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Marina Silva

Ministra do Ministério do Meio Ambiente

Op-CP-07

Os desafios da gestão das florestas naturais

O Brasil possui a segunda maior área de florestas naturais do planeta, com 477 milhões de hectares. No total, nossa vegetação natural passa de meio bilhão de hectares - só é menor do que a da Rússia - e abriga a maior biodiversidade do planeta, assim como a quinta parte da água doce da Terra e uma diversidade única de culturas e populações associadas à floresta.

As florestas no Brasil têm um enorme potencial para serem peças chaves no desenvolvimento nacional sustentável. Nossas florestas naturais e plantadas provêem produtos e serviços de diversas cadeias produtivas, incluindo madeira e móveis, papel e celulose, tinturas e corantes, alimentos, chapas de fibra, óleos, resinas e elastômeros, fármacos, cosméticos, carvão, energia, ecoturismo, estoque e captura de carbono, além de proteção de mananciais.

A gestão dessas florestas naturais do Brasil tem, para nós, três grandes desafios:

1. manter e ampliar a cobertura florestal,
2. ampliar as áreas de proteção integral em áreas de alto valor para conservação e
3. promover o desenvolvimento socioeconômico, a partir do uso sustentável das florestas.

Estes desafios devem ser alcançados e superados a partir de ações que permitam maximizar os benefícios socioeconômicos, a preservação da biodiversidade e da cultura local, assim como a correta valoração dos serviços e benefícios globais, gerados por este precioso patrimônio brasileiro. O mundo vem construindo seu projeto de desenvolvimento a partir do consumo de recursos naturais.

No caso das florestas, que provêem produtos utilizados desde as mais longínquas civilizações, este processo é, cada vez mais, dramático e insustentável. Ao observarmos a Europa Ocidental, a China, o sudeste asiático e a ocupação do oeste dos Estados Unidos, para citar alguns exemplos, podemos observar como, em algumas décadas, os recursos florestais nesses locais foram exauridos, até que a escassez de madeira e lenha, a erosão do solo e a degradação da água fizessem-se críticas.

Só então, iniciou-se um esforço caríssimo de recuperação florestal. Hoje, a Europa é a única região do planeta onde a área florestal vem crescendo em vez de diminuir. Somente na China, os investimentos em reflorestamento vão custar US$ 100 bilhões, em 10 anos. Na região da nossa Mata Atlântica, chegamos a uma situação muito similar e os investimentos para recuperar as florestas nesta região serão tremendos. A pressão agora é muito forte sobre outros biomas, como a Caatinga, o Cerrado e a Amazônia.

O Brasil teve, por mais de uma década, a maior taxa de desmatamento do mundo. Em 2003, quando assumimos o governo, a taxa do desmatamento batia a casa dos 25 mil km² por ano de florestas na Amazônia. Decidimos enfrentar este tema como problema de estado, e não apenas um problema de meio ambiente. O presidente Lula assumiu também o desafio e determinou a criação do Grupo de Trabalho Permanente para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia, num plano transversal, envolvendo 14 ministros de estado.

Como resultado dos dois primeiros anos de implementação, o desmatamento caiu 52%. Além de manter a cobertura florestal, é fundamental que sejam protegidas, de forma especial, as áreas que tenham alto valor para conservação, seja por seus atributos biológicos, culturais ou cênicos, ou ainda por sua função de proteção do solo e conservação da água.

Nesse sentido, o Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC, é fundamental para fornecer o regramento para a criação e a gestão das UCs. Estamos trabalhando arduamente para montar a mais extensa rede de unidades de conservação do planeta. Nos últimos 4 anos, foram criados, no Brasil, mais de 40 milhões de hectares de unidades de conservação, sendo metade federais e outra metade estaduais. É uma área equivalente a mais de quatro vezes o estado do Rio de Janeiro.

Entre terras indígenas e unidades de conservação, o Brasil possui mais de 150 milhões de hectares de áreas protegidas. O desafio que temos é manter e gerir essas áreas protegidas, em especial as unidades de conservação. O terceiro grande desafio é promover o uso sustentável das florestas plantadas e a recuperação e restauração das áreas degradadas.

Valorizar a floresta em pé é uma das mais poderosas maneiras de garantir que a comunidade local e a sociedade em geral desejem e pratiquem a sua conservação. Devemos ressaltar que as cadeias produtivas relacionadas com florestas respondem por, pelo menos, 4% do Produto Interno Bruto do Brasil, assim como por 6,5 milhões de empregos e por mais de 7% das exportações brasileiras.

Para se ter uma idéia do potencial da floresta, com apenas 10 milhões de hectares de florestas, entre plantações e áreas de manejo florestal sustentável, o Brasil acumulou uma exportação de US$ 8,6 bilhões, em 2006. A título de comparação, o setor de pecuária exportou o mesmo valor, ocupando uma área de 200 milhões de hectares com pastagens.

Por outro lado, as plantações florestais cumprem um papel importante para a conservação das florestas naturais. Pois, as plantações diminuem a pressão de exploração nas florestas naturais, especialmente de produtos de menor valor in natura, como toras para celulose, carvão e energia. Também o setor de florestas plantadas tem um dos melhores desempenhos do setor de cultivo em geral, na manutenção e recuperação de Áreas de Preservação Permanente e Reserva Legal.

São mais de 1,5 milhão de hectares de florestas naturais conservadas nas áreas de plantio florestal no Brasil. No caso das florestas naturais, as duas principais preocupações são a promoção da cultura de proteção e conservação florestal nas propriedades agrícolas e a gestão das florestas públicas, que representam mais de 60% de todas as florestas naturais do país.

Deve-se enfatizar que até 2006 não se tinha um marco regulatório que orientasse sua conservação e seu uso sustentável. Para enfrentar este desafio, o Ministério do Meio Ambiente, através do Programa Nacional de Florestas - PNF, investiu 14 meses na preparação de um projeto, com ampla consulta pública, para regulamentar a gestão de florestas públicas no país. Depois de 11 meses de tramitação no Congresso Nacional, o mesmo foi sancionado pelo Presidente da República, em março de 2006.

A Lei 11.284, em referência, tem quatro objetivos centrais:

1. define as regras para a conservação e manejo das florestas públicas, que poderão ser geridas através da criação e gestão de unidades de conservação, do manejo florestal comunitário ou de contratos de concessão florestal;
2. cria o Serviço Florestal Brasileiro, como órgão regulador da gestão das florestas públicas e como promotor do desenvolvimento florestal sustentável no Brasil;
3. cria o Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal, voltado para o desenvolvimento tecnológico, promoção da assistência técnica e incentivos para o desenvolvimento florestal sustentável; e, por fim,
4. promove a descentralização da gestão florestal, para compartilhar as atribuições entre união, estados e municípios.

Ainda em 2006 foi criado o Serviço Florestal Brasileiro, que já está implementando as medidas de transição para o novo modelo de gestão, que inclui a criação de unidades de conservação, a destinação de florestas públicas para comunidades locais e a licitação para concessão florestal para empresas brasileiras. Para os próximos 10 anos, espera-se que mais de 25 milhões de hectares estarão manejados por comunidades e outros 13 milhões de hectares estarão sobre regime de concessão florestal.

Este manejo movimentará uma economia sustentável de mais de R$ 7 bilhões e a inclusão social de mais de 150 mil famílias. Porém, o trabalho está apenas no começo. Todas essas ações têm um enorme custo, que precisa ser internalizado por todos os beneficiários, no Brasil e no mundo. Nos últimos dois anos, com a redução do desmatamento na Amazônia em 52%, deixaram de ser emitidas mais de 400 milhões de toneladas de carbono, o que representa o equivalente a cerca de 15% do compromisso de redução de emissões do Protocolo de Kyoto para todos os países desenvolvidos.

Assim, o Brasil tem feito a sua parte e poderá fazer muito mais com a participação de todo o planeta. Foi neste contexto que o Brasil apresentou uma proposta de geração de incentivos financeiros, por parte dos países desenvolvidos e do setor privado, para apoiar aqueles países em desenvolvimento, que demonstrem a redução das suas emissões de gases do efeito estufa, oriundos do desmatamento. Caso aprovado, este novo mecanismo, pode se tornar o primeiro instrumento de grande escala para pagamento por um serviço da floresta, dando um enorme estímulo para o aprofundamento da política de conservação das florestas em pé, no Brasil e no mundo.