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Eduardo Valverde Zauza e Sebastião Renato Valverde

Professores de Administração e de Política, legislação e gestão florestal da UF-Viçosa

Op-CP-37

Fomento: a porta para a perfeição

Além da própria natureza dos produtos e das atividades florestais, há razões históricas que dificultam a formação de um mercado florestal sob competição perfeita, que vão desde o processo de colonização até o modo de ocupação das terras, predominante, sobretudo, no século XX. Com exceção da região Sul, o Brasil não possuía uma cultura organizacional na área florestal.

Talvez pela presença maciça da araucária – que possibilitou seu uso por meio do manejo – e pela colonização por imigrantes europeus com tradição florestal, o sul do Brasil consolidou um mercado florestal menos concentrado. Nas demais regiões, o que se observou foi um excedente de floresta nativa – leia-se: mata atlântica –, que não se viabilizou, dadas as circunstâncias da época, ao manejo, sendo, então, substituída, via desmatamento, pela agricultura de curto prazo subvencionada.

Isso favoreceu, no restante do Brasil, a criação de uma mentalidade rural e agrícola que, ainda hoje, dificulta a formação de uma cultura florestal. Embora o Brasil seja detentor de uma das maiores coberturas florestais do planeta, a mentalidade florestal só veio a partir da década de 1960 e, mesmo assim, muito mais exclusivamente para as plantações que para as florestas nativas.

Foi pelos incentivos fiscais aos reflorestamentos dessa década que se disseminou a silvicultura no País. Associados a essa ausência de um mercado florestal consolidado, outros agravantes também corroboraram para que esse mercado já nascesse concentrado, como a Lei 4.771/65 (II Código Florestal) e os PNDs I e II (Programa Nacional de Desenvolvimento), além da própria Lei 5.106/66 (Lei de Incentivo ao Reflorestamento).

O II Código Florestal e os incentivos fiscais subsidiavam, através de crédito e dedução fiscal, o plantio em substituição à utilização de florestas nativas, e os PNDs estimularam a implantação das grandes plantas industriais de celulose e siderurgia Portanto o mercado florestal nasce de um viés da legislação florestal e dos programas de desenvolvimento dos anos “dourados” do crescimento da década de 1970.

Assim, conforme a cadeia produtiva florestal, o que já era concentrado ficou ainda pior. Em algumas mais, como a do Processamento Industrial da Madeira (celulose e painéis reconstituídos da madeira), noutras menos, como na Siderurgia Integrada a Carvão Vegetal, e nas demais, nem tanto ou quase nada, como na do Processamento Mecânico da Madeira (serrados e laminados) e na de Energia (lenha).

Apesar desses estímulos à expansão do setor florestal, a ausência do mercado de madeira de plantações – inexistência de demanda e de preços – contribuiu para que os produtores evitassem investir em reflorestamento. Com isso, coube às indústrias adquirirem extensas terras para reflorestarem, já que a conjuntura macroeconômica não favorecia investimento em plantações florestais devido à inflação galopante e aos juros altos.

Diante disso, outra coisa não poderia ter ocorrido senão as empresas terem, elas próprias, formado sua base florestal para se autossuprirem, diferente do que ocorre com as agroindústrias, que são abastecidas pelos produtores rurais, de forma independente e/ou integrada, via fomento ou parceria. Com o fim da política de incentivos fiscais ao reflorestamento em 1988, é que se reduzem, anualmente, os plantios, ao revés do consumo de madeira que continuou aumentando.

Consequentemente, a partir do comprometimento do estoque florestal, surge um cenário de déficit de madeira e um respectivo aumento no seu preço, vindo a atrair a atenção dos produtores para o negócio. Essa condição, reforçada com a retomada do crescimento econômico a partir deste século e com a estabilidade monetária e a redução dos juros, faz crescer o interesse pelas plantações florestais.

Entretanto o avanço dos investimentos florestais, junto com o crescimento econômico, fez subir os preços da terra. Com isso, as empresas passaram a depender mais do fornecimento de madeira vinda do mercado e começaram a estimular os produtores a reflorestarem por meio de parcerias do tipo fomento florestal. Dessa forma, felizmente, ainda que tímido, inicia-se uma desconcentração na produção florestal e no mercado de madeira à medida que aumenta a presença desses produtores/investidores florestais e diminuem os plantios próprios das indústrias.

Estas passam a migrar de uma integração vertical à montante, determinada pelo fator Imperfeição de Mercado, para um modelo menos concentrador, no que tange aos meios pelos quais essas empresas se suprem de matéria-prima florestal. Nesse ponto, o surgimento dos programas de parcerias com produtores rurais, como o fomento florestal, foi crucial.

Mudanças passaram a ocorrer nas estruturas de governança das empresas, migrando, aos poucos, de um modelo hierárquico de governança para uma estrutura híbrida (contratual), deixando a chamada característica All Core-no ring (em que a firma é verticalmente integrada e assume todas as tarefas de produção) para a característica Core-ring with lead firm (em que a indústria líder tem certa independência dos fornecedores).

A parceria dos produtores com as indústrias, via programa de fomento, foi um passo importante para o começo da desconcentração de ativos imobilizados das empresas, como nos extensos monocultivos, mesmo que ainda o abastecimento de madeira do fomento seja em menor porcentagem. Mudanças, também, têm ocorrido no comportamento dos produtores a favor do desenvolvimento da silvicultura, porém não o suficiente para se corrigirem as imperfeições desse mercado.

As resistências e a comodidade ainda pesam na melhor estruturação de um mercado florestal sob competição perfeita, sobretudo por parte das grandes indústrias. Com receio de faltar madeira na “porta da fábrica”, caso aumente a demanda nos outros segmentos industriais, por exemplo siderurgia a carvão vegetal (como ocorreu antes da crise de 2008, haja vista que não havia plantações para atender à demanda de toda cadeia produtiva), a estratégia adotada para suprimento de madeira dessas grandes empresas ainda é conservadora, no sentido do autoabastecimento.

Mesmo passados seis anos da crise e com excesso de oferta de madeira no mercado, ainda é visível a resistência para migrar de um mercado controlado para um mais livre, de competição. Tal comodidade é onerosa para essas empresas, pois elas imobilizam capital em fatores de produção que, em outros países players, não se imobiliza, e, com isso, se compromete a competitividade brasileira.

Contudo, mesmo timidamente, essa mudança de conjuntura mercadológica, via implantação do fomento, é um passo para se corrigirem as imperfeições desse mercado, migrando de um concentrador para um de competição mais justa, que favoreça todos os agentes envolvidos e também o próprio setor florestal brasileiro.