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Roberto Isao Kishinami

Diretor Geral da NRG Consultoria em Energia e Meio Ambiente

Op-CP-16

A recuperação de áreas degradadas pode gerar 20 mil MW

Nessa primeira metade do século XXI, os países que concentram as maiores economias do planeta deverão realizar a mais profunda mudança na matriz energética da humanidade desde a Revolução Industrial. Naquela grande transformação, iniciada na Inglaterra por volta de 1750, a queima do carvão mineral em máquinas a vapor permitiu a produção em escala industrial de bens até então fabricados artesanalmente, como têxteis, cerâmica e papel.

Ao largo dos séculos seguintes, o consumo per capita de energia na Europa multiplicou-se por cem, pelo uso em larga escala de um único combustível fóssil, transformando as sociedades, que, até então, estavam limitadas ao consumo de lenha e ao uso da tração animal. Nos primórdios do século XX, os combustíveis líquidos derivados do petróleo empurraram definitivamente a sociedade à espiral de desperdício e consumo de recursos naturais, ao ponto em que, hoje, são necessários quase dois planetas para dar conta das nossas demandas por água, ar, recursos marinhos, florestas e solo fértil.

O significado de meio ambiente também mudou ao longo desse trajeto. No início da era industrial, o planeta mantinha quase intacta sua capacidade de reciclar nossas emissões. O meio ambiente era identificado à natureza, resultado de obra divina, em que a atividade humana não se compara à dos ciclos naturais e tampouco à força das estações do ano e das variações do tempo e do clima.

Hoje, a situação é algo diferente. O acúmulo na atmosfera dos gases de efeito estufa – CO2, majoritariamente, resultantes da atividade humana, já é suficiente para alterar o clima do planeta, por um aumento significativo do efeito estufa. Por volta de 1850, a concentração média de CO2 na baixa atmosfera do planeta era de 280 ppm, ou, aproximadamente, 0,03%, contra uma concentração verificada em 2008 de 380 ppm, ou 0,04%.

Esses 30% de acúmulo de CO2 representam o excedente que os sistemas naturais - oceanos, principalmente, e, em menor medida, as florestas - não são capazes de processar. O resultado é uma mudança de longo prazo no clima global, com consequências catastróficas para a espécie humana. Em tal situação de crise ambiental, o significado de meio ambiente não pode ser outro que não o de fator de limitação ao aumento de determinadas atividades humanas.

Todo esforço expresso na Convenção Clima e o seu Protocolo de Kyoto representam ainda os ensaios iniciais para a mudança necessária, pois o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas - IPCC, estima que será necessário reduzir em 60% as emissões de gases de efeito estufa até 2050, para que a mudança do clima não atinja níveis perigosos ao final do presente século.

Nessa crise, abrem-se muitas oportunidades. Como exemplo, as florestas energéticas são uma boa oportunidade para combinar a geração de energia com a remoção de carbono da atmosfera. Cada mil hectares de área desmatada, plantados com eucalipto e manejados para a produção contínua de energia, removem permanentemente mais de 100 mil ton de carbono da atmosfera, ao mesmo tempo que fornecem em torno de um megawatt firme de energia cogerada, dos quais 40% são eletricidade, e o restante, calor.

O manejo florestal utilizaria anualmente, nesse caso, um sétimo da área total reflorestada. A tecnologia necessária é disponível e permite aperfeiçoamentos e inovações a partir de investimentos acessíveis à economia brasileira. O Brasil possui imensas áreas hoje desmatadas que, nessa transição para uma nova matriz energética mundial, deverão ser aproveitadas para a produção de energia a partir da biomassa. Cerca de 20% dos quase 220 milhões de hectares de pastagens estão degradados.

Só a recuperação de áreas degradadas com reflorestamento para manejo energético geraria quase 20 mil MW assegurados em eletricidade, distribuídos ao longo de diferentes biomas brasileiros.
Além da produção de biomassa para cogeração de eletricidade e calor, essas mesmas áreas já desmatadas permitem o aumento da produção de biocombustíveis – etanol e biodiesel, numa escala dificilmente encontrada em outros países.

Obviamente, essa disponibilização de áreas de pastagem exige o aumento da produtividade na pecuária brasileira, hoje empacada no pobre índice de uma cabeça de gado por hectare. Mas esse aumento de produtividade irá ocorrer por diferentes fatores, inclusive pelo fato de a pecuária brasileira representar o primeiro maior emissor direto de gases de efeito estufa, depois do desmatamento da Amazônia.


Se considerado ainda que a maior parte das áreas desmatadas na Amazônia é pasto, a criação de gado é, sozinha, a maior emissora de gases de efeito estufa no Brasil e, como atividade em si, no mundo. Mas é hora de começar a mudar isso. As florestas energéticas são uma alternativa para a utilização racional dessas áreas, com produção de energia e remoção de carbono da atmosfera. Uma base para a construção da economia com baixo carbono.