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Fernando Nunes Gouveia

Chefe da Divisão de Pesquisa do Laboratório de Produtos Florestais do Serviço Florestal Brasileiro

OpCP65

Densidade, o caminho para a diversidade

A densidade é, sem dúvida alguma, a principal propriedade da madeira. Não quero aqui adotar um tom professoral e esmiuçar todos os seus pormenores, mas é imprescindível que nos lembremos das diferentes facetas que a densidade pode assumir, bem como da diversidade de métodos que podem ser empregados para determiná-la. Ela pode ser apresentada como básica, seca, verde ou aparente.
 

Ela pode ser calculada com o auxílio de equipamentos simples, como balanças e paquímetro ou de um volumenômetro. E pode também ser sofisticada, ao fazer uso de tomógrafo ou de raios X.


Enfim, a densidade é uma propriedade que expressa uma relação entre duas grandezas físicas, que, quando combinadas, conseguimos estabelecer relações que nos permitem agrupar espécies florestais semelhantes, inferir usos e aplicações completamente distintos, projetar e calcular peças capazes de suportar estruturas monumentais e, até mesmo, prever quanto de carbono uma floresta que será plantada poderá ter estocado quando atingir sua maturidade, e tudo isso baseado nessa singela propriedade, a densidade.


Mas existe uma densidade ideal da madeira? Eu diria que sim, mas não estaria errado se afirmasse que não. De fato, o ideal só acontece quando escolhemos a madeira adequada para um determinado uso específico. Não é possível esperar êxito quando se escolhe uma peça frágil para uma aplicação que requer alta resistência. Logo, conhecer as propriedades de um material e seu comportamento aumenta suas chances de serem empregados adequadamente.


Assim, para ajudar a ampliar o entendimento sobre as madeiras do Brasil, o governo brasileiro criou o Laboratório de Produtos Florestais – LPF, em 1973. Um centro de pesquisa concebido e estruturado para promover, principalmente, estudos de caracterização tecnológica das madeiras de diferentes espécies florestais do País.


Atualmente, o LPF integra o Serviço Florestal Brasileiro – SFB, e, ainda hoje, se mantém fiel à sua missão, mantendo como uma de suas principais linhas de pesquisa os estudos sobre as diferentes propriedades da madeira. A saber, parte do fruto desse trabalho encontra-se disponível, gratuitamente, no Banco de Dados de Madeiras Brasileiras (https://lpf.florestal.gov.br/pt-br/bd-madeiras-brasileiras), mantido e atualizado pela instituição.


Diante de tantas evidências, não resta dúvida de que a madeira foi o primeiro material multifuncional utilizado pelo homem e, embora seja lugar comum falar sobre sua versatilidade, é impossível não reverenciar sua diversidade de usos e aplicações. Alguns deles tão marcantes que podem ser relacionados com o curso da história humana.


Ela foi utilizada como combustível, sendo queimada em sua forma mais simples, como lenha, na produção de carvão e briquetes, ou em formas mais complexas, como o gasogênio ou o bio-óleo. A madeira abasteceu diferentes máquinas de guerra, seja com arcos, flechas e escudos, seja com aríetes, catapultas e trabucos.


Também foi empregada como meio de transporte, quer como simples liteiras, canoas e carroças, quer como maravilhas da engenharia, como naus, caravelas e até mesmo aviões durante a Segunda Guerra. Como material construtivo, é excelente, pode ser utilizada para edificar desde simples cabanas até grandes edifícios, sem mencionar estruturas milenares, como templos e palácios.


E ainda devemos lembrar a infinidade de móveis possíveis, sejam eles rústicos ou sofisticados, bem como da encantadora sonoridade dos instrumentos musicais, cuja riqueza de timbres e tons nos encanta.


Enfim, essa diversidade de aplicações só é possível em razão de uma característica que define a madeira enquanto material, sua heterogeneidade. Ou seja, as espécies são diferentes entre si, aliás, podemos observar até mesmo variações intraespecíficas em razão de diferenças edafoclimáticas ou tratamentos silviculturais.


Indubitavelmente, estudar as madeiras e classificá-las é condição sine qua non para que possamos entendê-las e, por conseguinte, indicar usos mais adequados em razão de suas diferentes e peculiares propriedades. Pesquisadores do LPF apresentaram uma proposta de classificação de madeiras baseada na densidade básica, durante o 6º Congresso Florestal Brasileiro, em 1990. As três classes apresentadas separavam as espécies florestais em: madeiras leves (≤ 500 kg/m³), madeiras médias (> 500 kg/m³ e ≤ 720 kg/m³) e madeiras pesadas (> 720 kg/m³). Essas classes, ainda hoje, nos orientam e auxiliam nas indicações de usos de peças de madeira.


Porém é imperativo lembrar que o ser humano nunca foi muito bom em diversificar o que consome, e, se um determinado recurso natural é alçado à categoria de matéria-prima, as chances de vê-lo exaurido são muito grandes.


Com a madeira, não seria diferente. No mais novo estudo publicado pelo Botanic Gardens Conservation International, o State of the World’s Trees, sobre a situação das árvores no mundo, pesquisadores afirmam que das 58.497 espécies de árvores existentes, ao menos 30% delas estão ameaçadas de extinção. Outrossim, de acordo com esse estudo, o número de espécies arbóreas em perigo no Brasil é de 1788.


E ainda que iniciativas, como a CITES (Convenção sobre o comércio internacional de espécies ameaçadas da fauna e flora selvagens), tenham sido implementadas com o intuito de regular e inibir o comércio internacional das espécies em perigo de extinção, continuamos a observar, ano após ano, uma forte pressão exploratória dentro de nossas fronteiras.


Particularmente, entendo que a principal razão para que o comércio internacional de espécies, como o pau-brasil, o jacarandá-da-bahia, o mogno, a castanheira, o pau-rosa e o cedro, sofra algum tipo de restrição, reside no risco real de extinção dessas espécies. E o motivo de termos chegado a essa situação foi a intensa exploração seletiva dessas árvores. Consequentemente, se não mudarmos nosso padrão de consumo, espécies como o angelim, a maçaranduba, o cedrinho ou o ipê podem, em pouco tempo, aumentar o número de espécies brasileiras presentes nos Anexos da CITES.


Entretanto, ainda acredito que, para alterarmos o padrão de consumo de madeiras tropicais, necessitamos apresentar novas possibilidades ao mercado consumidor, diferentes espécies madeireiras. Árvores tão boas quanto aquelas de uso consagrado, pois só assim poderemos aumentar o número de espécies comercializadas e, por conseguinte, diminuir a pressão exploratória sobre as que hoje estão ameaçadas.


Mas como fazer isso? A resposta é simples: pesquisa. Pesquisa básica.