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Dario Grattapaglia

Pesquisador Científico da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia

Op-CP-35

Seleção genômica ampla: o novo paradigma

É consenso hoje que o melhoramento genético florestal tornou-se um elemento competitivo chave das operações industriais de base florestal intensiva em todo o mundo, fornecendo clones e sementes geneticamente superiores que aumentam consideravelmente o valor econômico das florestas plantadas. Independentemente da espécie-alvo e dos objetivos industriais, os programas de melhoramento florestal enfrentam um desafio comum: a longa duração de um ciclo de melhoramento, que pode levar vários anos ou mesmo décadas.

O intervalo de tempo prolongado, entre o investimento em melhoramento e a efetiva utilização do material selecionado na floresta e na fábrica, torna esse empreendimento suscetível a mudanças nas demandas de mercado, nos objetivos de negócios e nas políticas de gestão. Em vista disso, um esforço significativo tem sido dedicado pelos geneticistas e melhoristas florestais em entender as correlações juvenil-adulto para as principais características de impacto econômico, tais como o crescimento volumétrico, as propriedades da madeira, a resistência a doenças e os estresses ambientais.

Foi na perspectiva de acelerar a prática do melhoramento via seleção precoce que as tecnologias de análise genômica despertaram a atenção dos geneticistas florestais desde o final dos anos 1980. Além de encurtar os ciclos de melhoramento, a possibilidade de praticar seleção precoce assistida por marcadores foi percebida como um meio de aumentar a intensidade de seleção, reduzir o esforço de testes de campo e melhorar a precisão de seleção para características de baixa herdabilidade e expressão tardia.

As perspectivas de utilizar a seleção assistida por marcadores se tornaram uma das principais justificativas para a execução de projetos genoma de espécies florestais envolvendo mapeamento de QTLs (locos controladores de características quantitativas). Apesar dos avanços da pesquisa genômica nos últimos 20 anos, a determinação de QTLs efetivamente úteis na prática operacional do melhoramento tem se revelado muito mais elusiva do que inicialmente previsto, e as razões para isso foram discutidas.

Essa incapacidade de determinar o número e os efeitos relativos dos vários QTLs que controlam características complexas causou uma mudança de paradigma na abordagem e nas perspectivas de utilização da genômica na prática operacional do melhoramento.

Ao invés de tentar descobrir QTLs ou genes individuais, caminho este que se mostrou improdutivo devido ao grande número de genes e complexidade das suas interações, passamos, agora, a lidar com todo o conjunto de genes simultaneamente na medida em que as tecnologias de genotipagem do DNA evoluíram muito nos últimos 5 anos, ao ponto de permitir analisar milhares de marcadores em todo o genoma a custos acessíveis. Essa é a base filosófica da Seleção Genômica Ampla (SGA), por meio da qual o valor genômico de um indivíduo é estimado.

Diferentemente do princípio da seleção assistida, na qual, em primeiro lugar, buscava-se descobrir associações específicas entre alguns marcadores e características fenotípicas de interesse, para, em seguida, utilizá-las na seleção, na SGA os efeitos de milhares de marcadores sobre a característica são estimados simultaneamente, e todos eles, utilizados em modelos estatísticos de predição de desempenho, concentrando a atenção na eficiência de seleção, sem a ingênua pretensão de descobrir ou manipular o efeito de genes individuais, mesmo porque o conceito do "gene" é, hoje, um alvo em movimento.

Os principais aspectos que diferenciam a SGA da proposta original de seleção assistida por marcadores baseada no mapeamento de QTL foram detalhados e podem ser resumidos a seguir:
• A SGA enfatiza predição de desempenho e não a dissecção de características quantitativas nos seus efeitos individuais, isto é, a descoberta de QTLs ou genes específicos;
• Não utiliza limites estatísticos severos para declaração de associações marcador-fenótipo, procedimento este que sabidamente resulta na superestimativa da magnitude de efeitos de QTLs e a subestimativa do número de QTLs envolvidos no controle da característica, o conhecido "efeito Beavis";
• A descoberta de associações e estimativas de parâmetros são realizadas em amostras populacionais independentes, envolvendo centenas de indivíduos, as chamadas populações de "treinamento" e de "validação" do modelo
preditivo;
• A SGA se baseia no princípio de que o desequilíbrio de ligação (DL) fornecido por uma genotipagem densa de marcadores em todo o genoma captura toda ou a grande maioria da distribuição de efeitos gênicos envolvidos no controle da característica-alvo;
• Na SGA, todos os efeitos dos marcadores são incluídos no modelo preditivo simultaneamente, fazendo com que grande parte da variação seja explicada pelos marcadores, o que resulta na estimativa do valor genético dos indivíduos com elevada acurácia.
Diversas publicações vêm discutindo o tema da seleção genômica em revistas científicas internacionais, principalmente na área de melhoramento animal, onde a SGA já é uma tecnologia totalmente operacional em diversos programas de melhoramento no mundo. Em diversos países, mais de 40% dos touros elite utilizados em programas de inseminação artificial foram selecionados exclusivamente em base genômica, e esse número vem crescendo rapidamente.
Na área de melhoramento de plantas, a seleção genômica é o tema do momento, e diversos programas avançados de melhoramento vêm incorporando essa nova tecnologia, seja para grandes culturas anuais, seja como espécies florestais. Na área florestal, os nossos estudos foram os pioneiros em demonstrar experimentalmente as excelentes perspectivas da seleção genômica no melhoramento de Eucalyptus e Pinus taeda para diversas características de crescimento e qualidade da madeira.
Os principais impactos esperados da implementação operacional da SGA em um programa de melhoramento florestal podem ser resumidos a seguir:
• Ganho de tempo: acelerando significativamente o programa de melhoramento, na medida em que indivíduos ainda em estágio de mudas no viveiro podem ser selecionados ultraprecocemente em base genômica, induzidos a florescer e rapidamente recombinados, fornecendo a geração seguinte de melhoramento;
• Ganho na precisão da seleção: principalmente para características de baixa herdabilidade e expressão tardia na vida da árvore, tais como propriedades físicas e químicas da madeira, tolerância a seca, geada, altas temperaturas, etc.;
• Ganho na intensidade de seleção: uma vez que a SGA permite avaliar muito rapidamente, através da genotipagem direta, um grande número de indivíduos ainda no viveiro sem precisar levá-los ao campo. Em outras palavras, o esforço de teste de progênies pode ser drasticamente reduzido ou mesmo eliminado por completo na medida que o ganho realizado pela SGA vai se confirmando;
• Ganho genético na seleção de clones elite: a SGA permite a seleção simultânea para várias características de interesse e não apenas para volume e densidade. Isso permite explorar de uma maneira muito mais eficiente toda a variabilidade genética disponível na população de melhoramento. Esse impacto será particularmente evidente na otimização de testes clonais pela concentração de esforços de testes de campo em conjuntos de clones previamente selecionados em base genômica.

As perspectivas de implementação operacional da SGA no melhoramento florestal são muito promissoras. Resultados publicados em Eucalyptus e Pinus claramente apontam essa direção, e diversos projetos que estamos desenvolvendo em colaboração com empresas de base florestal no Brasil vêm confirmando, cada vez mais, essas expectativas positivas. Tudo indica que o Brasil será pioneiro na adoção dessa nova tecnologia na área florestal.

Como incorporar a SGA na prática operacional de um programa de melhoramento florestal vai variar caso a caso. Aspectos técnicos e logísticos da implementação operacional da SGA serão resolvidos nos próximos anos na medida em que experimentos de validação forem sendo executados, enquanto os custos de genotipagem de DNA, elemento-chave no processo, vão se tornar cada vez menores.

Um ponto importante é reconhecer o fato de que a SGA é, na verdade, uma nova ferramenta do melhoramento que permite fazer o que o melhorista já faz, porém de uma forma diferente, mais rápida e mais precisa. Além disso, trata-se de uma tecnologia open source, ou seja, acessível a todos, sem qualquer proteção patentária ou necessidade de licenciamento.

É um tema em plena evolução, sujeita a constantes aprimoramentos, e cujo sucesso na sua utilização vai depender essencialmente da capacidade criativa e competência dos seus usuários, os melhoristas, em explorar o seu potencial da forma mais efetiva possível. Chegou o tempo, portanto, de reconhecer que a convergência da genética quantitativa com a genômica aplicada está efetivamente acontecendo e se tornando a maneira pela qual o melhoramento genético será conduzido pelas décadas à frente.