No final do ano passado, me aposentei da Embrapa depois de 35 anos e uma vida profissional riquíssima. Muito da minha carreira foi ligada à gestão e à inovação. Brinco que tive oportunidades de viajar a trabalho para 25 estados brasileiros e para 25 países da África. Os principais focos do meu trabalho eram ler sobre diferentes assuntos florestais e discutir com diferentes pessoas como a tecnologia poderia nos levar para a frente.
Ao longo dos anos, várias tecnologias se propunham a resolver problemas do mundo e ameaçavam empregos florestais. Cultura de tecidos, plantios de quiri, máquinas de colheita, automação de viveiros, sistemas computadorizados de corte em serrarias entre outros. Foram tecnologias importantes, mas não resolveram todos os problemas do mundo e não acabaram com empregos; simplesmente se integraram aos nossos sistemas produtivos, mudando a natureza de serviços e gerando uma necessidade de profissionais diferentes para aplicá-los.
Nestes últimos tempos, a inteligência digital (IA) é a bola da vez, está por todo canto. Resolverá todos os problemas e mudará nossas vidas. Será que vamos ter robozinhos fazendo de tudo para ficarmos na sombra e água fresca ou será que eles aprenderão tantas coisas e passarão a querer nos dominar?
Voltando à minha história de vida, a aposentadoria não representava um desafio econômico, pois me preparei para ela. No entanto, ela gerou um medo de estagnação intelectual muito grande, e decidi trabalhar em 3 frentes:
• Voltei para a universidade e fui fazer um curso na London Business School sobre IA em Negócios. O curso não se propunha a ensinar como se programa IA, mas sim a ver como ela se encaixa em negócios.
• A convite do José Totti, me juntei a um grupo excepcional de 10 florestais em um clube de investimentos chamado Colligo. Nosso objetivo é apoiar startups florestais e agrícolas a se tornarem negócios sólidos, investindo conhecimento e recursos financeiros.
• Eu me envolvi com construções de madeira, porque acredito que este tipo de construções são uma das grandes inovações do momento.
Resolvi contar todo esse preâmbulo como uma apresentação do tema da inteligência artificial, cruzando o que aprendi nas aulas e o que tenho aprendido em nossa experiência de promover negócios inovadores no Colligo.
Quando falamos em IA, nos referimos à capacidade das máquinas de perceberem seu ambiente e tomarem decisões que maximizam seus objetivos. Esses dispositivos, que podem ser máquinas ou computadores, imitam funções cognitivas humanas, como aprendizagem, comunicação e resolução de problemas.
É comum confundir IA com aprendizado de máquina (machine learning). O aprendizado de máquina é um ramo da IA que estuda algoritmos capazes de melhorar automaticamente por meio da experiência, sem a necessidade de programação explícita.
Esses algoritmos fazem previsões e tomam decisões com base em dados, mas sempre sob supervisão, permitindo que aprendam com seus acertos e erros. Assim, o aprendizado de máquina é uma das técnicas fundamentais dentro do campo da IA. Ela é construída sobre grandes bases de dados, que são processadas por algoritmos para gerar os resultados desejados. Isso nos leva a uma importante oportunidade de trabalho na área: o desenvolvimento de bases de dados robustas que sirvam como suporte para a manipulação de algoritmos. É crucial que essas bases de dados sejam bem estruturadas, pois dados mal elaborados podem resultar em produtos distorcidos e preconceituosos, gerando respostas não confiáveis.
O avanço e a aplicação da IA estão intimamente ligados ao recente desenvolvimento de diversos tipos de sensores, que possibilitam a criação de grandes bases de dados e a coleta de informações em tempo real. Por exemplo, a empresa Treevia instala sensores nas florestas de seus clientes, coletando 17 tipos de dados em tempo real, como umidade, temperatura e crescimento das árvores, que são integrados em seus modelos de gestão. Outra empresa, a ONS, analisa múltiplas imagens de satélite de uma mesma área, fornecendo informações sobre diferentes aspectos do uso da terra em tempo quase real.
O setor de IA está em rápida evolução, impulsionado pela disponibilidade de várias plataformas que desenvolveram bibliotecas de algoritmos. Essas bibliotecas podem ser rapidamente organizadas em aplicativos utilizando dados dos usuários. Exemplos de plataformas incluem ChatGPT, Gemini, DeepSeek, Rekognition, Detectron, Amazon Web Services, Google Cloud Platform, PyTorch, R, TensorFlow, Microsoft Azure e Scikit-learn, entre outras. Algumas são gratuitas, enquanto outras são pagas, e cada uma se destaca em áreas específicas, como processamento de linguagem natural ou reconhecimento e tratamento de imagens.
Quando olho para a área florestal, vejo inúmeros usos para a IA, alguns já em implementação ou desenvolvimento:
• Treinamentos e manuais operacionais: com a construção de guias de interativos customizados para a situação de cada empresa. Ferramentas que mesclem realidade virtual a bases de dados florestais do tipo “identificação e controle de pragas do eucalipto”, “como identificar ninhos de saúva e quém-quém”, “combate a percevejos” e sistemas de reconhecimento de insetos podem qualificar técnicos rapidamente e serem adaptados a pragas do momento.
• Construção de um sistema nacional de alerta de pragas, com armadilhas dispostas estrategicamente perto de portos e pátios de madeira, coletando insetos e por análise de imagens identificando-os. Um sistema bacana a ser construído pela nossa indústria em parceria com o Ministério de Agricultura e com órgãos de defesa sanitária estaduais. Dá para treinar as armadilhas para identificarem qualquer inseto nacional, chileno, chinês ou americano, e lançar alertas de perigo.
• Um trabalho semelhante pode ser em escala regional ou de empresas para monitorar pragas, conhecidas e desconhecidas, das mais diversas, incluindo aí formigas, macacos, vespa, percevejos etc.
• Sistemas de sensoriamento remoto, por satélite, ou por sensores colocados em torres ou satélites que varram florestas de forma contínua e determinem o perigo de incêndios florestais em tempo real, ligados a sistemas de alerta e de combate.
• Desenvolvimento de equipamentos com IoT, medindo e adaptando processos conforme mudanças ambientais, encontrando pontos de risco e combatendo-os automaticamente, com drones e tratores autodirigíveis.
• Sistemas de inventário rápido, por sensoriamento remoto, que forneçam o estoque de carbono em plantios florestais, com metodologias aceitas por certificadores e compradores de carbono, algo relativamente fácil nos plantios industriais, mas extremamente complexo em áreas de manejo e plantios de restauração.
A implementação de soluções de inteligência artificial não acontece sem uma organização empresarial para a manter. Temos visto excelentes soluções técnicas com Inteligência Artificial embutida, desenvolvidas em pequena escala, mas que não irão para a frente por não terem como aumentar a escala e por não terem sido pensadas como um negócio que seja comprável por empresas e que dê lucro para seus desenvolvedores.
Precisamos nos organizar para que ferramentas de IA deixem de ser trabalhos acadêmicos geniais e se transformem em negócios inovadores. Para isso, só criando mecanismos de apoio à inovação, mais clubes de investimento em inovações florestais, assumindo parte do risco de desenvolvimento, para lá na frente colher lucros.
A solução alternativa é esperar que desenvolvam produtos em países onde o sistema de inovação é forte e venham nos vender soluções que poderíamos ter gerado em casa.