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Roosevelt de Paula Almado

CEO da Ferrinho Consultoria em Inovabilidade

OpCP82

Redefinindo ideótipos e estratégias genéticas para a silvicultura de alta resiliência
Reconhecido mundialmente pelos avanços na genética e no manejo de plantações comerciais, com consequente referência em altas produtividades volumétricas, o setor florestal brasileiro defronta-se agora com um desafio de grande magnitude: como manter e, na evolução natural dos programas de melhoramento, aumentar a produtividade diante da instabilidade climática?
 
É inegável que vivemos uma emergência climática. A análise de séries históricas de 30 anos em três regiões representativas da silvicultura em Minas Gerais revela uma tendência clara: redução consistente da precipitação anual e elevação das temperaturas médias, resultando em um aumento severo do déficit hídrico.

Em estudos aprofundados com dados reais de inventário florestal, especificamente nas regiões Centro-Oeste e Norte de Minas Gerais, aplicou-se o ISNA (Índice de Satisfação de Necessidade de Água), principal indicador de riscos hídricos do Zoneamento Agrícola de Risco Climático (ZARC/MAPA), em conjunto com modelagens fisiológicas baseadas no 3-PG (Physiological Principles in Prediction Growth). Os resultados demonstram uma correlação direta e penalizadora entre a escassez hídrica e a perda de produtividade.

A tabela sobre a Sensibilidade Climática ilustra o impacto real na produtividade, quantificando a perda de Incremento Médio Anual (IMA) para cada 100 milímetros de redução na chuva: os dados evidenciam que a deficiência hídrica se consolidou como o principal fator de risco para a produção de eucalipto no Brasil, exigindo uma resposta imediata baseada em dois pilares: adaptação e mitigação.

A expansão da fronteira florestal para áreas de maior temperatura, solos arenosos e menor disponibilidade hídrica expôs a fragilidade dos materiais genéticos convencionais. A base clonal predominante, selecionada historicamente para ambientes de menor estresse, não tem suportado a pressão das novas condições edafoclimáticas.

A fotografia mostra um teste clonal com 36 meses de um clone com base genética convencional morto (clone de Urograndis) e  um clone de Corymbia torelliodora vivo.
 
Em uma apresentação que fiz em uma das versões do Florestas Uai, destaquei dois dados emblemáticos que demonstraram que a nossa base genética comercial é extremamente restrita e que a produtividade florestal aponta para uma tendência de queda.
 
Conforme a distribuição apresentada, dos clones plantados no Estado de Minas Gerais, 21% do total é do híbrido espontâneo de E. urophylla (AEC-I144) selecionado em uma APS da antiga Acesita Energética, hoje Aperam na década de 1970.

O gráfico apresenta a evolução da produtividade média no Estado de Minas Gerais mostrando a tendência de redução, muito em função das questões climáticas aliadas a ataques oportunistas de pragas, tais como o psilideo-de-concha.
 
Levantamentos recentes em programas de melhoramento de 23 empresas do setor, realizados pela AssisTech comandada pelo geneticista florestal Teotonio de Assis, corroboram essa vulnerabilidade. 

De um universo de 259 clones retirados de produção nos últimos anos, 137 clones (aproximadamente 53%) foram descartados exclusivamente devido a fatores abióticos e 122 (aproximadamente 47%) por razões bióticos. Este alto índice de descarte revela que quase metade do esforço de melhoramento é perdido porque os genótipos, embora produtivos em condições ideais, colapsam sob estresse térmico e hídrico.

Existem atualmente na região Sudeste do Brasil cerca de 23 viveiros: 11 dos quais no estado de Minas Gerais, 2 no estado do Espírito Santo e 10 no estado de São Paulo. Juntos, eles produzem em torno de 190 milhões de mudas por ano. 

Na pesquisa realizada, dos 11 viveiros situados em Minas Gerais, 8 responderam às informações solicitadas demonstrando que atualmente são produzidos 15 diferentes clones comerciais, sendo que o AEC I-144 ainda é o clone mais produzido, portanto, em termos de perspectivas futuras, entendemos que ainda teremos vários ciclos com a mesma base genética. 

Minas Gerais é o estado mais estruturado para poder fornecer novos clones para o mercado. O portfólio de clones é maior em Minas Gerais do que em todos os outros estados.

As empresas estão com bons programas de melhoramento e materiais para serem lançados, mas ainda em fase de plantio piloto. Para reverter este cenário, a genética deve priorizar a rusticidade. A insistência em híbridos puros de Eucalyptus grandis x E. urophylla em zonas de alto déficit de pressão de vapor (DPV) mostra-se insustentável.

A estratégia deve focar na introgressão de genes de espécies adaptadas a zonas áridas, resgatando o potencial da seção Exsertaria (como E. camaldulensis, E. brassiana e E. tereticornis) e explorando o gênero Corymbia e seus híbridos. 

Estes materiais oferecem mecanismos fisiológicos superiores de controle estomático e resistência à cavitação, essenciais para garantir a sobrevivência e a estabilidade produtiva onde o urograndis tradicional falha.

A esta estratégia complementam-se outras tais como: a Fenotipagem de Alto Rendimento: para selecionar clones com melhor eficiência no uso da água; o Uso de Isótopos Estáveis para garantir que a tolerância à seca não seja apenas por "fechamento de estômatos" que para o crescimento, mas por eficiência intrínseca; seleção genômica ampla para caracteres fisiológicos de forma a permitir a seleção de genótipos resilientes ainda na fase de plântula, acelerando o ciclo de melhoramento; e, por fim, o teste de interação genótipo versus microbioma: para investigar se determinados clones respondem melhor à inoculação biológica do que outros.

Com relação a este último, é mister que a genética caminhe em conjunto com novas formas de manejo. A adaptação às mudanças climáticas exige uma visão holística, onde a planta é tratada como um "holobionte" (hospedeiro + microbiota).

A inoculação com microrganismos benéficos surge como uma ferramenta tecnológica vital para induzir tolerância a estresses ambientais:
• atenuação do estresse hídrico: O uso de bactérias promotoras de crescimento, como Pseudomonas sp., capazes de produzir a enzima ACC desaminase, reduz os níveis de etileno na planta, mitigando a senescência precoce causada pela seca.
• osmorregulação: A inoculação com cepas específicas de Bacillus subtilis estimula a produção de osmólitos e o desenvolvimento do sistema radicular, permitindo maior exploração do perfil do solo.
• eficiência nutricional: O uso de Azospirillum brasilense tem demonstrado eficácia no aumento da densidade de pelos radiculares, fundamental para a absorção de água em solos com menor retenção.

Os dados de redução de IMA apresentados na tabela de Sensibilidade Climática são um alerta claro: o ambiente produtivo mudou mais rápido do que a nossa base genética. 

A sustentabilidade do setor florestal brasileiro depende agora da nossa capacidade de integrar dados climáticos robustos a modelos ecofisiológicos (ISNA/3PG) com uma nova geração de materiais genéticos rústicos e um manejo biológico avançado. 

Apenas através dessa convergência tecnológica será possível transformar o risco da emergência climática em uma nova fronteira de eficiência e adaptação.

Em suma, a sustentabilidade da silvicultura frente à emergência climática exige a superação de gargalos estruturais que transcendem a biologia básica. O setor enfrenta a necessidade crítica de garantir e ampliar as fronteiras de adaptação para novas regiões de estresse hídrico, ao mesmo tempo em que é imperativo reduzir os ciclos de melhoramento e aumentar a eficiência da clonagem. A escassez de melhoristas qualificados agrava este cenário, exigindo que a inovação tecnológica e o "foco no negócio" sejam os vetores para não apenas mitigar perdas produtivas, mas assegurar a perenidade dos ativos florestais em um futuro de incertezas climáticas.