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Yeda Maria Malheiros de Oliveira

Pesquisadora da Embrapa Floresta

Op-CP-56

Da teoria da relatividade ao inventário florestal nacional
Em 20 de março de 2019, comemoramos 104 anos da publicação de uma teoria que logo viria a ser comprovada empiricamente.  Mais de um mês depois, celebramos os 100 anos de um fato histórico que mistura um gênio da humanidade e uma cidade brasileira, dando início a uma revolução tecnológica.  Assim, este é um artigo que homenageia o grande Albert Einstein, a cidade de Sobral, no Ceará, e o Centenário do Eclipse Solar Total, que permitiu a comprovação empírica da Teoria Geral da Relatividade, na manhã de 29 de maio de 1919. 
 
Conta a história que equipes se deslocaram à Ilha de Príncipe, na África, e a Sobral, locais considerados ideais para a observação do fenômeno. Na cidade cearense, cientistas britânicos e brasileiros, vinculados ao Observatório Nacional, observaram o fenômeno por 5 minutos. Na África, as condições do tempo não foram muito favoráveis, mas, no Brasil, foram tiradas 7 fotos que mudaram a concepção que envolve a relação espaço-tempo. A ilustração em destaque mostra a concepção artística da missão Gravity Probe B, orbitando a Terra para medir o espaço-tempo, a descrição do universo em quatro dimensões, incluindo altura, largura, comprimento e tempo. 
 
Talvez não tenhamos parado para pensar que, sem o processo que levou cientistas como Einstein à Teoria da Relatividade (um mistério para muitos), não teriam acontecido mudanças de paradigma, como a transmissão de dados e de voz sem fio, e não teriam sido concebidos dispositivos disruptivos, como os celulares que hoje dominam nosso dia a dia. Para o caso do nosso assunto de hoje, fica evidente que também não teríamos o GPS e o GPRS, que é a junção do componente satelital (GPS) e o telefônico (GPRS/GSM). 
 
Agora sim, estabelecemos o link entre o início do texto e o nosso tema de hoje. O GPS, o GPRS: quem consegue viver sem a tecnologia que está por trás de aplicativos como Wase, Google Maps e o Uber e similares? Como pessoas – sem conhecerem as grandes cidades em seus meandros – conseguem nos levar a qualquer canto? 
 
O GPS, juntamente com ferramentas como o Sensoriamento Remoto (SR), Sistemas de Informações Geográficas (SIG) e um conjunto de análises espaciais, pertence ao mundo das geotecnologias. Na área dos inventários florestais, são procedimentos, técnicas, equipamentos e softwares que atuam como instrumentos para a aquisição, processamento e disponibilização da informação especializada. Proporcionam dados e ferramentas analíticas para a análise do uso e da cobertura da terra e da vegetação que a cobre, em múltiplas escalas e resoluções temporais ou espaciais.
 
Foi na década de 1970 que a fotogrametria ensaiava os seus primeiros e tímidos passos, muito restrita ao meio acadêmico. Entretanto a fotogrametria e a fotointerpretação já tinham sido visualizadas como ferramentas de grande auxílio para as atividades de mapeamento. 
 
Nesse mesmo período, houve o desenvolvimento do NAVSTAR-GPS, sistema de radionavegação por satélites com tempo e sistema de posicionamento de distância, desenvolvido pelo Departamento de Defesa dos EUA.
 
Nos anos 1980, os primeiros trabalhos de maior porte na área florestal já usavam o SR, via Landsat MSS e imagens impressas em papel fotográfico. Os SIGs começaram a ser desenvolvidos, mas de forma muito incipiente e exigiam grande dedicação, experiência e expertise. 
 
Aos poucos, os EUA foram retirando as restrições impostas inicialmente com relação à precisão da geolocalização dos objetos e, no final dos anos 1990, o GPS já era usado para a delimitação das áreas de projetos e o estabelecimento e os limites de propriedades rurais e urbanas. Também já era possível o uso do GPS nos inventários florestais, na geolocalização de parcelas temporárias no campo e, com o desenvolvimento de instrumental computacional e de SR, também a delimitação de talhões e parcelas permanentes, dentro dos limites de erro de cada aparelho. 
 
O GPS também era usado para a orientação das equipes (rotas de campo) dos inventários e até para atribuir coordenadas geográficas a árvores isoladas, quando necessário. Naquele período, o serviço florestal americano identificou mais de 130 possíveis aplicações para o GPS na área florestal. Um grande problema, a falta de sinal pela cobertura das árvores, foi superado por engenharia de software.

Assim, podemos dizer, sem medo de errar, que o GPS e as geotecnologias relacionadas revolucionaram as práticas florestais, tornando possível inclusive a silvicultura de precisão, a exemplo de sua irmã mais velha, a agricultura de precisão. Já na primeira década dos anos 2000, o Inventário Florestal Nacional (IFN-BR), coordenado pelo Serviço Florestal Brasileiro (SFB), foi concebido para produzir informações sobre os recursos florestais do País e para fundamentar a formulação, a implementação e a execução de políticas públicas de desenvolvimento, uso e conservação desses recursos.  
 
Foi desenvolvido com o apoio de várias instituições, entre elas a Embrapa Florestas, integrante da Comissão Técnica do IFN-BR que, coordenada pelo SFB, estabeleceu a metodologia de levantamento dos dados. Foi estabelecida uma grid básica, para a alocação das unidades amostrais, conglomerados em cruz de malta, com envergadura de 200 metros e área amostral 4 mil m2 cada (com exceção do bioma Amazônia, para o qual foram previstos conglomerados com envergadura de 300 m e área amostral de 8 mil m2).

Num país do porte do Brasil, o número potencial de unidades amostrais (na grid básica de 20 x 20 km) se aproxima de 22 mil, cobrindo áreas com florestas e áreas sem cobertura florestal, já que um dos objetivos é o monitoramento delas ao longo do tempo. 
 
Entretanto estratégias para o levantamento foram estabelecidas, para que os resultados pudessem ser disponibilizados primeiramente para cada estado brasileiro, sendo possível, dessa forma, outros recortes, como o de biomas, fitofisionomias, etc. O número de unidades amostrais também é dependente dos recursos disponíveis, sendo que o SFB estabeleceu convênios com agentes fomentadores internacionais que, juntamente com os recursos da entidade, estão permitindo a realização do levantamento, em nível nacional.
 
Em um projeto desse porte, a dependência das geotecnologias e, portanto, do GPS, é muito grande. Há necessidade da organização do mapeamento básico, definição dos pontos amostrais, definição do material cartográfico a ser usado para a coleta de dados, estratificação da população amostrada e definição dos mapas a serem usados para a estrapolação das informações coletadas na amostragem, para produção dos resultados finais. 
 
Esses resultados têm sido disponibilizados sob a forma de Cadernos Estaduais, que contêm: a) resultados biofísicos (extensão dos recursos florestais, diversidade biológica, saúde e vitalidade e estoques de madeira, biomassa e carbono) e; b) resultados socioambientais, provenientes de questionários aplicados a moradores de, em média, 4 casas no entorno das unidades amostrais. Resultados recentes situam que o IFN-BR está em 25 dos 27 estados da Federação, sendo quase 63% concluídos (17 estados).  Foram medidas quase 10 mil unidades amostrais, coletadas mais de 105 mil amostras botânicas para identificação de espécies, mais de 25 mil amostras de solo, quase 30 mil pessoas foram entrevistadas. Um total de aproximadamente 385 milhões de hectares já foram inventariados, quase 45% do País. 
 
O Inventário Florestal Nacional é uma iniciativa de grande importância para a formação de políticas públicas no Brasil. Seus resultados impactarão grandemente a forma como os recursos florestais serão vistos e deverão contribuir para a tomada de decisões gerenciais e estratégicas, em níveis estaduais, regionais e nacionais. Na verdade, poderão até impactar decisões municipais, como será possível ver no IFN-BR aplicado ao município de Caçador-SC. Mas essa é outra estória de visão estratégica do SFB, de cumplicidade entre os diferentes entes institucionais e... de GPS que poderemos contar no futuro.
 
Aguardem!