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Júlio César Tôrres Ribeiro

Diretor Presidente Executivo da Cenibra – Celulose Nipo-Brasileira

OpCP82

O valor dos fundamentos do manejo em tempos de inovação
O setor brasileiro de árvores plantadas é referência mundial em bioeconomia. Além de oferecer bioprodutos em larga escala a partir de matérias-primas renováveis, auxilia na conservação do solo, protege os recursos hídricos, conserva a biodiversidade dos ecossistemas e promove a retenção do gás carbônico. Por tudo isso, o manejo florestal sustentável exige cada vez mais ferramentas de controle e de análise de dados, mas sem deixar de lado o conhecimento técnico de campo. 
 
Com o aumento crescente da demanda por recursos florestais sustentáveis, o uso de ferramentas tecnológicas e a governança de dados tornam-se fundamentais para garantir que as tomadas de decisões sejam embasadas em informações precisas. 
 
Inserido neste cenário, o setor florestal brasileiro vivencia uma transformação sem precedentes, impulsionado pelo avanço acelerado da tecnologia. Ferramentas como geotecnologias, inteligência artificial, big data, automação e softwares de gestão vêm revolucionando a forma como planejamos, monitoramos e tomamos decisões cruciais no manejo florestal. A inovação tornou-se um pilar fundamental para maximizar a produtividade, acelerar a mecanização da operação reduzindo dependência de mão-de-obra e assegurar a ampliação de áreas plantadas, demanda necessária já no presente. 

No entanto, diante desse cenário de modernização, surge uma reflexão importante: será que estamos negligenciando os conceitos teóricos fundamentais do manejo florestal? 

A base técnica, construída ao longo de décadas de pesquisa e prática, parece estar sendo deixada em segundo plano pelas novas gerações de engenheiros florestais, cada vez mais atraídas pelo universo da inovação, dos algoritmos e dos softwares. 

Recentemente, participei de um congresso florestal com mais de 250 estudantes. Durante o evento, perguntei à plateia quem gostaria de ser engenheiro de campo, aquele profissional que visita os plantios, observa a floresta de perto e lida com os desafios do dia a dia. 

Para minha surpresa, apenas meia dúzia de estudantes levantou a mão. A esmagadora maioria manifestou interesse em atuar no escritório, desenvolvendo soluções digitais, algoritmos inovadores ou mesmo trabalhando exclusivamente em home office. 

Esse episódio isolado, sem o rigor da estatística, ilustra uma tendência preocupante: o distanciamento do campo e dos fundamentos clássicos do manejo florestal. Conceitos como planejamento operacional, inventário florestal, dinâmica de crescimento, manejo de pragas e doenças e tomada de decisão baseada em observação direta estão, pouco a pouco, perdendo espaço para a busca incessante por inovação. 

Os fundamentos não podem ser esquecidos pois a tecnologia só entrega seu potencial máximo quando aplicada sobre uma base sólida de conhecimento. O manejo florestal eficiente depende de decisões embasadas em princípios técnicos, ecológicos e econômicos. Sem domínio dos fundamentos, corre-se o risco de interpretar dados de forma equivocada, propor soluções inadequadas ou até comprometer a sustentabilidade dos sistemas produtivos. 

São inúmeras as situações que podem ser citadas. Em sequência algumas, somente para ilustrar o meu pensamento: 
• Diagnóstico de Campo: Imagine um engenheiro florestal que, ao visitar um talhão, identifica visualmente sintomas de ataque de formigas cortadeiras e já determina ações a serem tomadas. Nesta simples observação, é possível até mesmo identificar a espécie de formigas. 
Embora existam sensores e imagens de satélite capazes de indicar áreas de estresse, a observação direta permite uma resposta rápida e precisa, evitando perdas significativas. 
• Inventário Florestal: O uso de drones e softwares para estimar volume de madeira é valioso, mas a calibração desses sistemas depende de medições tradicionais, como a cubagem manual e o conhecimento dos modelos de crescimento das espécies. Sem essa base de conhecimento, os algoritmos podem gerar estimativas distorcidas. 
• Planejamento Realista: Ao planejar a colheita, softwares podem sugerir rotas ideais para máquinas, mas apenas quem conhece o solo, o relevo e as condições climáticas locais consegue ajustar o plano para otimizar todo o processo. Em resumo, é a visita de campo que gera dados de entrada essenciais para modelos matemáticos e softwares. 
• Gestão Sustentável: A compreensão dos ciclos ecológicos e das interações entre solo, clima e vegetação é essencial para garantir a perenidade das florestas. Por exemplo, a decisão de espaçamento entre mudas, rotação de culturas ou escolha de espécies depende de conhecimento técnico, de ensaios e plantios de pesquisa, não apenas de simulações digitais. Imaginemos o processo de melhoramento genético, seria viável tomar decisões sobre o desenvolvimento de novos clones de eucalipto a partir de “cruzamentos digitais” de indivíduos, por mais robusto que seja o modelo adotado? 
 
Além disso, o contato com o campo desenvolve habilidades essenciais, como a capacidade de adaptação, o senso crítico e a criatividade para solucionar problemas complexos, características fundamentais para qualquer engenheiro florestal. 
 
Inovação, fundamentos teóricos e presença no campo são caminhos complementares. Não se trata de rejeitar a inovação, mas de integrá-la de forma equilibrada ao conhecimento tradicional. O engenheiro florestal do futuro precisa dominar tanto os algoritmos quanto o compasso do campo. A tecnologia deve ser vista como uma aliada para potencializar o manejo e não como um substituto do saber fundamental. 

A integração entre a teoria e prática é o que permite extrair o melhor das ferramentas digitais. Softwares de gestão, drones, sensores e sistemas de informação geográfica são extremamente valiosos, mas sua eficácia depende da correta interpretação dos dados e da aplicação criteriosa dos conceitos técnicos. Um engenheiro que domina o manejo tradicional pode utilizar um sistema de sensoriamento remoto para identificar áreas de baixa produtividade e, ao visitar o local, aplicar técnicas de correção de solo ou manejo de pragas, potencializando os resultados. Da mesma forma, softwares de rastreabilidade garantem a origem da madeira, mas é o conhecimento de campo que assegura o cumprimento das práticas certificadas. 

Em síntese, a sinergia entre inovação e fundamentos é a chave para o futuro do setor florestal. É urgente resgatar o interesse pelo campo e valorizar o aprendizado prático, sem perder de vista as oportunidades que a tecnologia oferece. Só assim conseguiremos formar profissionais completos, capazes de conciliar produtividade, sustentabilidade e inovação, garantindo a perenidade das florestas para as próximas gerações.