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Javier Farago Escobar e Suani Teixeira Coelho

Doutorando em Energia no Instituto de Energia e Ambiente da USP e Coordenadora Técnica do Cenbio

Op-CP-38

Perspectivas energéticas da madeira

É inegável que a madeira ainda ocupa um importante papel estratégico para a produção e o uso de energia no País. Entretanto, a produção e a utilização dessa biomassa moderna ainda é incipiente e apresenta algumas características específicas. O Brasil é um país que reúne inúmeras vantagens comparativas que o situam como líder mundial no mercado de produtos agrícolas e silviculturais.

Em particular, apresenta enorme potencial de aproveitamento da madeira, tanto para transformação em energia térmica como elétrica, mas ainda são necessárias políticas adequadas para atingir esse potencial. A madeira energética (lenha, carvão vegetal e lixívia) foi responsável, em 2013, pela produção de 30,4 milhões de toneladas equivalentes de petróleo (tep), quantidade da mesma ordem de grandeza que a hidráulica, com 39,2 (tep).

Entretanto é importante observar que 62% do total de 82,8 milhões de toneladas de madeira consumidos para fins energéticos ainda é proveniente de florestas nativas, contribuindo para o desmatamento, particularmente do cerrado e da caatinga. O setor que utiliza a maior quantidade de energia proveniente da madeira é o siderúrgico, que emprega o carvão vegetal como termorredutor no processo industrial, com as vantagens ambientais conhecidas.

Esse setor é responsável por mais de 1/3 de todo o consumo nacional de madeira – 30 milhões de toneladas de madeira, das quais 37% ainda são provenientes de florestas nativas, o que, certamente, requer políticas adequadas para aumentar o uso das florestas plantadas. Por outro lado, a demanda da madeira para geração de energia térmica e elétrica tende a continuar crescendo nos diversos setores energointensivos.

 O desafio encontra-se em aplicar tecnologias mais eficientes, como a peletização, buscando melhorar o aproveitamento energético da madeira. Há duas opções para alcançar grandes produções de pellets: aproveitamento de resíduos de biomassa lignocelulósica e a partir de plantações destinadas a uso energético. As características de produção e acesso de cada uma dessas possibilidades são muito variáveis.

As estimativas da disponibilidade de resíduos de madeira e de resíduos florestais são incertas e dependem das circunstâncias locais. No entanto a situação promissora do potencial de plantações energéticas de curta rotação para impulsionar o mercado dos pellets no Brasil merece especial atenção. As chamadas “florestas energéticas” para o cultivo do Eucalyptus e Pinus, espécies com longa tradição no País, poderiam ser destinadas à produção dessas florestas de crescimento rápido, que estão atingindo valores próximos a 120 m³/ha (45 toneladas por hectare, massa seca), em ciclos de apenas um ano.

Nesse contexto, as florestas plantadas para fins energéticos apresentam um cenário bastante positivo. O desenvolvimento de uma produção em escala de Eucalyptus e Pinus que aperfeiçoe a obtenção de energia a partir da biomassa florestal é fundamental para o aproveitamento desse potencial. O País conta com 105 milhões de hectares de áreas degradadas disponíveis para diferentes usos.

A perspectiva é utilizar parte dessas áreas para garantir uma futura demanda de madeira de alto valor agregado, parte da qual poderia servir para atender ao mercado interno, podendo, assim, diminuir o atual déficit de madeira nativa utilizada para energia. Uma vez garantida essa oferta, pode-se vislumbrar, no curto/médio prazo, a possibilidade de produção e de exportação de pellets para a crescente demanda do mercado mundial de 40 milhões de toneladas desse biocombustível, que pode ser dividido em dois grandes segmentos, o uso residencial e o uso industrial, aqui incluído o uso em termoelétricas (principalmente nos países da União Europeia, que necessitam reduzir suas emissões de carbono nas termoelétricas a carvão).

Vale ressaltar que as elevadas taxas de cloro no eucalipto aqui produzido parecem inviabilizar o possível mercado europeu de pellets no setor residencial, tendo, então, como perspectiva, o uso dos pellets brasileiros exclusivamente para termoelétricas, expectativas que demandarão produções em grande escala – acima de um milhão de toneladas por ano.

Em ambos os segmentos, os pellets concorrem com combustíveis tradicionais, geralmente derivados de fontes fósseis, como o óleo combustível, o gás natural, o carvão mineral e, no caso da calefação, também a energia elétrica. O maior uso desse bicombustível está sendo em sistemas cofiring (onde se adicionam pellets para queima em conjunto com o carvão).

É nesse cenário que o mercado europeu de pellets tem crescido, e tende a crescer ainda mais, tanto na geração de eletricidade quanto no setor residencial, especialmente em países da União Europeia. Como a Inglaterra e a Alemanha – entre outros – não conseguiram, até então, atingir as metas de redução nas emissões de carbono segundo o Protocolo de Quioto, estão importando pellets de madeira do Canadá e de outros países para geração de energia (substituindo o carvão) em suas termoelétricas (em média 16,4 milhões de toneladas pellets de madeira por ano, com perspectivas de crescimento, desde que haja oferta).

Somente a Drax, a maior geradora de energia a carvão do Reino Unido, com 4000 MW, já transformou sua primeira unidade para usar pellets de madeira, que consumirá 2,3 milhões de toneladas/ano, com expectativas de ampliação das demais usinas até 2020. Uma grande oportunidade para o mercado mundial de pellets. O Brasil situa-se como um potencial exportador da demanda de pellets para a Europa; no entanto o setor nacional ainda se desenvolve lentamente.

Existe pouca informação, e, em geral, sua produção é em pequena escala, destinada, principalmente, ao mercado térmico ou doméstico. Atualmente, existem apenas 14 fábricas, que, juntas, apresentam uma produção de 59.980 t/ano, o que representa 25% do total da capacidade instalada de 237.375 t/ano. Esse fato é decorrente de diversos fatores, como a descentralização dos resíduos agrícolas, a falta de incentivos fiscais específicos para a produção de biomassa para fins energéticos e a carência de informação dos potenciais usos dos pellets como biomassa moderna.

Contudo o Brasil pode se tornar capaz de produzir madeira sustentável e economicamente competitiva para uso interno e para exportação, devido ao custo favorável de matérias-primas e da ausência de barreiras tecnológicas significativas para a sua produção. É necessário eliminar as dificuldades existentes e criar políticas de incentivo para os investimentos nesse setor, visando a uma participação maior no mercado internacional.

É necessário que, numa primeira etapa, o uso de florestas nativas para uso energético de madeira seja substituído pelo de florestas plantadas; somente após resolver essa questão de insustentabilidade, poder-se-á pensar em produção para exportação. Além desse aspecto, em termos mais globais, é importante notar que, apesar das vantagens ambientais inegáveis da substituição de carvão nas termoelétricas dos países desenvolvidos por biomassa plantada, não se pode deixar de lado a questão fundamental do acesso à energia de muitos países em desenvolvimento, que são candidatos potenciais a serem fornecedores de madeira – como já ocorre em Madagascar e na Libéria.

Como já vem sendo discutido em várias ocasiões, é fundamental que os investimentos para a produção de madeira para fins energéticos nesses países (por parte de investidores dos países em desenvolvimento) não deixem de contemplar também – e principalmente – a geração de energia local para reduzir o imenso déficit existente, com todas as consequências sociais tão bem conhecidas.