Me chame no WhatsApp Agora!

Frans Pareyn e Enrique Mario Riegelhaupt

Diretor da Associação Plantas do Nordeste e Consultor Agrônomo

Op-CP-07

O manejo florestal sustentado da Caatinga

O bioma caatinga, com área de 850 mil km2, é exclusivamente brasileiro. Ocorrendo em uma região semi-árida, sua vegetação é arbórea-arbustiva, variando de densa a aberta, com estrato herbáceo abundante no período chuvoso e presença de cactos e bromélias. Historicamente, a caatinga vem sendo utilizada para atender às mais diversas demandas da população sertaneja, desde a lenha e o carvão para indústrias e domicílios, madeiras para construção rural (varas, estacas, mourões, etc), toras para serraria e muitos produtos florestais não-madeireiros, como frutos, cascas, óleos, resinas, fibras, etc.

Por seu papel fundamental como forragem nativa para a pecuária e na recuperação da fertilidade dos solos agrícolas, através de pousios, a caatinga faz parte integral dos sistemas produtivos do semi-árido. Existe uma necessidade urgente de promover o manejo florestal da caatinga, por várias razões:

 

  • Atender, de forma sustentada, à demanda atual e futura de energéticos florestais. A lenha e o carvão vegetal da caatinga fornecem um terço da demanda energética industrial e comercial da região Nordeste (entre 5 e 6 milhões m³ anuais), com tendência crescente.
  • Possibilitar o uso produtivo e a geração de renda positiva nas áreas com vegetação nativa, aumentando oportunidades de trabalho e renda para a população rural.
  • Combater as tendências de desmatamento (legal e ilegal) para câmbio de uso do solo e exploração de madeira.
  • Conservar a biodiversidade, complementando o papel das Unidades de Conservação.
  • Contribuir substancialmente na redução dos riscos de desertificação e diminuir a vulnerabilidade regional, frente às mudanças climáticas.
  • Conservar os estoques de carbono e produzir energia renovável, poupando emissões de gases de efeito estufa.

Por outro lado, a implementação do manejo florestal é técnica, econômica e socialmente viável. Existem ainda recursos florestais nativos suficientes em mais de 40% do bioma, ficando disponível para o manejo em torno de 20 milhões de hectares, com potencial produtivo alto (1,5 a 3,0 m³.ha-¹.a-¹, excluídas as áreas de preservação permanente ou de conservação.

A resiliência da caatinga sob manejo é alta, porque a regeneração natural predominante é por meio de rebrota de tocos e raízes. A tecnologia do manejo é simples, facilmente assimilável pelos produtores, e vem sendo aplicada, testada e comprovada, com sucesso, durante os últimos 20 anos. O investimento necessário é muito baixo (10 a 20 USD/ha) e o manejo florestal é compatível com outros usos simultâneos da terra, como a pecuária, a apicultura e a obtenção de produtos florestais não-madeireiros.

Finalmente, não existem outras alternativas para atender às demandas regionais de energia e madeiras, porque:

1. os plantios florestais não são viáveis, tecnicamente e/ou economicamente, na maior parte do bioma;
2. o desmatamento para uso alternativo do solo forma, atualmente, dominante de produção de lenha e carvão, e é insustentável no longo prazo, já que reduz sistematicamente o patrimônio florestal, e
3. a substituição da lenha e do carvão por combustíveis fósseis implicaria em um aumento considerável de custos econômicos e das emissões de carbono.

Atualmente, existem em torno de 270 Planos de Manejo Florestal Sustentado na Caatinga, totalizando uma área de aproximadamente 156 mil hectares (desde 150 hectares, até mais de 5.000 hectares por Plano), com 95% deles visando a produção energética. Para atender toda a demanda de lenha e carvão do Nordeste nos próximos 15 anos, seria suficiente manejar uma área de dois milhões de hectares, apenas 10% das áreas aptas para manejo ou 5% da área total de remanescentes da caatinga.   

O manejo florestal sustentado da caatinga consiste na obtenção continuada de produtos e serviços da floresta, mantendo a sua capacidade produtiva e garantindo a sua conservação. Uma vez definida a área a ser manejada, um inventário florestal quantifica e qualifica seu potencial florestal. A partir deste conhecimento, da demanda de mercado e da taxa de crescimento e regeneração da floresta, define-se o potencial de produção anual de cada área.

A exploração é feita em talhões, normalmente em número igual ao de anos do ciclo de corte. As técnicas de manejo utilizadas são o corte raso, principalmente para a produção de lenha e carvão, e o corte seletivo, para a obtenção de certos produtos, como estacas. Estudos realizados pela Rede de Manejo Florestal da Caatinga (http://rmfc.cnip.org.br), em diversos sítios dentro do bioma e com diferentes tratamentos aplicados ao longo de mais de 15 anos, já oferecem bases técnicas para o manejo da caatinga. O incremento médio anual atinge o seu máximo entre 8 e 12 anos, sugerindo ciclos de corte com esta duração mínima.

Porém, para atingir diâmetros maiores, os ciclos poderão ser mais extensos. A intensidade e a seletividade do corte têm pouca influência sobre o tempo de recuperação da biomassa e sobre a distribuição de classes diamétricas, que são fortemente dependentes da qualidade do sítio. Um estudo de caso, realizado em dois Planos de Manejo próximos a Fortaleza, CE, demonstrou que, após 14 anos, as áreas manejadas tinham recuperado 85% do volume madeireiro original, mantendo uma diversidade lenhosa igual ou maior à de áreas bem conservadas.

A diversidade da flora herbácea e de 4 grupos de fauna (abelhas, répteis, anfíbios e mamíferos) resultou igual ou ligeiramente menor nas áreas manejadas, que nas áreas conservadas. O estudo concluiu que essas áreas, manejadas como um conjunto de talhões explorados de diversas idades, integrados à Reserva Legal e às Áreas de Preservação Permanente, constituem efetivos reservatórios de biodiversidade. Conclui-se que o manejo florestal sustentado é a alternativa simples, imediata e economicamente viável, para manter a perpetuidade do uso produtivo e da conservação das florestas da caatinga.