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Maurício de Almeida Voivodic e Leonardo Sobral

Secretário Executivo e Gerente de Certificação da Imaflora

Op-CP-36

O árduo caminho

Assim como as florestas tropicais, o setor florestal brasileiro é marcado por uma imensa diversidade. Coexistem no setor empresas que estão na dianteira da sustentabilidade – inovando na forma de produzir e de se relacionar com a sociedade – com empresas que ainda operam de forma arcaica, produzindo madeira ilegalmente, realizando conversão de áreas naturais e utilizando mão de obra em condições precárias e insalubres.

Se, por um lado, essa diversidade impede qualquer tipo de aferição sobre o quão sustentável é o setor florestal brasileiro, por outro, permite algumas análises sobre as principais características que marcam o posicionamento de empresas nesse longo gradiente da sustentabilidade.

Uma das principais dificuldades nesse debate é a confusão que existe em torno da definição de o que é sustentabilidade. A ausência de uma definição consagrada (algo impossível, dada a natureza subjetiva da sustentabilidade e a necessidade de análises sempre caso a caso) permite o uso indevido do termo, muitas vezes associado a campanhas de marketing greenwash ou a práticas produtivas que estão longe de ser sustentáveis.

Nesse campo do debate público, tem sido aceita a ideia de que sustentabilidade não é um fato, e sim um objetivo a ser constantemente buscado. Um processo contínuo, e não uma conquista definitiva. Um alvo móvel que se distancia sempre que nos movemos em sua direção.

Já é possível caracterizar as principais etapas nesse processo de busca pela sustentabilidade. O cumprimento legal é, sem dúvida nenhuma, um primeiro passo. Operar a atividade florestal dentro do marco legal aplicável é condição essencial para a sustentabilidade. Em um país como o Brasil, em que as leis são bastante rígidas, mas o seu cumprimento é, em alguns casos, mais exceção do que regra, o atendimento a leis fundiárias, trabalhistas e tributárias, ao código florestal, às normativas de manejo florestal, de gestão de resíduos e efluentes, etc. é, inquestionavelmente, um enorme passo rumo à sustentabilidade.

Entretanto seria equivocado alegar que uma atividade é sustentável simplesmente por cumprir com as leis. Mesmo dentro da lei, empresas podem converter áreas de florestas naturais e de cerrado e podem gerar passivos sociais e ambientais enormes nas regiões onde operam e ao longo de suas cadeias produtivas.

Além disso, cumprir as leis é o mínimo e não deveria ser tratado como a agenda verde ou da sustentabilidade, pelas empresas no setor. Uma vez cumpridas as leis, um segundo passo bastante típico no processo rumo à sustentabilidade é fazer uma gestão para minimizar, ou zerar, os danos causados à sociedade ou ao ambiente (do no harm, na conhecida expressão em inglês). Passar a se responsabilizar as empresas pelos impactos negativos causados direta ou indireta por suas operações, é um enorme desafio, e são realmente poucas as empresas no setor florestal que já alcançaram esse patamar.

Casos clássicos como os impactos regionais causados pelo processo de construção de uma nova fábrica, ou de ampliação da base florestal em uma nova região, ou os impactos negativos causados pelas atividades de seus fornecedores, nem sempre são assumidos como impactos próprios da empresa, e ainda se escuta muito o argumento de que “tudo foi feito sobre o estrito cumprimento das leis”.

O terceiro passo almejado seria aquele em que as empresas assumem que suas responsabilidades na sociedade vão além de gerar empregos, pagar impostos, cumprir as leis e não causar danos. Assumem que a responsabilidade por tornar o mundo melhor não pode ficar apenas nos ombros dos governos e que os atores do setor privado são, provavelmente, aqueles que detêm, hoje, as melhores condições para contribuir para a resolução de alguns dos principais problemas que a humanidade enfrenta: pobreza, fome, mudanças climáticas, escassez de água, perda de habitats e de biodiversidade, corrupção, etc.

Essa postura foi inicialmente definida por professores de Harvard  como sendo a evolução das políticas tradicionais de responsabilidade social corporativa e foi denominada “valor compartilhado”, ou seja, empresas que, além de gerar valor para seus investidores, geram valor à sociedade e ao planeta e, ao fazerem isso, aumentam a sua competitividade e lucro.

As empresas que conseguem operar dessa forma são aquelas que estão realmente próximas do que se entende hoje por sustentabilidade. Importante também lembrar que esse caminho rumo à sustentabilidade, e a responsabilidade sobre ele, não deve se limitar apenas ao elo produtivo da cadeia de valor.

Ou seja, já superamos a fase em que toda a responsabilidade pelos impactos negativos da produção florestal recaía exclusivamente sobre as empresas florestais ou madeireiras na Amazônia. A abordagem defendida nos parágrafos anteriores é aplicável também às empresas que utilizam o produto florestal em suas atividades produtivas e, portanto, são corresponsáveis pela forma como essas florestas estão sendo manejadas.

Isso vale para as construtoras quando compram madeira para suas obras; para as produtoras de ferro gusa quando compram carvão vegetal; e até para um órgão de governo quando encomenda uma obra pública que utilizará grandes volumes de madeira. Não apenas a responsabilidade deve ser compartilhada ao longo da cadeia de valor, como também os custos da produção sustentável.

Pagar um valor superior por uma madeira da Amazônia com o certificado FSC não é uma questão de luxo, mas sim de reconhecer que os seus custos de produção são, naturalmente, mais altos do que aqueles associados à produção ilegal e predatória. E optar pela madeira com o selo é a forma para evitar que a empresa seja associada aos impactos negativos de tal produção predatória.

Ainda que não seja possível prescrever uma receita de como tornar a sustentabilidade possível no negócio, o caminho para isso parece já estar bem traçado. É, realmente, uma questão de responsabilização e de ética nos negócios. Empresas são criadas para gerar valor aos seus acionistas, mas não significa que, para isso, tenham que reduzir o valor de terceiros ou do ambiente.

Adotar a sustentabilidade como estratégia de negócio significa estar preocupado com os efeitos que esse negócio gera à sociedade e ao planeta e, ao final, entender que a prosperidade da empresa depende diretamente da prosperidade do mundo ao seu redor.