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Jorge Antonio de Farias

Diretor Executivo do Centro de Pesquisas Florestais da UF-Santa Maria

Op-CP-30

A pesquisa sem mecanismos de extensão serve para quem?

Defender a necessidade de investimentos em pesquisas é quase redundante. Há exemplos em toda a história que demonstram que todas as nações desenvolvidas chegaram lá devido aos seus altos investimentos em pesquisa, desenvolvimento e inovação.

Então, é necessário debater, de forma exaustiva, como os recursos, independentemente se abundantes ou escassos, estão sendo utilizados em pesquisas que busquem esses objetivos.

Qual a proporção de recursos que devem ser investidos em pesquisa básica e em pesquisa aplicada? Qual o impacto dessas pesquisas no desenvolvimento econômico e social? Todos os stakerholders do setor florestal têm as suas demandas, ou parte delas, atendidas nas linhas de pesquisas existentes? Há uma proporção, no mínimo razoável, entre o que se investe em setores consolidados do agronegócio florestal e a nova pauta que a sociedade brasileira estabelece, como a valoração dos serviços ambientais das florestas?

Com certeza, as respostas a essas questões são necessárias para um debate sobre o estado da arte da pesquisa florestal no Brasil. O Sul do Brasil experimentou, ao longo das últimas duas décadas, um significativo crescimento do setor florestal, principalmente  alicerçado nos investimentos do setor de celulose e papel e placas; por outro lado, nesse mesmo período, viram-se segmentos do setor florestal decrescerem, e alguns até desaparecerem por completo, como no Rio Grande do Sul. O comércio de madeira pelas pequenas propriedades rurais é insignificante, a indústria de laminação e compensados extinguiu-se no estado.

A produção de mudas florestais no estado é somente de espécies de rápido crescimento (Eucalyptus, Pinus e Acacia), as nativas não entram na estatística, e as mudas de erva-mate estão reduzidas à produção familiar, com uma tecnologia rudimentar e com poucos avanços em melhoramento genético.

A Acacia mearnsii, que já é cultivada no Rio Grande do Sul há quase 100 anos, tem a sua produtividade estagnada em 200 m³/ha há décadas. Algumas nativas promissoras estão fora da pauta do agronegócio florestal, como o palmito, a bracatinga, o pinheiro-brasileiro.

Por outro lado, vê-se o avanço de espécies exóticas sobre as florestas nativas em estágio inicial de regeneração, principalmente pela Houvenia dulcis. Além disso, criou-se uma ideia de que os remanescentes de florestas nativas, que, na sua quase totalidade, estão em propriedades de pequenos produtores, devem ser intocáveis, criando, na prática, um passivo para esses produtores, quando, na verdade, utilizando tudo que a ciência florestal já produziu, essas áreas poderiam ser conservadas e, ao mesmo tempo, produtivas, tornando-se verdadeiros ativos florestais para esses proprietários.

Afinal de contas, as florestas plantadas, nativas ou não, são recursos naturais renováveis que quando manejados sob a luz da ciência florestal, são totalmente sustentáveis.

E, para completar o quadro, as florestas plantadas no Rio Grande do Sul são consideradas potencialmente poluidoras pelo órgão de licenciamento ambiental estadual, estabelecendo enormes restrições ao seu cultivo e expansão dos plantios florestais. A ciência florestal já não produziu conhecimento suficiente para demonstrar a insensatez de uma afirmação como essa?

E a agricultura familiar tem participação na cadeia produtiva de base florestal? São incompatíveis florestas comerciais em pequenas propriedades? Países como a Aústria e a Finlândia nos mostram o contrário, e por que, aqui no Sul do Brasil, isso não acontece? Nesse ponto, há um dogma que a pesquisa e a extensão das universidades precisam romper.

Recentemente, houve um debate nacional sobre a aquisição de terras por estrangeiros, estabelecendo-se  um conceito de que os investimentos florestais só se viabilizam com a aquisição de grandes extensões de terras.

Uma enorme falácia. Várias empresas que aqui estão, com grandes extensões de terras, em seus países de origem, mantêm programas de fomento e parcerias com pequenos produtores e, com isso, conseguem abastecer, em parte, a indústria de matéria-prima florestal.

Dessa forma, conclui-se que é perfeitamente possível se estabelecer uma base florestal através de programas de fomentos pela participação de proprietários rurais, com propriedades de diferentes tamanhos. Portanto  pesquisa também é a validação de conceitos e ideias.

Pelo que já foi exposto, mais do que nunca, é necessário se perguntar: não foram feitas pesquisas sobre essas questões? A academia já percebeu essas demandas? Ou será que a produção científica já conseguiu sair dos limites da universidade e se apresentar como solução a esses problemas?

Dessa forma, além das questões sobre recursos para pesquisas ou linhas de pesquisa, é fundamental debater, paralelamente, a forma como essas produções serão usadas pelo conjunto da sociedade: a socialização do conhecimento.

A academia tem produzido muito e com muita qualidade; a maior discussão, ainda, é como fazer com que essa produção chegue até os seus verdadeiros demandantes, como fazer com que essa produção sirva de subsídios para a formulação de políticas públicas, permitindo que o setor  florestal deixe de ser refém da tecnocracia e de ONGs multinacionais interessadas no nosso atraso social, ambiental e econômico.

Evidentemente que não se tem a solução para todas as questões que aqui foram levantadas, mas, como o objetivo deste artigo é estimular uma reflexão sobre o papel que todas as instituições de pesquisa, públicas e privadas, vêm desenvolvendo, é oportuno propor uma nova abordagem sobre os dilemas da pesquisa florestal.

O CEPEF - Centro de Pesquisas Florestais, da UF-SM, ligado ao Departamento de Ciências Florestais, foi fundado em 1986, tendo como principais objetivos a investigação científica, a interação e a integração do meio acadêmico com o meio empresarial. O nosso centro de pesquisa, atualmente, passa por uma reformulação, pensando justamente nesses questionamentos. A inclusão dos pequenos e médios produtores na cadeia produtiva de base florestal deve estar na pauta dos estudos socioeconômicos do setor florestal.

No segmento da Acacia mearnsii, no Rio Grande do Sul, estima-se uma base florestal em que 80% dos fornecedores de matéria-prima são pequenos e médios produtores rurais; estima-se também que há 150 mil hectares de florestas dispersos em pequenas e médias propriedades do Rio Grande do Sul, fornecendo biomassa florestal para todo o setor primário, como secagem de grãos, cura de tabaco, cama de suínos e aves.

Além disso, a inclusão desses proprietários rurais em APLs de base florestal possibilitará novas oportunidades de desenvolvimento regional e será uma das alternativas de redução dos crescentes custos da produção florestal primária.

As universidades e seus centros de pesquisa devem utilizar os canais de comunicação com a sociedade,  seja através dos programas de integração empresa-escola, que já  é um processo  consolidado, ou através de pesquisa e interações com organizações civis da sociedade, como federações, sindicatos e associações. Dessa forma, as pesquisas poderão, efetivamente, propiciar conhecimento, inovação, desenvolvimento e crescimento social e econômico.