nossos plantios florestais; o desenvolvimento de técnicas de silvicultura racional deve levar em consideração as bases e a dinâmica dos recursos de crescimento das árvores (luz, água e nutrientes) de forma compatível com os componentes ambientais e o retorno econômico. O estresse hídrico é um fator limitante para Eucalyptus em todo o globo.

O consumo de água aumenta com o crescimento do eucalipto e pode influenciar a bacia hidrográfica onde está plantado, por isso técnicas de planejamento ambiental e de silvicultura devem ser utilizadas na sua implantação. Estudos precisam ser ampliados para se determinar a eficiência no uso da água pelo eucalipto em todas as escalas, já que se trata de um fenômeno mais complexo.

O binômio hidrologia versus eucalipto vem despertando pesquisadores ao redor do mundo, que estão usando modelos baseados em processos para as florestas plantadas e para diferentes escalas (stand, bacias hidrográficas, regiões); esses modelos necessitam de parâmetros genéticos para sua geração. A linha de pesquisa relacionada aos mecanismos de uso e à regulação de água pelas plantações deve, necessariamente, levar em conta a interação entre os processos ecofisiológicos e a genética, principalmente porque há variabilidade genética em Eucalyptus sobre as estratégias de tolerância à seca, e o desenvolvimento de indicadores dos mecanismos fisiológicos específicos é essencial para a triagem facilitada, com o objetivo de acelerar programas de melhoramento das empresas.

Os genótipos têm uma elevada capacidade tampão em relação ao estresse ambiental, portanto a estabilidade é um valor a ser perseguido, com base no equilíbrio entre produtividade, qualidade do produto e resistência da planta ou tolerância aos agentes bióticos e abióticos. Não necessariamente o genótipo mais adequado é o mais produtivo.

A pesquisa florestal nacional não está parada, as empresas têm se associado para entender melhor a dinâmica do ecossistema florestal plantado; para isso, foram criados o Programa Torre de Fluxo (EucFlux), que estuda o fluxo de energia, de água, de nutrientes e de carbono no ecossistema florestal, estimando a eficiência do uso desses recursos no crescimento da floresta de eucalipto, validando modelos ecofisiológicos que serão usados como ferramentas de análise da produção e da sustentabilidade do ecossistema, e o Programa Tolerância de Eucalyptus Clonais aos Estresses Hídrico e Térmico (Techs), que estuda os aspectos ecofisiológicos que interferem na tolerância do eucalipto a estresses hídrico e térmico nos principais clones do Brasil e pretende aprofundar o conhecimento da ecofisiologia do eucalipto, ao mesmo tempo que aproxima os estudos da área de melhoramento genético e hidrologia florestal.

Além da fundamental questão da influência da água na produtividade, é essencial que as empresas saibam sua pegada hídrica; para isso, necessitam ter indicadores de desempenho monitorados e gerenciados, de forma a desenvolver processos cada vez mais eficazes no uso da água nos seus processos produtivos. Para isso, devem estratificar o consumo, definindo metas e prioridades por área.

O correto uso da água pelo setor passa por questões legais e gerenciais, como a necessidade de outorga do uso de recursos hídricos, o uso de alternativas para redução de água, como projetos de recirculação de água nos viveiros florestais, e o uso do gel no momento do plantio, que, em média, reduziu de 4 litros de água por cova para 800 ml de solução.

Na silvicultura, é imprescindível manter e/ou aumentar a quantidade de resíduos florestais nas áreas; evitar ao máximo o escoamento superficial e os processos erosivos, retendo a água no sistema através da construção e manutenção das bacias de contenção, camaleões e bigodes; estudar a densidade populacional ideal de plantas por hectare; monitorar a nutrição dos plantios, não deixando que eles fiquem deficientes, principalmente em nitrogênio, potássio e boro; identificar áreas de recarga, matas ciliares e nascentes dentro das propriedades que necessitem de recomposição/melhorias.

A transferência de conhecimento científico sobre a relação água e eucalipto é deficiente. É necessário melhorar a comunicação com os usuários potenciais e formuladores de políticas, através de eventos científicos e técnicos, cursos com participação de pesquisadores/silvicultores e produção de publicações com linguagem técnica adequada e de fácil acesso sobre o tema.