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Eduardo Mário Mendiondo

Professor de Hidráulica da Escola de Engenharia de São Carlos-USP

Op-CP-28

"Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara." José Saramago, Ensaio sobre a cegueira.

Como avaliar quanto de água se necessita para o crescimento de uma floresta? Por um lado, contabilizando a água no ciclo de precipitação, seu armazenamento no solo, para posterior evapotranspiração. Por outro, os recursos hídricos dos rios, lagos e aquíferos. No primeiro caso, atribui-se a convenção de "água verde"; no segundo, de "água azul".

Como a floresta se beneficia de ambos, podemos somar esses dois grupos. Mas, se, para enxergar melhor, tornamos essa avaliação um processo que deixa uma única opção de cálculo? Por exemplo, o próprio manejo da floresta produz remoção de sedimentos e de nutrientes do solo que alcançam os rios.

Para diluir essa quantidade de cargas poluidoras, necessitam-se quantidades extras de água. É apropriado somar essa água de diluição, essa "água cinza", àquelas águas para o crescimento da floresta?

Podemos adotar formas de avaliar demandas de água como um todo? Se a resposta for não, então não tem sentido fazer um balanço de cargas poluidoras em áreas onde há negócios florestais. Mas, se a resposta for sim, como aceitar que essas "demandas coloridas" sejam somadas para que esse balanço seja simplificado?

Eis um conceito que trata da essência do ciclo hidrológico. A pegada hídrica atende a esses critérios de somar essas "cores". Mas somá-las não responde a outra questão: como avaliar a sustentabilidade das demandas e como ter medidas de compensação a esses impactos?

A pegada hídrica se analisa tanto  sob a ótica do produtor como a do consumidor. Seu cálculo, como soma “verde-azul-cinza”, é indicador de vulnerabilidade relativa. Sua comparação com a disponibilidade de recursos hídricos locais indica impactos com medidas de adaptação e compensação. Só o cálculo da pegada hídrica não resolve o problema.

Precisamos entender os riscos dos ciclos e a resiliência aos consumos para um bom manejo ambiental e para dar solvência dos projetos. Do lado do produtor, necessitamos entender que a pegada hídrica contribui com um novo olhar. E, a partir desse novo olhar, entender melhor o ciclo hidrológico e os ciclos associados, inclusive do homem e sua relação com a floresta.

Uma parte desse problema é definir a escala de estudo. No Brasil, e por lei, a unidade de planejamento e gestão territorial é a bacia hidrográfica. Desde 1991, isso é parte do arcabouço legal do estado de São Paulo, e, desde 1997, em todo o território nacional. Um fator crucial para o cálculo de pegada hídrica é ter um monitoramento detalhado e sistemático desses balanços.

Para isso, é preciso ter um cadastro coerente de usuários e entender melhor o instrumento de outorga de recursos hídricos. O outro fator é determinar como cada componente hidrológica e cada elemento físico-químico tem facilidade de ser produzido na bacia, transportado e exportado dela.

Pesquisadores do IPEF, ESALQ e EESC/USP estão verificando como a relação entre precipitação e escoamento afeta a quantidade de elementos químicos que a bacia armazena e exporta. Traduzindo: como a componente de "água cinza" pode ser regulada, se for realizado um apropriado manejo da floresta, e, por consequência, da “água verde” e “água azul.”

Isso é valorizar os serviços ambientais da floresta. Eles se incorporam ao processo de assimilação de água e de nutrientes no solo até a sua transpiração e perda para a atmosfera. Mas as captações de água, os consumos específicos e os lançamentos de efluentes contam nessa equação. E são alvo da política de cobrança pelo uso dos recursos hídricos na bacia.

Então, para cobrar, é preciso entender os limites desses balanços, hídrico e de nutrientes. No estado de São Paulo, cada Unidade de Gerenciamento de Recursos Hídricos (UGRHIs) tem o plano de bacia que permite avaliar as áreas prioritárias para projetos de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA-Água).

Um outro exemplo é o Programa Produtor de Água para o Território Nacional. Ele incentiva o produtor rural a conservar e a recuperar as matas ciliares, que ajudam a conter a erosão dos solos e diminuem os sedimentos que chegam aos rios.

Isso equivale a diminuir a “água cinza” que seria necessária para diluir essa erosão. Para o novo Código Florestal, esses conceitos melhoram o diálogo entre usuários de uma bacia e os órgãos licenciadores.

Uma área promissora para a pegada hídrica é não somente associar sua avaliação de sustentabilidade à eficiência de projetos MDL e Certificação Ambiental, com fundos de seguros frente a mudanças climáticas, a regulamentar a partir da Política Nacional de Mudança do Clima (Lei 12.187), como também verificar a conformidade quanto à norma ISO 14046, que avalia ciclos de vida de atividades industriais com base na pegada hídrica. Na analogia de José Saramago, corroborar a sustentabilidade da pegada hídrica é aceitar que precisamos olhar melhor para as demandas hídricas e, quando queremos, ver e entender o balanço hídrico. E quando, de fato, é urgente reparar em nossas bacias hidrográficas.