Cientista da Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia - LBA
Op-CP-11
Diz-se em círculos financeiros que o melhor momento para adquirir um asset é quando este esteja sub-valorizado. A lógica simples neste tipo de aquisição é beneficiar-se de uma valorização iminente, antecipando-se aos movimentos lentos do mercado. As maiores fortunas do planeta, nas últimas décadas, surgiram deste tipo de aposta. O segredo de sucesso parece estar na combinação de uma leitura pouco ortodoxa dos sinais que antecedem o novo mercado, com um senso de realismo para driblar as turbulências que sucedem seu surgimento.
Apesar de seu valor inegável, os serviços ambientais de ecossistemas em geral, florestas tropicais em especial, tem, hoje, preço zero, já que o mercado para estes serviços ainda inexiste. Contudo, uma sucessão de desastres, associados a uma aceleração sem precedentes nas alterações climáticas, retratados de modo cientificamente digerível pelo documentário ganhador do Oscar, “Uma Verdade Inconveniente”, precipitou uma jornada inequívoca de conscientização sobre mudanças climáticas. Os relatórios do IPCC de 2007, pela primeira vez, trataram de mudanças climáticas em curso e não predições para um futuro distante.
O impacto destas iniciativas do Al Gore e do IPCC recebeu o reconhecimento máximo no prêmio Nobel conjunto. Em paralelo, o massivo e exaustivo relatório do economista de renome mundial Nicholas Stern (A Economia das Mudanças Climáticas), baseado na montanha de evidências científicas, fez uma análise que “...avaliou uma gama extensiva de evidências nos impactos das mudanças no clima sobre os custos econômicos... De todas estas perspectivas, a evidência juntada conduz a uma conclusão simples: os benefícios de uma ação antecipada e resoluta, de longe excedem em valor os custos econômicos de não agir”.
Um levantamento global de opinião, feito pela consultoria McKinsey, com executivos das maiores companhias, indicou que 82% esperam algum tipo de regulação para os assuntos relativos a mudanças climáticas, nos próximos 5 anos. Assim, a valorização econômica dos assets ambientais já está em curso acelerado, e o surgimento de novos mercados é, somente, uma questão de tempo.
O extraordinariamente rápido surgimento de mercados para serviços ambientais, em relação ao carbono, serve como exemplo. Poucos anos atrás, ninguém sabia direito o que o CO2 da atmosfera tinha a ver com o crescimento de árvores. Hoje, uma busca no Google, no tema carbon neutral, retorna mais de 3 milhões de hits, 400 mil somente em português. Neutralizar o carbono virou moda, fenômeno cultural. Como conseqüência, empresas especializadas no seqüestro de carbono, a maior parte delas plantando árvores, surgem em profusão.
Uma externalidade da economia, até muito recentemente, o carbono passou a comandar fluxos financeiros imensos e crescentes. Os maiores esforços e recursos na redução de emissões ainda são canalizados para os setores energético e de transportes, áreas cujos primeiros resultados concretos esperam-se, na escala de décadas. Contudo, a destruição de florestas em todo o mundo e, em especial, nas zonas tropicais, tem sido responsável por mais de 20% de todas as emissões ligadas a atividades humanas.
O Brasil, com sua matriz energética relativamente limpa, aliada ao pioneirismo dos biocombustíveis e da tecnologia flex, ocupa um ingrato 4º lugar, como país mais poluidor, devido quase que exclusivamente à queima de suas magníficas florestas. Suspender completamente o desmatamento poderia, em um espaço de tempo incomparavelmente mais curto, reduzir as emissões em um montante mais significativo do que todo o setor de transportes mundiais gera hoje.
E o melhor, cada tonelada de carbono que deixa de ir para a atmosfera pode, potencialmente, valer dinheiro. Até a floresta nativa, que equivocadamente foi deixada de fora em Kyoto, voltará a valer, através da compensação por redução de desmatamento e degradação, novo mecanismo de pagamentos a quem não desmata, proposto e muito bem recebido em Bali.
Apesar deste admirável novo mercado de serviços ao clima, através do carbono, tudo que alcançamos nele, olhado pelo prisma do complexo sistema terrestre, ainda é muito pouco, realmente insuficiente, diz a comunidade científica, em consenso. A exemplo dos livros em uma biblioteca, cujo maior valor está na informação que portam e não na sua massa em carbono, os organismos de uma floresta têm nas toneladas de carbono a sua menor dimensão real de valor.
Uma árvore viva, diferente do carbono morto no carvão ou no petróleo, provê uma série extraordinária de serviços ambientais. Uma floresta nativa, com toda a sua biodiversidade, provê, multiplicadas vezes, os serviços da simples soma das suas árvores individuais. Uma árvore grande e frondosa na Amazônia pode bombear do solo para a atmosfera até 300 litros de água, em um dia.
A Amazônia inteira, com 5,5 milhões de km2, transpira 20 bilhões de toneladas de água por dia, mais do que o portentoso rio Amazonas coloca no oceano. Evaporar toda esta água, consome energia solar equivalente à produção de energia de 50.000 Itaipus. Todas estas transferências de água e energia, mediadas pela floresta, aceleram a circulação atmosférica e promovem um bombeamento massivo de água do oceano atlântico, para o coração da América do Sul.
Sem esta água, o mais pujante cinturão produtivo de commodities agrícolas do planeta, no quadrante que vai de Cuiabá a Buenos Aires, e dos Andes até São Paulo, muito provavelmente minguaria até o colapso. Hidreletricidade sem água? Biocombustíveis sem água? Nem pensar. Este rápido exemplo dos serviços ambientais prestados ao continente por uma floresta nativa mostra o tipo e a dimensão dos valores em questão. Mas, os serviços de florestas nativas passam por todas as escalas geográficas.
Pesquisas feitas em Minas Gerais demonstraram um aumento significativo da produtividade de cafezais, ao lado de uma reserva natural de floresta nativa, devido à polinização promovida por insetos silvestres e ao controle de pragas, promovido por predadores silvestres, que não estariam ali sem a floresta amiga. A ANA - Agência Nacional de Águas, faz um experimento muito bem-sucedido no manejo de duas bacias hidrográficas, dos Rios Paraíba do Sul e Piracicaba, ambas em SP.
Começando a cobrar pelo bem, água, antes gratuito, os comitês de gestão têm recursos para investir na recuperação dos recursos hídricos, através da recomposição das matas de cabeceira e galeria. Vários estudos demonstram que é muito mais barato para uma municipalidade recompor florestas para limpar e aumentar a água, do que investir em caras estações de tratamento.
Experimentos similares feitos na Costa Rica, com o pagamento a campesinos por serviços ambientais das florestas preservadas em suas propriedades, têm tido grande sucesso. Os cálculos ortodoxos sobre custo de oportunidade ainda não levam estes e outros valores dos serviços ambientais de florestas em consideração. Para os agentes tradicionais de desenvolvimento nas fronteiras rurais, deixar uma área de floresta intocada, mesmo que seja dentro da área de reserva legal, apresenta-se como um passivo econômico que pesa.
A inexistência de mercados difundidos para serviços ambientais de florestas nativas colabora para esta sensação de inutilidade da área com “mato”. Tudo isso está prestes a mudar radicalmente. Cálculos conservadores, feitos por investidores pioneiros de Londres, estimaram a conta anual para preservar todas as florestas tropicais do mundo, pagando um valor mínimo de US$ 30 por ha preservado, a US$ 45 bilhões.
Este montante é irrisório, se comparado com o valor efetivo dos serviços prestados por estas florestas, mas é superior a média de todos os valores produzidos pela agropecuária, nestas regiões de solos e clima impróprios. Colocado em perspectiva, dentro da magnitude da economia global, é quase incompreensível que as florestas ainda não estejam merecendo estes investimentos.
Estudo feito há mais de 10 anos, por especialistas em economia ecológica, estimou em mais de US$ 30 trilhões o valor econômico prestado pela biosfera, para a humanidade. A indústria mundial de seguros, estimada em US$ 3 trilhões, é uma potência financeira, baseada exclusivamente no temor do risco de algum sinistro suceder.
O furacão Katrina, sozinho, custou mais de US$ 100 bilhões a esta indústria e, como decorrência, propriedades em áreas consideráveis da costa leste dos EUA não são mais “seguráveis”. Proteger as florestas nativas que sobraram, recompor as que foram danificadas e reconstruí-las, onde foram erradicadas, passa a ser a apólice de seguro mais sensata e visionária da atualidade.
Pagar por estes serviços ambientais de florestas brevemente estará em nosso cotidiano, não como custo, mas como valioso e rentável investimento, na mesma linha proposta pela análise do Relatório Stern. Em Bali, um grupo de investidores de Londres anunciou o primeiro contrato de pagamento por serviços ambientais de florestas tropicais nativas na Indonésia.
O modelo de negócio visionário inclui a formação de um trust fund, fundo tradicional de investimento, onde investidores interessados colocam seus bilhões. Este pote de dinheiro, como qualquer outro no mercado financeiro, gera rendimentos que são divididos entre os investidores, mas com uma característica especial: quem tem a floresta é acionista principal no fundo, tendo entrado não com dinheiro, mas com a garantia da integridade dos serviços ambientais da floresta, objeto do fundo.
O interesse pelo tema serviços ambientais, a exemplo da coqueluche com o carbono neutro, deve produzir uma rápida valorização deste novo tipo de asset, e uma demanda crescente pelas ações de quem tem os direitos a estes serviços, neste caso, o fundo de investimento criado para este fim. Se mesmo sem uma regulação jurídica específica, como Kyoto, investidores do mais vanguardista centro financeiro do mundo estão dispostos a arriscar neste novíssimo mercado, é seguramente porque a iminência do mercado sólido e difundido é evidente.
A esperança manifesta destes investidores precoces é que seu mercado voluntário crie modelos e desperte o apetite de outros investidores. O excesso de liquidez nos mercados globais permite que fundos como este possam captar dezenas ou mesmo centenas de bilhões de dólares, em poucos anos. Se o modelo funcionar como se espera, preservar florestas passará a ser uma questão de rendimento e lucro maior na propriedade rural.
Mas, mesmo que este canal demore a vingar, outras fontes de pagamentos por serviços ambientais de florestas nativas virão, com certeza, a exemplo da experiência pelo pagamento da água pela ANA. A acelerada deterioração, em curso, do ambiente planetário vai forçar uma reação. Por que não se antecipar? No Brasil, cada município e cada proprietário rural, que for inteligente, de posse destas perspectivas, deveriam parar imediatamente de desmatar. Florestas tropicais nativas já são, hoje, um asset de valor incalculável. Preservá-las é investir em um retorno financeiro, em futuro não muito distante. Destruí-las é matar a galinha dos ovos de ouro.