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Reinaldo Herrero Ponce

Consultoria Independente para área Florestal Madeireira

Op-CP-55

As florestas plantadas e a construção de casas de madeira
As florestas plantadas no Brasil estão entre as que apresentam as mais altas produtividades no mundo. Há florestas plantadas sobrando em algumas regiões. A indústria de madeira sólida, principalmente as serrarias processadoras de madeira de florestas plantadas, está em crise. No estado de São Paulo, muitas serrarias estão paradas. O Brasil tem grande demanda por moradias, e a madeira é um ótimo material para a construção de casas por ser um bom isolante térmico. O que está faltando? 
 
O uso de um sistema construtivo, prático e eficiente que permita o uso de peças de madeira serrada de dimensões relativamente pequenas. Um sistema construtivo em madeira usado em muitos países do mundo e que utiliza, principalmente, peças de madeira de pequena seção transversal está disponível em domínio público. Esse sistema, que foi criado no início do século XIX como balloon frame, evoluiu para o atual sistema platform. O manejo de florestas para uso múltiplo vem sendo discutido há longo tempo e tem por base a agregação de valor por meio de seleção do material a ser plantado, levando em consideração condições edafoclimáticas, espaçamento e operações de manejo, como desrama e desbaste seletivo. Desse modo, a partir do segundo desbaste, haveria material com valor e condições para uso em construções de casas de madeira.
 
O uso de madeira serrada em construções poderia alavancar o valor da madeira e, consequentemente, viabilizar o manejo das florestas para uso múltiplo. Após desenvolvimento de normas técnicas específicas, hoje, a Caixa Econômica Federal fornece financiamento para casas construídas pelo sistema wood frame. 
 
Nos Estados Unidos, na década de 1830, na região de Chicago, Illinois, havia falta de casas, falta de madeira de grandes dimensões e falta de carpinteiros. Para resolver essas dificuldades, foi criado um sistema construtivo que utiliza basicamente peças de pequenas dimensões e uniões sem encaixes, produzidas a partir de toras de qualquer dimensão e facilitando a construção por não exigir mão de obra especializada.  Esse sistema é conhecido como wood frame, balloon ou platform.
 
A indústria de base florestal, na maioria dos países desenvolvidos, é dividida em vários segmentos, sendo que as partes mais valiosas das árvores, isto é, as toras maiores, mais retas e com menos nós, são destinadas à indústria de madeira sólida, tanto serrada como laminada.

Toras menores, galhos e resíduos dessas indústrias são utilizados por setores de celulose, painéis e energia.Nos Estados Unidos e no Canadá, a principal peça estrutural do sistema de construção balloon ou platform é o 2”x4”, duas polegadas por quatro polegadas nominais. Na realidade, após secagem e aplainamento, as medidas finais são 1,5 polegada (3,81mm) por 3,5 polegadas (8,89mm).  Trata-se de uma commodity.  Muitas serrarias – conhecidas como stud mill – produzem somente essa bitola, geralmente a partir de toras de coníferas de pequenos diâmetros. O stud é o montante, peça vertical, da estrutura da parede. No Brasil, o stud pode ser obtido de florestas de pínus ou eucalipto, em rotações relativamente curtas.
 
As florestas plantadas no Brasil são, em geral, de espécies exóticas, principalmente dos gêneros Pinus e Eucalyptus. Apesar das variações das madeiras entre as espécies. A maioria é adequada ao sistema de construção wood frame. No Brasil, a carpintaria tradicional, geralmente de origem europeia, é baseada em peças de grande secção transversal. Esse tipo de construção exige encaixes, muitas vezes complexos, que demandam tempo e carpinteiros experientes.
 
Quando os carpinteiros não são bem treinados, em geral os resultados são péssimos. É comum se encontrarem falsas tesouras ou treliças, onde os componentes que deveriam ter funções de tração e compressão, de acordo com sua posição, são deformados por flexão. Além da necessidade de carpinteiros experimentados, esse tipo de construção demanda madeira de grandes dimensões transversais, portanto provenientes de toras de diâmetros relativamente grandes.
 
Florestas plantadas podem produzir toras de diâmetros adequados para isso, após 12 ou 20 anos, dependendo da qualidade do sítio e do manejo florestal. Em contraste, conforme já mencionado, o sistema wood frame usa peças de pequenas dimensões transversais que podem ser obtidas de florestas plantadas em ciclos semelhantes aos das florestas que fornecem matéria-prima para as indústrias de celulose e painéis.
 
O sistema balloon foi posteriormente modificado para o sistema denominado platform, com o objetivo de facilitar a construção e de melhorar o desempenho no caso de incêndios. No entanto a base do sistema continua a mesma, as paredes são portantes, servindo de apoio tanto ao madeiramento do telhado como base dos pisos superiores e escadas. A diferença entre o sistema balloon e o platform existe apenas em construções com mais de um piso; em construções de um só piso são iguais.
 
Pesquisando o assunto, verifica-se que a formação um mestre carpinteiro no Japão, país com grande tradição em construções de madeira e na arte de encaixes, leva dez anos.  Em 2010, em Ribas do Rio Pardo-MS, em três dias, ensinei, na prática, o básico do sistema platform, e os treinandos conseguiram construir uma obra com dois pisos e 200 m2 de área útil, toda obra feita em madeira de Pinus tratada com CCA. 
 
Outro exemplo da aplicação do sistema platform é a construção, em 1994, com madeira de eucalipto, de um prédio de 270 m2 dentro do Instituto de Energia e Ambiente (IEE/USP), Cidade Universitária, São Paulo. Esse prédio, com salas para alunos pós-graduados, foi construído com madeira de eucalipto, incluindo fundações, estruturas de piso, telhado e paredes e fechamento externo de todas as paredes e todas as esquadrias, portas e janelas.
 
As paredes internas e a face interna das paredes externas foram cobertas com painéis de gesso acartonado, de modo a melhorar o isolamento acústico. As fundações foram toretes de C. citriodora tratados com creosoto. O prédio foi projetado por professor titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU/USP). E construída por carpinteiros e ajudantes do Agrupamento de Processamento Industrial da Madeira do Instituto de Pesquisas Tecnológicas - IPT. Esse prédio ainda está ótimas condições de uso.
 
Um exemplo de eficiência desse sistema construtivo é demonstrado pela tradicional empresa americana Sears Roebuck, que, entre 1908 e 1940, forneceu a clientes de vários estados norte americanos mais de 70.000 casas. Verificando-se documentos da época, pode-se ver que não se tratava apenas de pequenas casas, mas algumas poderiam ser chamadas de mansões. 
 
Os materiais das casas eram enviados por ferrovia com os respectivos manuais de construção.  As madeiras eram cortadas nas dimensões finais e incluíam a estrutura das casas, bem como coberturas e elementos de decoração. Muitas dessas casas ainda estão sendo habitadas.
 
A madeira de florestas plantadas tem como característica fundamental a sustentabilidade ambiental e social. Além de absorver CO2 da atmosfera – cada tonelada de madeira sequestra 1,8 t de CO2, libera 1,3 t de O2 e absorve energia radiante equivalente a um aparelho de ar condicionado de 12.000 BTUs funcionando durante 2,3 meses. A floresta plantada protege os recursos hídricos e gera emprego e renda em regiões onde a terra tem menor valor.
 
Concluindo, o manejo de floresta plantada para uso múltiplo tem como objetivo a agregação de valor; seu produto com maior valor são as toras para serraria ou laminação. A serraria é a mais democrática indústria de base florestal; pode ser iniciada com investimentos relativamente pequenos e gera emprego e renda. Um sistema de construção adequado e acessível poderia aumentar a demanda de madeira serrada e, como consequência, criar novos caminhos para o setor florestal, principalmente para os pequenos e médios produtores.