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Eduardo de Souza Martins

Diretor da E.labore Assessoria em Meio Ambiente

Op-CP-38

Entre árvores e desafios

Surpreendente os caminhos que uma potencialidade percorre para se expressar no Brasil. A baixa institucionalidade, a falta de consistência na definição do que é relevante e as assimetrias entre importância econômica e peso político transformam muitas das nossas vantagens comparativas em performances muito abaixo das possibilidades.

Depois de atuar no setor público, na área privada como consultor de grandes empreendimentos, e, agora, como produtor florestal, ficam claras as nossas debilidades para dar às florestas a dimensão merecida. Acredito que, somado às nossas fragilidades, está o requerimento temporal de longo prazo, que amplifica os desafios do setor.  Num país que recém alcançou uma estabilidade econômica, ainda frágil, tratar de negócios que requerem ciclos longos de produção envolve muita determinação e coragem.

A despeito das dificuldades, podemos identificar avanços e, principalmente, sinalizar oportunidades. De forma genérica, podemos afirmar que, para a indústria de base florestal, quanto maior a intensidade de capital, maior é o grau da autossuficiência de florestas plantadas, fruto, de um lado, da lógica burocrática das exigências normativas e, de outro, do sentimento de segurança gerado pelo controle da floresta.

A lógica burocrática avançou pouco para dar mais fluidez para a atividade florestal de rendimento. Na maioria dos estados, o resultado é um emaranhado de normas fundamentadas no comando e no controle e reativa a segmentos do setor que recorreram a todas as possibilidades para postergar a implantação de florestas para garantir seu suprimento sustentável. 

Não tenho a convicção de que o avanço do controle pressionou para o aumento da autossuficiência mais que a equação econômica do custo do transporte de biomassa de fontes duvidosas, mas passíveis de serem “legalizadas”. De qualquer forma, as normas florestais deixaram uma herança que desencoraja a eficiência e, infelizmente, muitas vezes, cria as condições para alimentar novos desvios.

Por exemplo, se sua floresta tiver um bom rendimento que ultrapasse a média regional, existem estados que só liberam a papelada depois de solicitar uma cubagem amostral, isto é, derrubar uma parcela, empilhar a madeira e medir os estéreos. Sem falar das exigências de licenciamento ambiental que desestimula qualquer produtor fazer crescer seu plantio além de 1.000 hectares.

Nesse ponto, é relevante considerar quais os custos para a sociedade envolvidos no comando e no controle, além de verificar que se torna um desestímulo para quem quer atuar de forma correta, e, ainda, para os desonestos, um estímulo para a corrupção, quando o custo do “jeitinho” sai mais barato que atender a todas as exigências. “Melhor adotar modelos declaratórios para regulamentação, utilizando tecnologias modernas de monitoramento e orientando os técnicos para realizar verificações reais, no lugar da análise de uma montanha de papel.

” Na realidade, a nova versão do Código Florestal, no seu Capítulo VIII – Do Controle da Origem dos Produtos Florestais, deveria inspirar uma ampla revisão das normas florestais estaduais. Se os custos de transação ainda desestimulam que a produção florestal se amplie para a paisagem rural brasileira, a dinâmica dos setores mais tradicionais pode oferecer oportunidades.

O setor de papel e celulose, de forma lenta, mas com avanços sistemáticos, tem suprido suas necessidades de florestas com outras fontes, além dos seus latifúndios. As oportunidades do mercado e as restrições de expansão têm levado algumas plantas a buscar florestas de terceiros a distâncias de mais de 400 km. Mesmo que essas demandas sejam circunstanciais, o exercício da busca por outras fontes florestais é de enorme didatismo para esse segmento, pois permite reconhecer e estudar alternativas de produção.

Tal aprendizado ganha relevância para o setor de papel e celulose, se os custos e riscos socioambientais dos plantios próprios crescerem muito, e o suprimento de terceiros for competitivo. Outra novidade, pelo menos no Brasil, é o surgimento de fundos baseados em ativos florestais. Organizam os meios de produção, garantem a destinação e oferecem rendimentos atrativos para os investidores, melhores que a maioria das aplicações de previdência privada. Os fundos estão ancorados na destinação para o setor de papel e celulose, mas o modelo pode prosperar também para outros segmentos florestais.

Também merecem atenção as florestas formadas para atender ao cluster siderúrgico, caso as alternativas energéticas provenientes do gás de xisto restrinjam a competitividade do gusa brasileiro. Confirmada a hipótese, teríamos um razoável estoque de madeira em busca de alternativas de destinação. Tenho grande esperança de estarmos iniciando uma nova fase do tratamento das questões florestais em nosso país.

Acredito que é possível vencermos o tempo onde o crescimento da agricultura era equivalente a florestas derrubadas e queimadas. Somos uma pátria privilegiada e devemos, em benefício de todos os brasileiros, escolher o desenvolvimento com floresta. Durante décadas, foi acumulado um passivo em relação ao Código Florestal, e as tentativas de reversão se mostraram infrutíferas: das fiscalizações, sequer as multas foram efetivamente recebidas, e as previsões de recuperação, raramente implementadas com sucesso.

O resultado com o Novo Código foi a criação de condições para superar o passado, usando do bom senso e do compromisso com o País. O que ganharíamos criminalizando a maioria do campo ou sinalizando que o produtor rural não tem nenhum compromisso de recuperar o que foi destruído? Nada, além de alimentar a polarização de um debate que não serve à sociedade brasileira.

De uma forma simples, podemos dizer que a construção política do Novo Código trata do futuro das florestas brasileiras com equilíbrio, promovendo sua proteção e incentivando seu papel de bem comum. Não existe, na nova lei, nenhum incentivo a novos desmatamentos; foram mantidos os percentuais obrigatórios para a Reserva Legal; e mais: a localização da Reserva Legal deverá atender a critérios de gestão da bacia e proteção da biodiversidade.

Como resultado, o tratamento do passivo gera uma tremenda oportunidade de recuperar a funcionalidade florestal das Reservas Legais das áreas rurais, com a possibilidade de exploração econômica, conforme previsto no Código Florestal. Das recuperações previstas, estimo que cerca de 15 milhões de hectares possam se transformar em florestas produtivas, talvez a maior chance já construída para conjugar desenvolvimento agrícola e florestas.

De novo, os maiores e melhores esforços, até o momento, se orientaram para o comando e o controle na figura do Cadastro Ambiental Rural; muito pouco se trabalhou no Capítulo X do Código Florestal, que trata do apoio e incentivo para mobilizar meios para as novas florestas. Também carecemos de bases silviculturais para oferecer modelos de recuperação que garantam a feição florestal e ofereçam alternativas econômicas para as Reservas Legais nas diversas regiões do País.

Tenho grande esperança de que o início do século XXI seja reconhecido como o período em que o Brasil foi capaz de iniciar uma grande transição florestal, com a conservação dos nossos remanescentes, com a recuperação florestal produtiva de nossa paisagem rural, e, principalmente, quando superamos o atraso e a miopia política do falso dilema entre o desenvolvimento e a floresta.