Abordar tendências é algo como predizer o futuro, soa como bruxaria, ainda mais em um setor tão intimamente ligado ao campo, ao meio rural, ao interior. Pelo menos, era assim até ontem. Com a rápida urbanização do Brasil, ainda passa despercebida para a imensa maioria da população a impressionante escalada das diferentes tecnologias sobre todos os nossos sistemas florestais. Na mesma intensidade e forma que elas chegam aos nossos lares, também atingem o nosso ambiente de trabalho.
A primeira vez que me vi embaraçado com uma nova tecnologia na área florestal foi para evitar a quebra de sementes de Eucalyptus ao serem expelidas por um êmbolo de um “moderníssimo” semeador manual nos processos de semeadura direta em saquinhos plásticos. Pareceu-me fantástico que tão minúsculas criaturas causassem tantos problemas. Hoje, nossos clientes teriam sérios problemas, caso nossos clones levassem impurezas que impedissem o manuseio de fios de acetato com a espessura 40 vezes menor do que a de um fio de cabelo. Os meus, se ainda os tivesse, por certo, cairiam todos agora.
Bem, os semeadores evoluíram, tornaram-se mecânicos, com ar comprimido. Na atualidade, quase desapareceram; veio a propagação vegetativa com as macro, mídi, míni e microestacas, e já temos empresas transplantando material genético diretamente do laboratório de cultura de tecidos para o viveiro florestal em escala de vários milhões de indivíduos. Logo, também os canaletões dos minijardins serão coisas do passado.
Não carregamos mais mapas em papel, eles estão nos celulares, com todos os temas possíveis, material genético, solos, faixa de precipitação, talhonamento, manejo. Drones podem efetuar vigilância contra incêndios, detectar surtos de pragas e doenças, levantar danos, mapear fazendas. Satélites nos dizem a qualidade das florestas, bem como a quantidade de madeira existente em determinada área, além de realizarem o monitoramento ambiental. Sensores leem a quantidade de madeira em pilhas ou sobre a carroceria de caminhões e vagões de trens, ou calculam e mapeiam a aplicação de fertilizantes, corretivos e defensivos.
Simuladores treinam futuros operadores de máquinas florestais antes mesmo de eles pisarem na floresta. Aplicando-se a tecnologia de leitura com raios infravermelhos, sabe-se a qualidade da madeira para processo e da celulose destinada ao cliente. Por meio da genotipagem do material genético, estabelecemos as melhores linhagens para os programas de melhoramento. Descobrimos a proximidade genética e os cruzamentos capazes de resultar em maior ganho.
Separamos e reclassificamos espécies. Ceptômetros permitem o cálculo da produtividade pela leitura da radiação solar capaz de realizar fotosíntese. E a lista segue, com tecnologias ficando obsoletas se aqui nos demorarmos. O impacto das novas tecnologias sobre a produtividade é importante, porém ele é ainda maior sobre outro fator muito importante: a qualidade. Com isso, os custos despencam. Não há desemprego, criam-se muito mais vagas pelo aumento da competitividade. Começa, aqui, o maior desafio da área florestal: para as empresas, não basta aumentar a competividade, é preciso mantê-la.
E é bom que assim o seja. Lá atrás, no tempo dos semeadores manuais, era corrente o bordão “entrega qualquer madeira que eles cozinham”, “se você enviar os moirões da cerca, eles fazem papel”. “Eles” eram as fábricas, e as frases não expressavam qualquer admiração pela capacidade dos colegas da indústria, mas o desconhecimento e a distância entre os processos. Na atualidade, clientes de celulose solúvel, não raro, monitoram até a aplicação de defensivos nas atividades florestais para detectar possíveis incorporações nas moléculas de celulose.
Nossas linhas de produção precisam receber autorização dos clientes para qualquer adição de novos produtos químicos ao processo.
Temos que manter a satisfação e a confiança de clientes que estão não mais apenas tocando ou se vestindo com nossos produtos; das nossas linhas, sai matéria-prima para as indústrias alimentícia, farmacêutica e de higiene pessoal. Desapareceu o “eles”. Agora, somos “nós”.
Após processar previamente todo o conjunto de clones destinados à colheita e ao abastecimento da fábrica, nosso simulador faz a predição do comportamento da planta industrial e do melhor mix de clones para que o produto destinado a um determinado cliente atinja as especificações por ele exigidas. Não são mais simples árvores. Não processamos qualquer árvore. Cada clone carrega incontável tecnologia embarcada na forma de anos de pesquisa e de desenvolvimento, agrega a contribuição de um sem número de especialistas, o trabalho de milhares.
Sua estrutura e seu rearranjo interno representam um agregado de diferentes espécies com as características desejadas no processo industrial. Os aglomerados florestais se fazem por destino industrial. A colheita obdece ao produto final, à idade e às faixas de precipitação. O transporte opera pelo teor de umidade e a idade de corte. A madeira para celulose solúvel não deve permanecer estocada por longos períodos. As toras devem chegar aos digestores isentas de impurezas, quase assépticas.
Um processo quase just in time, facilitado pelas inúmeras tecnologias disponíveis. Tudo isso ocorre em forma mais ou menos similar, respeitando-se as características de cada tipo de negócio, pelas demais empresas de base florestal. Os gestores precisam ser organizadores, integradores de diferentes sistemas tecnológicos, para evitar áreas de atrito, de sobreposição, de confronto, e, assim, a empresa tirar o máximo de cada tecnologia disponível. Com o acirramento da competividade, a tendência é a aceleração da entrada de tecnologias facilitadoras, mas o cuidado maior será sempre com a dosagem.
Em uma empresa florestal, o fim será sempre as árvores e a tecnologia, ou os sistemas tecnológicos serão sempre ferramentas, embora o fascínio pelas novas tecnologias chegue a embaçar os olhos de muitos sobre isso. Só que uma coisa é comprar um equipamento pessoal por modismo e aposentá-lo quase sem uso, e outra é trazer para dentro de uma empresa sistemas e equipamentos caríssimos para ficarem sub ou mal utilizados.
No campo, as empresas precisam de profissionais para interpretar e calibrar corretamente essas novas tecnologias para o seu uso no dia a dia. Para um profissional mal preparado, um mapa gerado por um drone sobre um surto de pragas pode parecer um quadro impressionista, mas, com certeza, a empresa ficará muito mais impressionada com os prejuízos causados. Logo ele estará em casa, desempregado e empinando pipa em vez de drones.
Nossos profissionais devem estar não só atualizados com as novas tecnologias, mas devem deitar raízes profundas no interior das florestas, conhecer intimamente o comportamento e as necessidades das árvores, bem como suas interações. Eles devem estar aptos a realizar essa tradução do biológico para o digital. As explicações mais variadas (às vezes, fantásticas) para a queda do IMA (Incremento Médio Anual) vão desde o aquecimento global, os surtos de pragas exóticas, até o distúrbio fisiológico, mas pouco se tem falado sobre o afastamento dos profissionais do interior das florestas.
Dispomos de um arsenal de novas tecnologias, que aumenta a cada dia, para enfrentar esses problemas e quantos mais aparecerem, porém, armados até os dentes, procuramos refúgio no ar condicionado, longe da área de combate. Vá lá, breve as árvores estarão dotadas de sensores, como as roupas e os calçados inteligentes que leem o nosso corpo. Nos plantios clonais não será obrigatório vestir todas elas, apenas algumas, para nos confidenciarem suas carências e desconfortos nessa movimentada vida de árvores. Poderemos satisfazê-las apenas pressionando os nossos controles?
Os “resmungões” continuarão por perto, pois fazem parte do jogo. Assim não é com os celulares, os tablets, os notebooks, a internet e as redes sociais? As pessoas não estão tendo pouco contato físico? Os casais não estão juntos, mas continuam distantes? Não estamos caminhando para uma solidão digital? Coisa de momento, logo surgirão os “personal alguma coisa”, que ficarão milionários ensinando novamente as pessoas a se tocarem, a conversarem olho no olho, a terem filhos.
Até aparecer uma nova tecnologia e provocar outra ruptura. Enquanto o paraíso não chega, teremos muito que rastejar no litter, mas assistiremos à chegada de tecnologias cada vez mais amigáveis e fáceis de incorporar ao dia a dia. No meio florestal, serão os “personal trees” que nos reconectarão com a floresta. E, acredite, eles é que ficarão milionários.