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Nelson Barboza Leite

Diretor Florestal da Eco Brasil Florestas

Op-CP-18

Código florestal: descaracterização a martelo!

Instituído em 1965 e contando, na sua elaboração, com a efetiva participação de profissionais dedicados à causa florestal, o Código Florestal, com quase 50 anos, parece estar prestes a sofrer modificações significativas em sua estrutura e em seus objetivos. Criado, basicamente, para proteger nossas florestas nativas, organizar o setor produtivo à base de madeira e estimular o plantio de florestas, não há como negar, apesar das inúmeras dificuldades, a sua contribuição para o crescimento setorial.

Há muitos pesquisadores e especialistas na matéria que o consideram de excelente qualidade, até exagerado, como instrumento de referência à atividade florestal.
Se não vivêssemos num país onde a impunidade sempre vence, teríamos contado com um instrumento legal, capaz de, efetivamente, proteger e conservar nossas florestas, promover o plantio de novas florestas e dar condições para a geração de políticas públicas para o desenvolvimento de nossa indústria de base florestal.

O Brasil possui uma silvicultura de excelente padrão tecnológico e uma indústria de base florestal em contínuo crescimento: ocupa a quarta posição na produção mundial de celulose, sendo o maior produtor de celulose de fibra de eucalipto. Tudo conforme estabelece o Código Florestal.


Os abusos cometidos por setores que nada têm a ver com a atividade florestal, a complexidade de toda a regulamentação que dele derivou, o desrespeito dos próprios instrumentos de políticas públicas para desenvolver outras atividades e, acima de tudo, a impunidade dos infratores podem ser apontados como os principais fatores que foram fragilizando o Código Florestal, nesses anos de sua existência. 

Foram mudanças e mais mudanças para justificar e criar condições para mais abusos. Alterações seguidas de muitas polêmicas em função da falta de fundamentação técnica e científica e, sobretudo, pela forma truculenta como foram impostas. As seguidas alterações geraram mais complexidades e dificuldades para sua aplicação, mais confusão e mais prejuízos às nossas florestas, ao meio ambiente e à sociedade.

Não há como negar a necessidade de atualizações depois de tantos avanços tecnológicos e das inúmeras e controvertidas responsabilidades que lhe foram conferidas.
Um Código de florestas que, com o passar dos anos e pelas dificuldades institucionais de se estabelecerem instrumentos específicos, foi abrigando atribuições estranhas e se transformando em polêmico instrumento para discussões de questões urbanas, regionais, setoriais, econômicas, sociais, ambientais, culturais e políticas.

Inevitavelmente, transformou-se num foco de insatisfação generalizada. Os deslizamentos de terras em áreas urbanas, os alagamentos de cidades e os gigantescos desmatamentos clandestinos são exemplos de problemas causados pelo desrespeito ao Código Florestal e que deveriam suscitar esforço redobrado para a sua implementação, antes de uma luta extenuante para modificá-lo.


Em função de investimentos em pesquisas e experimentações, a silvicultura brasileira acumulou, nos últimos 50 anos, um estoque de informações científicas que lhe possibilitou modificar procedimentos rurais tradicionais e criar alternativas operacionais, sempre levando em consideração as referências do Código Florestal.

Respeitar as Áreas de Preservação Permanente - APPs, e alocar Reserva Legal - RL, que se constituem nas maiores polêmicas dos que reivindicam as mudanças, não são empecilhos para o crescimento e o desenvolvimento das atividades florestais. Na verdade, na maioria das empresas, determinar, integrar e compor, adequadamente, APPs e RLs fazem parte do planejamento técnico para uso sustentável das propriedades.

Há anos, no entanto, a silvicultura conta com inúmeras justificativas que legitimam pleitear o direito de ocupar as áreas montanhosas já desmatadas e degradadas, pela certeza, comprovada pela ciência, dos benefícios ambientais que podem advir da ocupação dessas áreas com plantios florestais.
Se alterações acontecerem, nesse sentido, seria inaceitável se a silvicultura não fosse contemplada.

Da mesma forma, há inúmeras razões técnicas e de cunho social para que, em propriedades florestais devidamente manejadas, permita-se somar as APPs para composição da Reserva Legal. No Código Florestal, também há mecanismos de importância estratégica para o setor. E, às vezes, só para o setor florestal, como é o caso da reposição florestal.

Com certeza, se as propostas de alterações em discussão se derem por meio de mãos estranhas ao setor, esse mecanismo será extinto. Na verdade, ele nunca foi adequadamente aplicado e respeitado, mas poderá se constituir, se devidamente trabalhado, num extraordinário instrumento de alavancagem para promover o reflorestamento no país.

Portanto, para o bem do setor, é melhor que seja preservado para manter viva a esperança de poder ser usado de modo apropriado um dia.
Nesse contexto de incertezas e próprio para críticas, interessa que alguns aspectos sejam relevados:

1. Para o setor florestal ? por quem e para o qual o Código foi criado ?, pequenas modificações com base em conhecimentos científicos, ou até simplificações para torná-lo mais objetivo, seriam suficientes para dar sustentabilidade ao desenvolvimento setorial;
2. Será inaceitável, como vem acontecendo, que se concretizem as alterações do Código Florestal sem a efetiva participação das representações científicas, responsáveis pela sua elaboração original, e sem a colaboração e o devido conhecimento dos reais interessados pelo setor;
3. A descaracterização do Código Florestal, sem considerar a realidade e as necessidades setoriais, poderá representar um retrocesso no desenvolvimento das atividades florestais brasileiras, hoje fortemente representadas pelos segmentos de florestas plantadas para produção e proteção e de manejo das florestas nativas;
4. As posições radicais de ruralistas e ambientalistas precisam estar alinhadas com as necessidades do setor, ou deixaremos de ter um Código Florestal ? os problemas ilegais da Amazônia Legal, as ocupações desordenadas de áreas ribeirinhas e morros urbanos ou a proteção de nossa rica biodiversidade dificilmente terão solução através de um código para tratar das florestas;
5. Pequenos remendos com conotação política ou ideológica podem mascarar as necessárias alterações, que exigem mais simplificação e objetividade do que complementações ? mais participação, mais ciência e menos paixão;
6. A silvicultura brasileira, nos últimos anos, desenvolveu procedimentos operacionais, de acordo com as legislações vigentes, e alcançou mais de 60% de suas áreas plantadas sob as regras dos rigorosos sistemas de certificação, que lhe asseguram sólida base na direção do desenvolvimento sustentável;
7. A grande dificuldade e restrição para a expansão da silvicultura brasileira é representada pela burocracia de autorizações e licenciamentos, que variam para cada estado e que pouco têm a ver com a eficácia do Código Florestal;
8. As carentes e viciadas estruturas governamentais de fiscalização, em todos os níveis, ressalvadas as honrosas exceções, são as principais responsáveis pela má aplicação do Código Florestal;
9. A silvicultura brasileira sempre esteve atrelada às regras do Código Florestal. Há necessidade de ajustá-lo em função dos novos conhecimentos científicos, mas a silvicultura está longe de considerá-lo como impeditivo para o desenvolvimento setorial, e
10. Os interessados e envolvidos no setor florestal brasileiro precisam ficar atentos para se evitar que alterações, indevidamente discutidas, sejam impostas ao setor, prejudicando o seu crescimento e criando retrocessos em avanços alcançados.

Mudanças, com certeza, virão; se adequadas e se respeitadas, é uma outra questão. É importante que tomemos os devidos cuidados, pois, quanto mais abrirmos esse guarda-chuva legal, mais e diferentes interessados abrigaremos e mais nos afastaremos de um instrumento que se volte específica e simplificadamente às atividades de plantar e manejar florestas. E se essas modificações forem impostas a martelo, a chance de surtirem os efeitos desejados será mínima.