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Suzana Maria Salis

Pesquisadora da Embrapa Pantanal

Op-CP-07

O proprietário rural que exercer suas atividades mantendo a biodiversidade, precisa ser beneficiado

O Pantanal, planície inundável, com cerca de 140.000 km2, está inserido na Bacia do Alto Paraguai. A região vem sendo ocupada há mais de 200 anos para a criação extensiva de gado bovino. Esta atividade econômica utiliza os recursos naturais da região, como a pastagem nativa para a alimentação do rebanho e a madeira para a construção de cercas, currais e galpões.

A partir de 1990, em função da necessidade dos proprietários em intensificar a produção pecuária, tem ocorrido o desmatamento e/ou a substituição de áreas com vegetação nativa, para a introdução de pastagens exóticas (braquiárias). Os proprietários tradicionais do Pantanal, que possuem uma vivência e um saber local, normalmente realizam as alterações no sistema de produção, de maneira mais branda, procurando respeitar as restrições naturais do ecossistema.

O mesmo não ocorre com os proprietários oriundos de outras regiões do Brasil, que por desconhecerem o funcionamento do ecossistema, geralmente, se restringem a cumprir a exigência de 20% de reserva legal prevista no Código Florestal, o que representa uma ameaça real à manutenção da biodiversidade na região. Trabalhos publicados estimam em 17% a área de supressão da vegetação nativa no Pantanal até 2004, com uma taxa anual de acréscimo de 2,3%.

Para o desenvolvimento e a conservação do Pantanal, deve-se pensar na diversificação das atividades econômicas, como o turismo e outras que sejam compatíveis e se beneficiem da manutenção da biodiversidade. Assim, a mudança de paradigma para o desenvolvimento da região do Pantanal é desejável, pois se trata de um ecossistema com características climáticas e edáficas extremas (período de seca e de cheia), com variação ao longo do ano e entre anos.

Esta mudança de paradigma é possível, porque o ecossistema pantaneiro ainda está pouco alterado. Soma-se a isso o fato do Pantanal ainda manter populações vigorosas de várias espécies animais e vegetais, que constam como ameaçadas na lista do Ibama e da IUCN, International Union for Conservation of Nature and Natural Resources.

Os cerradões do Pantanal da Nhecolândia, por exemplo, podem apresentar entre 25 e 43 espécies de árvores, com menos de 40% das espécies comuns entre os cerradões, evidenciando uma grande heterogeneidade numa única fisionomia, relacionada à fertilidade de solo, que geralmente é baixa, e também ao histórico de uso da área.

Além das ameaças que ocorrem na planície, deve-se ter um cuidado especial com as atividades econômicas que são desenvolvidas nos planaltos adjacentes, das várias bacias que drenam para o Pantanal, pois estas também podem afetar a planície pantaneira. Nos planaltos da Bacia do rio Taquari, a partir da década de 1970, houve rápida expansão da agropecuária, muitas vezes sem os cuidados necessários para a conservação dos solos e áreas de preservação permanentes. O resultado foi o assoreamento do rio e mudança de seu regime hidrológico.

O caso do rio Taquari é um típico exemplo de desenvolvimento não sustentável, pois houve produção agropecuária numa parte da bacia hidrográfica e prejuízos econômicos, ecológicos e sociais em outra. Estudos realizados pela Embrapa Pantanal e seus parceiros apontaram que no rio Taquari faz-se necessária a adoção de boas práticas de uso do solo e recuperação das áreas degradadas no planalto.

A recuperação ambiental é muito mais custosa quando o uso não planejado afeta funções-chave do ecossistema. Isso tudo ilustra bem a necessidade de planejamento do desenvolvimento nas bacias hidrográficas, em bases sustentáveis, levando-se em conta os aspectos econômicos, sociais e ambientais. No aspecto ambiental, por exemplo, a cobrança da aplicação do Código Florestal no planalto, especialmente para garantir as áreas de preservação permanente, é um passo fundamental e urgente.

Esta medida pode favorecer a manutenção das condições dos cursos d’água e também a manutenção da diversidade biológica, com o aumento da conectividade, disponibilidade e qualidade de habitats, para espécies nativas nas bacias da região. As reuniões organizadas pelo Centro de Pesquisa do Pantanal (CPP), com a coordenação da Embrapa Pantanal e da UFMT, com a participação de fazendeiros, pesquisadores, professores, membros da OAB, ambientalistas e representantes do governo, vêm contemplando este novo paradigma com a discussão, por exemplo, da aplicabilidade do Código Florestal vigente no Pantanal, no que diz respeito às áreas de preservação permanentes.

Os resultados dessas reuniões têm sido adotados pelo Estado no Mato Grosso na legislação estadual específica para o Pantanal. Ainda dentro do contexto de conservação e uso sustentável dos recursos naturais, a Embrapa Pantanal e a Embrapa Florestas, junto com parceiros do CPP, têm realizado pesquisas sobre a ocorrência e distribuição das espécies arbóreas nas formações do Pantanal.

Também têm desenvolvido fórmulas regionais para estimativa de biomassa e volume de madeira de formações naturais, bem como estudo da curva de crescimento dessas espécies arbóreas. Os dados disponíveis ainda são para poucas espécies, pretendendo-se chegar a indicações para um manejo sustentável dessas formações florestais.

A Embrapa Pantanal, junto com universidades e o CPP, busca ainda indicadores ecológicos e de limiares (de sustentabilidade), para nortearem a tomada de decisão dos proprietários, no sentido de realizar a sua atividade produtiva, com manutenção da biodiversidade. Também entendemos que estes proprietários rurais, que exercem atividades produtivas mantendo a biodiversidade, devam receber algum benefício pelo serviço ambiental que estão realizando, seja na forma de certificação ambiental ou qualquer outro mecanismo, que agregue valor e os compense financeiramente.