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Jeanine Maria Felfili Fagg

Professora de Inventário Florestal da UnB

Op-CP-07

Recuperação de áreas degradadas no Cerrado, com espécies nativas do Bioma: quebrando paradigmas

O conceito de grupos funcionais em resposta à luz, com espécies arbóreas de crescimento rápido, como iniciadoras de sucessão, tem norteado os modelos de recuperação de áreas degradadas, tanto com vistas à restauração das características originais e funções dos ecossistemas, como em procedimentos que visem apenas a cobertura do solo.

Por um lado, algumas espécies dependem de luz para germinar e crescer, que são as pioneiras, no outro extremo, outras espécies só conseguem germinarem e crescerem nos estágios iniciais, à sombra das demais. Desse modo, em um processo de recuperação da cobertura vegetal ou na restauração, busca-se introduzir primeiro as espécies pioneiras, para crescerem rápido e produzirem sombra e posteriormente, aquelas de tendência clímax, que se beneficiarão dessa sombra, em um modelo clássico, conhecido como sucessional.

Nas florestas tropicais úmidas, as respostas funcionais condizem com esse modelo e são exemplos, no Brasil, os comportamentos das plantas de Floresta Amazônica, Floresta Atlântica, Florestas de galeria e até mesmo de algumas florestas semideciduais ou matas secas. Na região Central do Brasil, um mosaico de fisionomias composto de savanas (campos e cerrados) e florestas intercalam-se e, especialmente, nos Cerrados, a luz não é a principal determinante da sucessão.

A sucessão é, muitas vezes, fisionômica onde, ao invés da alternância de espécies que ocorre no interior de florestas, muda-se a fisionomia. A vegetação muda de Cerrado ralo para denso ou vice-versa, em função da ocorrência de queimadas, entre outros fatores. Mesmo em áreas muito próximas, as florestas substituem o Cerrado, devido a mudanças na umidade do solo e pela ocorrência de afloramentos calcáreos, onde a fertilidade é elevada.

Isto ocorre porque o clima do Brasil Central é intermediário, entre o tropical úmido e o semi-árido, podendo dar suporte a florestas. Nos Cerrados, as árvores são, em geral, totalmente expostas à luz, e mesmo nas florestas da região, a exposição é intensa, pois, ou o espaçamento entre as árvores é amplo, como nas matas secas ou o efeito de borda é intenso, como nas matas de galeria e ciliares.

Modelos baseados na sucessão em resposta à luz e na rápida cobertura do solo para conter processos erosivos, adotados correntemente, têm levado mais à degradação do que à recuperação. Braquiárias e outros capins importados da África e usados como forragem para o gado, quando plantados para recuperar, formam uma grande massa verde, que na estação das secas é excelente condutora de fogo e propagam grandes incêndios, destruindo a vida no local que, teoricamente, está sendo recuperado, e ainda propaga o fogo para as áreas silvestres vizinhas que, gradativamente, com os incêndios repetidos e invasão de espécies exóticas, tornam-se, também, degradadas.

A queima produz emissão de CO2 e contribui mais ainda para agravar os problemas climáticos atuais. As gramíneas exóticas são muito agressivas, recobrindo totalmente o solo e impedindo o crescimento de mudas de árvores. A recuperação torna-se mais cara e difícil, com necessidade de roçagem, coroamento e aceiramento, por pelo menos cinco anos, até que árvores cresçam, produzam sombra e abafem o capim, o que torna essa prática pouca atrativa para os produtores rurais. O lento crescimento nos primeiros anos de plantio e o pequeno porte agravam ainda mais este problema, quando são plantadas apenas espécie de Cerrado típico.

Alternativas menos agressivas para a cobertura do solo, como o amendoim do Cerrado Arachys pintoi, legumi-nosa nativa, forrageira e rasteira, cujas sementes são comercializadas em grande escala no mercado, reduziriam em muito o custo de manutenção de plantios de recuperação, assim como a adoção de modelos que acelerem a cobertura do solo pelas copas das árvores. Daí a necessidade de quebrar paradigmas para a concepção de novos modelos, para a recuperação e a restauração de áreas degradadas, na região dos Cerrados.

Considerando o padrão de sucessão fisionômica do Cerrado e considerando o ritmo de crescimento das espécies, onde as árvores de florestas de galeria e de florestas estacionais (matas secas) crescem mais rápido do que as espécies de Cerrado, quando plantadas em áreas degradadas deste, foi desenvolvido o Modelo Nativas do Bioma.

Este Modelo teve como base duas décadas de estudos, no âmbito dos projetos Biogeografia do Bioma Cerrado, Estrutura e Dinâmica das Matas de Galeria, Florestais Estacionais e de Cerrado, Conservação e Manejo da Biodiversidade do Bioma Cerrado e Ecofisiologia das Plantas Nativas do Cerrado. Contou com o apoio do FNMA, CNpq, FINEP, DIFID-UK, dentre outros financiadores, e incluíram pesquisadores da Universidade de Brasília, da Embrapa-Cerrados e Cenargen, do IBGE, da Universidade Federal de Uberlândia, da Universidade Estadual de Nova Xavantina, MT e da Universidade Católica de Brasília, dentre outros.

Este modelo foi implantado em escala de campo, em propriedades rurais e áreas públicas, inclusive com o apoio do MMA-FNMA e Diretoria de Biodiversidade e Florestas e do INCRA, em várias localidades do Distrito Federal, Goiás e Minas Gerais. A rápida cobertura do terreno, por espécies nativas de crescimento rápido, além de reduzir os custos de manutenção, gratifica os responsáveis pela recuperação e estimula novas iniciativas, dinamizando, dessa forma, a recuperação das áreas degradadas do Cerrado e agregando uma função econômica e social, além da ecológica. A existência da Rede de Sementes do Cerrado e de várias experiências com produção de mudas, plantio e manejo, é garantia de que o Cerrado pode ser recuperado em grande escala, com um mix de espécies nativas da própria região, com benefícios socioeconômicos e ambientais.