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Camilla Marangon

Gerente de Sustentabilidade e Assuntos Florestais da Ibá

OpCP76

Como ficam as certificações florestais em face da EUDR?
O setor de árvores plantadas para fins industriais foi pioneiro na adoção de certificações voluntárias no começo dos anos 1990, quando a demanda por garantias de sustentabilidade na cadeia de madeira deu seus primeiros passos sob a batuta do FSC (Forest Stewardship Council – Conselho de Manejo Florestal, em português) e do PEFC (Programme of Endorsement for Forest Certification Schemes – em português, Programa para o Reconhecimento da Certificação Florestal, o maior sistema mundial de certificação florestal).
 
Esse setor possui mais de 9 milhões de hectares de áreas certificadas (produtivas e de conservação), sendo que 3,8 milhões de hectares carregam a dupla chancela do FSC e PEFC, 4,4 milhões de hectares são certificados apenas pelo FSC e 0,9 milhões de hectares são certificados exclusivamente pelo PEFC. Pode-se dizer que tais áreas abastecem 60% da demanda europeia por celulose (hardwood), tendo em vista que a certificação é um requisito básico para a maioria do mercado europeu. 
 
Por muitos anos, essas certificações foram o farol da sustentabilidade no setor florestal e apoiaram boa parte da melhoria contínua em diversos aspectos ambientais e sociais. Essa posição privilegiada, no entanto, se viu na berlinda com a publicação da Regulamentação Anti-Desmatamento da União Europeia (EUDR), que estabelece as ambições do bloco no que diz respeito ao desmatamento, exigindo que toda madeira e produtos derivados sejam livres de desmatamento após dezembro de 2020. Esse amplo aparato regulatório impactará não apenas os bens produzidos na União Europeia, mas também nos produtos importados diretamente por ela e os chamados mercados triangulados. 
 
Iniciativas veementes pela sustentabilidade, como a EUDR, são absolutamente necessárias, e é inquestionável a adesão do setor de árvores cultivadas à sua nobre ambição. No entanto, o movimento europeu ganhou contornos burocráticos e tem mostrado, dia após dia, seu potencial de causar disrupções no comércio global.

A Ibá (Indústria Brasileira de Árvores) realizou uma missão à Europa com o intuito de dialogar e fazer valer os diferenciais sustentáveis do País e do setor no processo de implementação das novas regras. A missão destacou as inconsistências da norma, os riscos atrelados à divulgação de dados concorrencialmente sensíveis, a falta de instruções práticas e de condições habilitantes para implementação – elementos que, às vésperas da entrada em vigor da regra em 31 Dez 2024, ainda estão na mesa de trabalho da Comissão Europeia. 

No que diz respeito à tratativa da EUDR para as certificações, o texto é bastante claro ao definir que empresas certificadas não estão isentas de demonstrar conformidade com as novas regras. Isso porque, apesar de tanto o FSC quanto o PEFC possuírem linhas de corte para o desmatamento mais ambiciosas do que a EUDR, algumas especificidades de suas regras não estão plenamente alinhadas à ambição de desmatamento zero da Regulamentação. 

Ainda assim, as empresas poderão oferecer a sua certificação como uma medida para mitigação de risco aos clientes europeus, especialmente devido ao fato de as certificações serem baseadas em verificações de campo independentes. 

Mesmo com protagonismo limitado na EUDR, o FSC e o PEFC montaram planos de ação com cronogramas ambiciosos para se alinharem e oferecerem às empresas certificadas soluções para facilitar sua demonstração de conformidade. Ambos os esquemas elaboraram regras voluntárias, como anexos que complementam seus requisitos com as exigências da EUDR e poderão apoiar as empresas que desejarem usar a certificação como ponto de partida para sua demonstração de conformidade. Ou seja, são soluções de adesão voluntária que não impactam as empresas certificadas que não possuem mercados na Europa.
 
No que diz respeito aos sistemas tecnológicos, o FSC optou por desenvolver uma ferramenta baseada em blockchain que permite que as informações de origem do produto fluam da floresta até o consumidor europeu. O PEFC, por outro lado, tomou a decisão de não investir em um sistema de informação próprio, mas sim fazer parceria com consultorias que oferecem tais soluções, negociando licenças mais baratas para os detentores de certificado, o que pode beneficiar sobretudo pequenos produtores. 

No âmbito das regras para Manejo Florestal, o cenário é outro, e algumas mudanças compulsórias, portanto, aplicáveis a todos os detentores de certificado, entram em cena no FSC e no PEFC. Em ambos os esquemas, a ambição com essa mudança, que pode ser significativa para muitas empresas, é oferecer ao mercado produtos totalmente livres de desmatamento e evitar regras diferentes dependendo do destino do produto, potencialmente afetando a integridade das marcas. 

A mudança mandatória nas regras de conversão, no entanto, expõe os esquemas de certificação ao risco de perda de mercado, especialmente por parte daqueles que não exportam para a União Europeia e não seriam, até então, afetados pelas altas ambições do velho continente.

No FSC, há ainda mais um fator complicador: o fato de as regras de conversão terem sido completamente revisadas há um ano, por meio de um processo que durou mais de 10 anos para ser concluído. A resolução desta celeuma acerca dos requisitos de manejo ainda está em aberto no FSC e no PEFC, cabendo aos respectivos Board of Directors a dura decisão final.

Considerando que os esquemas de certificação estão buscando o alinhamento, muitos podem se perguntar se a União Europeia poderia futuramente considerar o reconhecimento desses padrões, mas a resposta, por hora, é não. A Diretoria Geral Ambiental da Comissão Europeia, responsável pela operacionalização da norma, foi muito categórica ao afirmar que não tem a expectativa de reconhecer certificações voluntárias nem mesmo iniciativas governamentais.  
 
A EUDR pode até estar desafiando a relevância do FSC e PEFC, mas o valor da certificação não se resume apenas a isso. Há que se reconhecer que os requisitos do FSC e do PEFC vão muito além. O FSC, por exemplo, possui mais de 215 indicadores que promovem um ambiente de trabalho justo e seguro, o desenvolvimento de comunidades vizinhas, respeito aos povos tradicionais, uma régua alta para gestão da biodiversidade e de habitats naturais, dentre outros. Essas garantias não vão deixar de ter seu espaço no mercado mundial. Portanto, não é razoável assumir que a EUDR vai diminuir a relevância das certificações, e sim adicionar a tão temida camada extra de exigências e rastreabilidade.