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Ismael Eleotério Pires

Chefe do Departamento de Engenharia Florestal da UF-Viçosa

Op-CP-30

Mestres: insumos para o progresso

Para falar do setor florestal brasileiro, precisamos, inicialmente, caracterizá-lo naquilo que buscamos, levando-se em conta as florestas naturais e plantadas, bem como a participação de cada uma no contexto de interesse. Em primeiro lugar, precisamos refletir o que entendemos por setor florestal brasileiro. Evidentemente, temos que entender como sendo o todo, florestas naturais e plantadas ou cultivadas.

No Brasil, as florestas naturais, até poucos anos atrás, eram consideradas “áreas improdutivas”, e ainda o são para uma parcela da sociedade, enquanto, no outro extremo, está também aquela parcela que as considera sinônimo de meio ambiente.

Estamos de pleno acordo que essas florestas podem, perfeitamente, cumprir a função de proteção da biodiversidade e do meio ambiente, mas temos certeza de que grande parte delas poderiam também ser manejadas, a exemplo do que acontece em outros países, proporcionando emprego e renda, pelo uso sustentável desses recursos naturais ou dentro do contexto dos serviços ambientais.

Os conhecimentos técnicos e científicos da era atual associados aos avanços tecnológicos dão garantia desse manejo, requerendo políticas apropriadas e duradouras para sustentabilidade.

No caso das florestas plantadas, podemos dividi-las em duas categorias, quais sejam: plantadas com fins de proteção ambiental e/ou conservação genética  e plantadas, isto é, cultivadas com fins comerciais, as quais se resumem a uns poucos gêneros, como Eucalyptus, Pinus, Acacia e Teca, com destaque para as espécies do primeiro, considerando o Brasil com ampla extensão territorial e a finalidade da madeira, bem como o mercado interno e externo.

Dessa feita, considerando que o gênero Eucalyptus representa cerca de 70% das florestas cultivadas no Brasil, além de ser o mais diversificado em usos da madeira, prestando-se para lenha, mourões de cerca, construção civil, carvão para siderurgia, celulose e papel, chapas em geral, móveis e molduras, dentre outros, é que vamos focar como visão de presente e futuro do setor florestal brasileiro, no que se refere ao suprimento interno e competitividade internacional.

Estamos há mais de 50 anos do início da formação de profissionais da engenharia florestal no Brasil, em nível de graduação, e, em seguida, com o surgimento dos programas de pós-graduação, em nível de mestrado e doutorado, na década de 1970.

Como é natural em todas as circunstâncias em que não se tem o “mestre”, implementa-se a sua formação em parceria com aqueles que detêm a experiência e competência, e assim foi no início dos nossos cursos de engenharia florestal.


Países como Estados Unidos da América, Canadá e Alemanha foram os grandes colaboradores na formação de nossos professores (“mestres”). Com esse apoio, fizemos um grande time, com competência para formação dos profissionais do setor para atuação tanto na produção como na pesquisa e, também, na gestão de empreendimentos florestais.

Outro fator que merece destaque é que, nos anos 1970, trabalhávamos com materiais genéticos em estado selvagem, com alto nível de variabilidade e, portanto, com alto grau de resposta a processos simples de seleção que, complementados com outras tecnologias, como qualidade de muda, preparo de solo, adubação, espaçamento, etc., proporcionaram produtividades altamente satisfatórias, até fins da década de 1990.

Nessa época, começamos a alcançar altos níveis de produtividade das principais espécies plantadas, justificando e requerendo protocolos tecnológicos de produção mais refinados, como é natural em qualquer processo evolutivo.

Em complemento, podemos afirmar que novos desafios têm surgido, como recursos genéticos de alto valor agregado, pragas e doenças, escassez e custo de fertilizantes, maior custo da terra e da mão de obra, competição de mercado cada vez mais acirrada, exigências da sociedade, qualidade do produto final, maior demanda pelo produto madeira e seus derivados e escassez de recursos humanos qualificados, além de exigências legais.

Mas também outros fatores, como redução das fontes tradicionais de energia, como petróleo, o crescimento da população mundial e o aumento da demanda por alimentos e produtos de alta tecnologia atuam como fatores propulsores dos esforços de pesquisa e inovação, como as novas linhas de pesquisa nas áreas de biotecnologia e engenharia genética, biorrefinaria, controle biológico de pragas e doenças, produção e qualidade de água, restauração florestal, redes de inteligência, novos produtos, dentre outras, têm proporcionado novas perspectivas para o setor, evidenciando muitos desafios e, ao mesmo tempo, mostrando grandes oportunidades para o setor, no médio e longo prazos.

Assim, o que vemos são condições altamente favoráveis no Brasil, como solo, clima e disponibilidade de áreas, que, associadas a políticas de governo que proporcionem segurança para o setor, principalmente no que se refere ao cultivo de florestas, a exemplo do que acontece com outras culturas como o café, que também é perene, a cana-de-açúcar, o milho e a soja, dentre outras, podem tornar o setor florestal ainda mais competitivo no futuro próximo.

No que tange à pesquisa, merece destaque a formação de “massa crítica” (“mestres”), a exemplo do que ocorreu 50 anos passados, e a disponibilidade de recursos financeiros, ou melhor, os entraves ao pesquisador na obtenção e no uso dos recursos públicos, frente à burocracia inerente, com grande dispêndio de energia desses pesquisadores na gestão desses recursos, assim como na elaboração de relatórios técnicos e financeiros frente a uma legislação cada vez mais exigente.

O pesquisador por si, como pessoa física, gasta tanta energia para isso, que acaba, muitas vezes, desestimulado. O mesmo acontece com institutos de pesquisa na captação e gestão de recursos públicos, face ao aparato de pessoal requerido para o cumprimento de todas as exigências legais e a burocracia do processo, tendo como consequência uma  oferta efetiva de recursos para pesquisa reduzida.

É preciso repensar os entraves burocráticos e a legislação, de modo a estimular o pesquisador e os institutos de pesquisa, assim como as parcerias interinstitucionais, com vistas ao aumento na captação e no uso mais eficiente de recursos financeiros para pesquisa.

Outro aspecto a ser considerado é a massificação da formação de profissionais da engenharia florestal no Brasil, visto que esse processo requer a participação efetiva dos agentes formadores (“mestres”), isto é, professores e pesquisadores bem preparados e condições de ensino e pesquisa compatíveis.

Temos, hoje, mais de 50 escolas de engenharia florestal, das quais 13 oferecem também formação em nível de pós-graduação, mestrado ou mestrado e doutorado (MS e DS), cujos profissionais, em grande parte, serão os futuros “mestres” nelas próprias ou naquelas que se encontram em fase de estruturação.

Portanto precisamos continuar cuidando da formação dos “mestres”, pois a qualidade do profissional resultante, tanto para o ensino como para a pesquisa, assim como para atuação na produção, depende desses formadores, pela transferência de conhecimentos, pela orientação, pelo exemplo, enfim, pelo ensino. A situação apresentada revela que estamos em vias de um processo endogâmico, em que poucas escolas estão formando a maioria dos professores das mais de 50 existentes no Brasil, e isso pode comprometer a formação dos futuros profissionais, se certos cuidados não forem tomados.

É preciso buscar meios de proporcionar maior interação e integração entre professores (“mestres”) e alunos, dentro e entre escolas. É preciso investir no interinstitucional dentro e fora do Brasil e o processo de internacionalização. Nesse sentido, deve-se destacar a existência de uma política de governo, como o Ciência Sem Fronteiras, porém esse programa requer aperfeiçoamentos para atendimento pleno, tanto aos alunos da pós-graduação e graduação como também aos professores, que requerem programas mais flexíveis, estruturados em conformidade com seus projetos de pesquisa e com a realidade brasileira.

Precisamos de políticas institucionais que facilitem o trânsito dos “mestres” entre instituições, em nível nacional e internacional, de modo a permitir a ida e a vinda livres de amarras de prazos regimentais, além de recursos financeiros adequados. Nesse sentido, o que se quer dizer é que cada área do conhecimento precisa de um projeto em conformidade com seu status, devendo-se ter a adesão das instituições conforme a sua particularidade, ou seja, o projeto institucional. Por fim, cabe destacar que, com tantas perspectivas para o setor florestal brasileiro, a formação de bons profissionais e a elaboração de políticas de governo, justas e duradoras, são os principais insumos para o progresso.