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Ricardo Ribeiro Rodrigues

Professor de Ecologia e Restauração Florestal da Esalq-USP e Coordenador do Programa BIOTA/FAPESP

Op-CP-07

Floresta Atlântica no contexto da propriedade agrícola

O domínio da Floresta Atlântica ocupa mais de 3.300 km, ao longo da costa leste brasileira, e abriga a segunda maior extensão de floresta tropical úmida da América do Sul, sendo que a maior está no domínio Amazônico. A expressão Mata Atlântica, aplicada numa definição ampla, corresponde às formações florestais, ocorrentes no domínio da Floresta Atlântica, com grandes extensões litorâneas, desde do Rio Grande do Norte ao Rio Grande do Sul, com projeções muito significativas para o interior.

Nesta definição, estão incluídas a Floresta Atlântica sensu restrito (Floresta Ombrófila Densa), a Floresta de Araurária (Floresta Ombrófila Mista) e a Floresta de Interior ou do Paraná (Floresta Estacional Semidecidual). Vale destacar que cada uma dessas formações têm características, florísticas e de estrutura próprias, merecendo, portanto, ações diferenciadas de conservação e de restauração.

As formações têm em comum um longo e duradouro histórico de perturbação, que definiram um forte processo de fragmentação, principalmente das mais interioranas, ocorrentes em terras de maior aptidão agrícola. Fica claro, nessa avaliação, que a expansão da fronteira agrícola sempre foi e continua sendo o principal fator de eliminação e fragmentação dessas formações.

Essa destruição das florestas está fortemente associada aos diversos ciclos econômicos, sendo que a expansão da cultura de soja sobre as bordas da Amazônia Legal é o exemplo mais recente na última década, de intensidade surpreendente. Isso deve se repetir com a atual expansão da cultura canavieira, já que as condições socioeconômicas, políticas e legais são semelhantes.

Todo esse processo de transformação desencadeou uma legislação ambiental bastante restritiva, que se esforça na tentativa de uma ocupação agrícola planejada, possibilitando a conservação de uma porcentagem de formações naturais, adequadamente distribuídas na paisagem, garantindo, assim, melhores condições para a conservação da biodiversidade remanescente. Vale ressaltar que algumas formações florestais, como o Cerradão, de grande expressão no Brasil Central, e mesmo algumas não florestais, ainda permanecem sem nenhuma proteção legal, o que as coloca em grande risco de extinção total.

No entanto, pelos exemplos históricos e atuais, essa legislação ambiental não tem tido grande sucesso, mesmo sendo repetidamente elogiada, já que as formações florestais continuam sendo eliminadas numa velocidade assustadora, com conseqüente extinção de muitas espécies, muitas vezes nem conhecidas da ciência, sendo que uma das causas desse insucesso é o distanciamento das políticas ambiental e agrícola.

O que estamos conseguindo promover é uma incipiente criação de Unidades de Conservação, numa tentativa de aprisionar o pouco que restou da biodiversidade dentro dessas unidades, que geralmente estão mal distribuídas, mal dimensionadas e sem os recursos mínimos necessários para o cumprimento desse papel.

Um exemplo que podemos citar é o do Estado de São Paulo, onde apenas 22% dos remanescentes florestais estão dentro de Unidades de Conservação, sendo que o restante está nas propriedades particulares, nas mais diversas condições, geralmente na forma de pequenos fragmentos florestais muito degradados, mas ainda assim exercendo importante papel na conservação dessa biodiversidade.

Esse papel poderia ser muito potencializado se esses fragmentos fossem adequadamente recuperados, protegidos e interligados, através de corredores ecológicos na paisagem, formando um grande contínuo de formações protegidas, usando, inclusive, as matas ciliares, dada sua condição de integradora na paisagem.

Sendo assim, quem efetivamente tem grande potencial para proteger a nossa biodiversidade remanescente são os proprietários agrícolas, desde que: devidamente estimulados, usando, para isso, instrumentos educacionais e financeiros, como desconto de impostos, certificação, etc, e devidamente capacitados, apontando a possibilidade de ocupação das áreas agrícolas, com elevada produtividade e baixo impacto ambiental, e de ocupação das áreas não agrícolas, por uma questão legal (matas ciliares e reserva legal) e/ou mesmo ambiental (áreas de baixa aptidão agrícola), com formações naturais.

O que precisamos, então, é promover uma significativa mudança de paradigma, reforçando os instrumentos de integração das políticas ambiental e agrícola, no sentido das propriedades agrícolas conseguirem exercer, além do papel de produção, o nobre papel de conservação da biodiversidade remanescente.

Isso, de maneira nenhuma, deve desestimular ou negligenciar a importância da criação de novas Unidades de Conservação, desde que devidamente estruturadas para esse fim, mas apenas explicita que esse papel da conservação da biodiversidade deve ser exercido por todos, mas, principalmente, por aqueles que guardam a maior porcentagem das florestas remanescentes.

É nesse sentido que muitas agências fomentadoras de pesquisa têm atuado no Brasil, incentivando estudos que promovam o diagnóstico da biodiversidade remanescente, procurando conhecer, em detalhes, o pouco que restou, para conseguir propor uma adequação das ações de conservação dessa biodiversidade, sem, contudo, comprometer a viabilidade econômica dessas propriedades agrícolas.

Como exemplo dessa iniciativa, podemos citar o Programa BIOTA, da FAPESP - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, que já investiu mais de 20 milhões de dólares na caracterização da biodiversidade remanescente do Estado, durante 7 anos, com participação de mais de 1.200 pesquisadores, dos quais 400 sêniores, gerando um enorme conhecimento científico da biodiversidade paulista, disponibilizado para a sociedade, num banco de dados público (www.biota.org.br), usado para adequação da política ambiental, como a indicação de áreas prioritárias para conservação e restauração do Estado de São Paulo.