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Mônica Cabello de Brito

Diretora da Casa da Floresta Assessoria Ambiental

Op-CP-36

Prática diária ou compilação de índices

Historicamente, podemos ver como alguns termos foram sendo utilizados e depois descartados para incorporação de outros mais em alta. Primeiro, veio a reengenharia, depois a qualidade total, mais tarde a responsabilidade social, que, depois, passou a ser chamada de responsabilidade socioambiental, e, hoje, a sustentabilidade é a bola da vez.

A palavra sustentabilidade está presente hoje na totalidade das empresas florestais. Por onde você caminha, pode-se ver lá escrito: gerência de sustentabilidade, relatório anual de sustentabilidade, pilares de sustentabilidade, valores de sustentabilidade, projetos de sustentabilidade e por aí vai. É consenso que a sustentabilidade deva estar presente nas empresas do setor florestal.

Isso poderia ser um motivo de comemoração, embora, na prática, isso seja, por vezes, bem diferente. O que podemos comemorar é que muitas delas vêm trabalhando duro para que a sustentabilidade não fique só no papel. Muito se tem avançado, e, diferente de outros setores mais próximos, como o da agricultura, o setor florestal avançou muito nos últimos anos, e isso sim é de tirar o chapéu.

Mas ainda há muito o que se discutir, há muito o que fazer para que o termo não seja só mais uma exigência de mercado. Se tomarmos como ponto de partida que sustentabilidade, para resumir, seja gerar o menor impacto possível ao meio ambiente e às comunidades de humanos e não humanos, passa a ser premissa que o termo deva ser transversal dentro de toda e qualquer atividade que englobe a produção de florestas. E é aí que mora o perigo!

O que podemos ver é que o entendimento sobre sustentabilidade passa pelo tripé ambiental, social e econômico, mas, no ambiental, se resume a olhar para a biodiversidade dentro dos remanescentes florestais nativos e listar algumas áreas de interesse ambiental e social, para que possam ser elegidas como Áreas de Alto Valor de Conservação porque estão na pauta da certificação, além de correr atrás para que a legislação seja cumprida; no social, olha-se para as comunidades que estão no entorno e geram-se projetos socioambientais de geração de renda, formação de viveiros, educação ambiental dentre outros e no âmbito econômico... bem, daí é mesmo a saúde financeira da empresa o que importa aos olhos dos acionistas e investidores.

Acontece que tudo isso é dividido em setores e há pouco diálogo entre eles. Isso já se inicia no processo de aquisição de terras. Nesse momento, o fator distância dos sites, possibilidade de produtividade e valor da terra são os itens que são levados em consideração.

Mas onde fica a sustentabilidade? Quais são as empresas do setor florestal que fazem estudos sobre território para entender a dinâmica de comunidade do local onde se compram terras, ou, ainda, fazem um estudo ambiental para entender o bioma onde se estão instalando e usam ferramentas da ecologia da paisagem e de microbacias, por exemplo, para adquirir terras, onde os impactos ambientais e sociais sejam os menores possíveis?

A compra de terras é feita a toque de caixa e está longe de incorporar valor de sustentabilidade. Além disso, se formos pensar pelo lado econômico, momentaneamente, fazem-se bons negócios, e os acionistas comemoram, mas, a médio prazo, onera-se em muito a produção, adquirindo passivos ambientais e sociais incalculáveis. Conclusão: não é lucrativo para empresa, nem se ganham pontos no quesito sustentabilidade.

Quando se fala em manejo florestal, então, quantas empresas utilizam os relatórios de seus monitoramentos de fauna e flora para direcionarem suas atividades de silvicultura? Quantas empresas, mesmo já tendo o conhecimento adquirido, ainda continuam “empurrando” a fauna nativa em direção a estradas e na contradireção dos remanescentes florestais na hora do corte do eucalipto ou pinus? Quantos drenos de estradas ainda são direcionados para remanescentes de florestas nativas, quando se sabe que a contaminação desses remanescentes por plantas invasoras é bem maior com essa prática?

Esses são apenas alguns exemplos dos muitos pontos que ainda necessitam ser incorporados no dia a dia de muitas empresas florestais, mas poderíamos fazer uma lista enorme na pauta de diferentes setores que passam até mesmo pela área de suprimentos da empresa.

Para mim, o problema continua a ser o mesmo: a sustentabilidade ainda não foi verdadeiramente incorporada ao negócio da empresa; ela é um setor que cuida da agenda de sustentabilidade e passa quase sempre a ser pauta do setor de meio ambiente.
Muitas das empresas usam os índices GRI (Global Reporting Initiative) para comporem seus relatórios anuais de sustentabilidade, e isso vale ponto no mercado financeiro, portanto as empresas não podem deixar de cumprir para que sejam competitivas.

Acontece que esses índices deixam de fora muitos indicadores de sustentabilidade que deveriam ser discutidos e eleitos por cada empresa, em cada setor, para cada particularidade do negócio florestal, inseridos em biomas diferentes, situações diferentes de relação com as comunidades do entorno, com os fornecedores, com o dia a dia particular de cada empresa. Um olhar sistêmico sobre o fazer da empresa com os óculos da sustentabilidade.

A proposta é sair da zona de conforto, de índices globais preestabelecidos, criando seus próprios índices, em que todos os setores da empresa estejam olhando para o seu pedaço e para o todo, vendo onde estão as falhas e incorporando, no dia a dia, ações necessárias, tendo como meta o menor impacto. Indicadores palpáveis permitem que sejamos assertivos nas decisões de mudanças dos processos de cada setor.

Em se falando de indicadores, que mereceriam um artigo à parte, a confusão é ainda maior. Fácil ver empresas discutindo, por exemplo, qual grupo faunístico é o melhor para dar respostas sobre um ambiente natural, e, é claro, cada especialista puxa a sardinha para o seu lado, mas nenhum é melhor que o outro, se não nos fizermos a pergunta sobre o que exatamente queremos saber. 

Há casos em que a herpetofauna irá dar melhor resposta; em outros, a avifauna; ou ainda os mamíferos, talvez dentre eles os morcegos; mas para que os dados levantados digam o que fazer, como colocar em prática alguma ação, a escolha desses indicadores corretos é imprescindível para permitir que se seja assertivo nas decisões de mudança nos processos. Nenhum deles será o senhor absoluto.

Cada grupo poderá dar uma resposta, dependendo do local e da pergunta. Não é possível generalizar. Voltando ao setor de aquisição de terras, como exemplo, se os processos sempre foram feitos do mesmo jeito, é possível parar o “carro” e olhar para ele? É possível pensar se há formas diferentes de se fazer isso, incorporando também o olhar social e ambiental?

Para mim, é claro que é uma questão de política da empresa, mas também coragem e determinação dos profissionais que ali estão, de proporem mudanças, olharem para as suas agendas e entenderem que talvez não seja incorporar mais trabalho ainda na pressa e excessos do dia a dia, mas a assertividade de iniciar uma expansão que não gere impactos negativos futuros.

Hoje, há ferramentas para isso, que podem auxiliar esses profissionais. Sabemos que, para os colaboradores de uma empresa, é motivador perceber que há desafios em relação a ações positivas que levem ao menor impacto e ao menor desperdício de recursos e de tempo, ou seja, para o negócio, menor desperdício, maior motivação e maior competitividade estão intrinsecamente ligados.

O setor de planejamento da empresa, que decide onde e quando será feito o corte do eucalipto para o abastecimento das fábricas, também é outro setor estreitamente ligado à questão de sustentabilidade, embora pouco se integre à área de meio ambiente, para que entrem nessa matriz de planejamento ações voltadas a conhecimentos também já disponíveis em relação a cortes em mosaico, direção de corte, abertura e manutenção de estradas, dentre outras práticas que contribuem, em muito, para a conservação ambiental.

Enfim, um dia almejamos, que me desculpem os gerentes de sustentabilidade (diga-se de passagem, hoje, peças fundamentais para a incorporação e a internalização do valor sustentabilidade em todos os setores da empresa): que eles não mais precisem existir num futuro próximo. A sustentabilidade será senso comum, será o habitual em qualquer departamento/setor da empresa.