Me chame no WhatsApp Agora!

Walter Batista Junior

Doutor em Meteorologia Agrícola da UFV - Universidade Federal de Viçosa

Op-CP-57

A influência da floresta amazônica no clima
Segundo informações disponíveis no site do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (www.terrabrasilis.dpi.inpe.br), durante o período de 2008 a 2018, a região da Amazônia Legal Brasileira sofreu um desmatamento de aproximadamente 69.9 mil km². 
 
Seja para a extração ilegal ou manejo legal da madeira, seja para a formação de pastos ou para a geração de diferentes commodities (agrícolas e minerais), a mudança do uso da terra através do desmatamento e dos incêndios florestais produzem, além de muita fumaça, reações apaixonadas em grande parte do Brasil e do mundo. 
 
Não é nossa proposta discutir os fatores que influenciaram a variabilidade das taxas desse processo, observada ao longo das duas últimas décadas, mas sim alertar para os possíveis impactos que a retomada do desmatamento desordenado da maior floresta tropical existente no mundo pode trazer para grande parte da América do Sul.
 
A floresta Amazônica situa-se na faixa equatorial do planeta, sendo caracterizada por um clima quente e úmido. Possui uma área estimada em 6,3 milhões de km², dos quais aproximadamente 5 milhões de km² estão localizados em território brasileiro (compreendidos pelos estados do Pará, Amazonas, Rondônia, Roraima, Acre e Amapá e parte dos estados de Tocantins, Mato Grosso e Maranhão) e o restante dividido entre os países da Bolívia, Colômbia, Equador, Peru, Venezuela e Guianas. A existência da Cordilheira dos Andes (ao oeste, com elevações de até 6.000 m), do Planalto das Guianas (ao norte, com picos montanhosos de até 3.000 m), do Planalto Central (ao sul, altitudes típicas de 1.200 m) condiciona que toda a água captada na região acabe por escoar para o Oceano Atlântico (ao leste).
 
Assim delimitada, a área que forma a maior bacia hidrográfica do mundo possui uma precipitação média de aproximadamente 2.300 mm/ano, embora tenhamos regiões (na fronteira entre Brasil e Colômbia e Venezuela) em que o total anual supere os 3.500 mm/ano.
Os elevados valores de precipitação próximos à Cordilheira dos Andes devem-se à umidade transportada pelos ventos alísios de leste da Zona de Convergência Intertropical (ZCIT). Por outro lado,
 
a região costeira (no litoral do Pará ao Amapá) também é um importante aporte de umidade para a região através da constante evaporação do Oceano Atlântico Equatorial. Conhecida erroneamente como o “Pulmão do Mundo” (pois a maior parte do oxigênio produzido é consumido no próprio ecossistema), a Floresta Amazônica libera, através de fenômenos fisiológicos (fotossíntese e evapotranspiração) de suas árvores, arbustos e relvas, produtos que serão de grande importância na composição da umidade atmosférica da região, sendo esta resultante da quantidade de água evapotranspirada pelas plantas, adicionada da água advinda da costa marítima.

Dessa maneira, podemos estimar que, aproximadamente, 50% do vapor d'água que precipita pelas chuvas são produzidos localmente (evapotranspiração), e o restante, importado para o centro da região pelo fluxo atmosférico proveniente da evaporação do oceano Atlântico, ou seja: a floresta é sim uma grande formadora de chuvas.
 
Segundo resultados de pesquisas realizadas através do Programa de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia (LBA), os compostos orgânicos voláteis emitidos através da evapotranspiração das plantas, em especial das árvores, auxiliam na condensação da umidade no interior das nuvens, resultando na formação das chuvas que caem na região.

Os pesquisadores que participaram desse programa apelidaram de “rios voadores” o fenômeno de deslocamento de grandes volumes de umidade advindos das sucessivas repetições desse processo (precipitação, absorção pelas plantas, evapotranspiração, condensação, precipitação), o qual consegue deslocar umidade da bacia Amazônica para outras regiões do País, incluindo-se aí o Centro-Oeste, o Sudeste e parte do Sul do Brasil.
 
Normalmente, durante o período entre o final da primavera e por todo o verão, a evolução dos deslocamentos de umidade produzida na região Amazônica para as demais regiões se torna mais marcante, através da formação do sistema climático conhecido como Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS). Uma ZCAS é definida como uma faixa de nebulosidade de orientação noroeste/sudeste que se estende desde o Acre, passando pelo Brasil Central e Minas Gerais, chegando até a região central do Atlântico Sul, sendo este o principal sistema encarregado da ocorrência de chuvas regulares em quase toda essa faixa do Brasil, durante a estação das chuvas. 
 
Por outro lado, esse sistema de circulação atmosférica da região Amazônica para as regiões Central/Sudeste/Sul não desloca apenas umidade, como ficou evidenciado em 19 de agosto de 2019, quando o céu da capital paulista escureceu repentinamente a partir das 15h. Depois de avaliarem imagens de satélite, os pesquisadores do Programa Queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) chegaram à conclusão de que o evento foi a combinação de duas condições coincidentes, porém de natureza física distinta: a entrada de uma frente de ar frio e a presença de nuvens de fumaça provenientes de queimadas originadas a milhares de quilometros de distância, umas das outras, causadas por ações humanas não só no Sul da Amazônia brasileira, mas também na Bolívia, no Brasil Central, no Paraguai e no norte da Argentina.
 
Os eventos que interferem na dinâmica climática na região Amazônica têm o poder de interagir diretamente no clima, em grande parte do Brasil e em outros países da América do Sul, sendo essas regiões grandes produtoras de alimentos e de energia elétrica, commodities fortemente dependentes da água como elemento produtivo. 
 
Os mecanismos de transporte de umidade descritos até aqui servem para explicar, em parte, a não existência de grandes desertos ao longo da região equatorial até a Patagônia. Se a ocorrência das ZCAS tem beneficiado o Sudeste do Brasil, para a manutenção das condições climáticas naturais, o desmatamento e a decorrente degradação do sistema climático Amazônico pode aumentar a ocorrência de eventos extremos, como a longa estiagem que aconteceu em 2014, a qual interferiu diretamente na disponibilidade de água para milhões de pessoas.
 
No Brasil e no mundo, a ocorrência dos eventos extremos (secas e enchentes) tem aumentado ano após ano, com perdas de safras, estruturas físicas e vidas humanas. Não por acaso, a grande maioria dos cientistas tem correlacionado tais aumentos às mudanças climáticas e à destruição de biomas florestas e de seu potencial de amortecimento das intensidades das tempestades e ondas de calor.
 
O atual modelo produtivo, que adota a substituição da floresta pelo binômio pastagem/monocultura, não é só prejudicial para os ambientes e as comunidades locais, mas também para o restante do continente, visto que, além dos países da região Amazônica, temos outros que sentem diretamente a interferência em seus regimes climáticos pela existência da floresta em pé.
 
Desde 2012, observamos a retomada na escalada do desmatamento da floresta Amazônica, o qual poderá atingir, neste ano, sua maior extensão, desde 2008. Se essa situação não for revertida, poderão ocorrer sérios e irreversíveis problemas de circulação de umidade em grande parte do continente. 
 
Neste momento, mais do que nunca, se faz necessária a conscientização da sociedade civil, dos empresários de diferentes setores, dos produtores rurais e dos governos estaduais e Federal, com relação à importância da manutenção da floresta em pé. Do contrário, o preço pago pela aposta, de “deixar acontecer para ver como fica” pode ser alto demais.