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Rosa Ana Conte e Daltro Garcia Pinatti

Professora de Engenharia de Materiais da USP-Lorena

Op-CP-12

Refinaria de biomassa viabiliza florestas energéticas

As tecnologias atuais para gerar energia a partir de fontes renováveis são biunívocas, ou seja, cada biomassa gera apenas um produto principal, que tem de pagar todos os custos (matéria-prima, investimento, insumos, mão-de-obra). Os principais exemplos são etanol da cana, biodiesel de óleos vegetais, queima de biomassa em caldeira para geração de vapor e energia elétrica. A RB - Refinaria de Biomassa, é um paralelo da Refinaria de Petróleo, constituída de 11 tecnologias, gerando 13 produtos básicos.

Pode ser implantada por etapas, com geração simultânea de 4 a 11 produtos, dependendo do tipo de biomassa. O fracionamento da biomassa permite valorizar as frações nobres, possibilitando que a cogeração de energia elétrica seja competitiva com energias fósseis e hidrelétricas. Na RB, as biomassas são agrupadas em lignocelulósicas ou lenhosas (floresta, bagaço/palha da cana, resíduos agrícolas, babaçu, pinhão manso, bambu, manejo sustentado de floresta natural, resíduo orgânico municipal), e oleosas, contendo proteínas e lipídeos (tortas, farelos, dejetos, graxarias, pneus usados).

As lenhosas são, inicialmente, craqueadas por pré-hidrólise ácida diluída, que converte 80% da biomassa em celulignina sólida, com porosidade nanométrica e baixo teor de potássio, e 20% em solução líquida de açúcares, chamado pré-hidrolisado. A solução de açúcares de qualquer biomassa permite gerar furfural ou etanol e gesso agrícola com K, P (reciclagem de fertilizante para floresta ou lavoura). As oleosas são craqueadas por CBT - Conversão em Baixa Temperatura, gerando óleos com frações esterificáveis a biodiesel e frações aromáticas para combustíveis e carvão vegetal.

Neste artigo, os dados apresentados referem-se a florestas energéticas de curta rotação (2 a 3 anos de corte), produzindo 40 TBS/ha/ano (TBS - Tonelada de Biomassa Seca), mostrando a geração de alguns produtos, na ordem crescente de investimentos. A celulignina é um volumoso para ração de ruminantes, com digestibilidade de 58%, similar à silagem de milho ou alfafa. Com uma dieta de 7 kg seco/cabeça/dia, pode-se alimentar até 14 cabeças/ha de floresta.

Como a conversão em carne e respiração é de 1 kg/cabeça/dia cada uma, sobram da ordem de 5 kg/cabeça/dia de esterco que, processados por CBT, geram óleo e carvão, recuperando 60% da energia contida na biomassa original. Infelizmente, o setor sucroalcooleiro abandonou os confinamentos e os americanos vêm fazendo álcool de milho. A celulignina pode ser peletizada, alcançando densidade de 1.250 kg/m2 e densidade energética de 23 MJ/m3 (PCI = 4.400 kcal/kg ou 18,4 MJ/kg), próxima do carvão betuminoso (26 MJ/m3) e 60% da densidade energética do óleo combustível (39 MJ/m3).

É uma commodity que, na entressafra, usa a mesma logística de transporte de grãos (caminhões, vagões, portos e navios) para abastecimento mundial de energia, componentes de ração animal e de materiais. A pré-hidrólise é a melhor tecnologia para preparação da biomassa para produção do etanol de celulose pelo processo enzimático, gerando, aproximadamente, 330 L/TBS (por volta de 13.300 L/ha). A celulignina pode ser convertida por reforma autotérmica em syngas, com composição em %-volume de 37 H2, 41 CO, 16 CO2, 4 CH4 e PCI = 11,2 MJ/m3, substituindo gás natural na geração de energia elétrica, combustíveis, produtos químicos e materiais.

A geração de energia elétrica dá-se pela queima do syngas, pelo ciclo combinado composto de turbina a syngas e caldeira de recuperação, e turbogerador a vapor, alcançando rendimento termelétrico de 41%. Baseado nos parâmetros 40 TBS/ha/ano, 80% de conversão em celulignina, PCI = 18,4 MJ/kg, 330 dias/ano de operação, gera-se uma potência específica de 8,5 kWe/ha.

A maioria das hidrelétricas não alcança esta taxa, quando se divide sua potência pela área inundada do reservatório. Os 100 GW de consumo elétrico nacional poderão ser gerados com 118.000 km2 de florestas energéticas, apenas 1,4% do território nacional. A cana só perde para o petróleo como vetor energético e o aproveitamento das florestas energéticas, através da RB, poderá ultrapassar o do petróleo.

Por último, a geração de metanol, cru sintético, diesel e outros monômeros da petroquímica poderão ser gerados pelo syngas, pela tecnologia GTL - Gas to Liquid (processo Fisher-Tropsch), utilizando diferentes tipos de catalisadores. Para esta etapa de complementação ou substituição integral das energias fósseis, a biomassa tem deficiência de hidrogênio, que a RB suprirá com a geração de silício solar, obtido a partir da sílica da casca do arroz (cf. www.geea.com.br, primeira RB que está sendo instalada em Alegrete).

Utilizando a energia elétrica fotovoltaica na eletrólise da água, supre-se a deficiência de H2 e o O2 é utilizado na reforma autotérmica, para a geração do syngas. A fazenda energética deve conter 80% da área em floresta energética e 20% em painéis fotovoltaicos, para abastecer a maioria das necessidades das atividades humanas.

O investimento da RB, processando acima de 1000 TBS/dia, é da mesma ordem que as termelétricas convencionais (US$ 1500.00/kW) e os custos dos produtos são inferiores ao dos produtos fósseis: celulignina – US$ 35.00/t (US$ 2.00/MBTU), syngas - US$ 3.00/MBTU, comparados com US$ 6.00/MBTU do gás natural, e energia elétrica US$ 80.00/MW (R$ 140.00/MWh). A RB é a melhor resposta às críticas de organismos governamentais internacionais e dos ambientalistas, pois é técnica, econômica e ecologicamente possível maximizar a geração de energia, simultaneamente com a maximização da produção de alimentos.