Referência para o mundo, o setor brasileiro de árvores cultivadas carrega uma herança que começou com visões inovadoras de homens e mulheres que, no início do século passado, criaram uma base para o setor, como Maurício Klabin, Max Feffer e Erling Lorentzen. Se hoje a bioeconomia se fortalece no País, muito se deve a eles. O DNA de sustentabilidade, atuação social e inovação tem base em pessoas espetaculares como essas.
São os fundadores do setor e parte do impulsionamento que fizeram essa agroindústria habilitada a atender às demandas de milhões de pessoas em todo o planeta, em diversos produtos essenciais, renováveis e verdes. Produtos que estão no dia a dia de todos, como livros, pisos, papéis higiênicos e embalagens móveis. Das árvores cultivadas, também são tecidos de viscose, desinfetantes, colas, aromatizantes, espessantes, solventes, vernizes, etc.
E, quando uma dessas pessoas nos deixa, é preciso dividir um pouco dessa história com todos. Portanto, para homenagear e contar um pouco para as novas gerações, precisamos falar sobre o mais brasileiro dos vikings, o Sr. Lorentzen, que nos deixou em março. Nascido em 28 de janeiro de 1923, em Oslo, teve uma história memorável, seja por sua trajetória como herói da Segunda Guerra Mundial; por seu casamento com a princesa Ragnhild da Noruega, com quem teve três filhos, Haakon, Ingeborg e Ragnhild; ou por seu empreendedorismo no Brasil. Chegou ao País por causa dos negócios da família.
Foi fundador e presidente da Aracruz Celulose, cujo projeto foi concebido para exportação de cavaco, mas ganhou corpo e evoluiu para uma indústria local de processamento de celulose. Não se intimidou com as desconfianças e incertezas da época, mas insistiu em levantar, no Espírito Santo, a maior fábrica de celulose, com 400 mil toneladas por ano — muito para a época —, tornando-se, ao longo de anos, uma gigante de mais de 3 milhões de toneladas.
A influência do Sr. Lorentzen mudou o paradigma de um país exportador de commodities sem valor agregado e sem industrialização, além de ter inovado no entendimento de que o valor precisa ser compartilhado com a comunidade e com o meio ambiente. A Aracruz Celulose foi listada na Bolsa de Valores de Nova York — inicialmente, era a única empresa florestal do mundo a participar do Índice Dow Jones de Sustentabilidade. Em seus pensamentos, rondava a palavra inovação, e muitos do desenvolvimento de novos produtos do segmento foram fomentados por essa fagulha provocadora, como pesquisas com nanocelulose e lignina.
O Sr. Lorentzen, junto a Eliezer Batista, criou o Business Council for Sustainable Development (atual WBCSD), que lançou o livro Change Course na Conferência do Rio em 1992. Esse foi o estopim para nascer o estudo Sustainable Paper Cycle, feito de forma independente pelo IIED (International Institute for Enviroment and Development). Na sequência, houve a criação do Forest Solutions Group, que reuniu empresas florestais do mundo, e o Forest Dialogue (TFD), grupo de diálogo entre organizações florestais e ONGs.
Para o Brasil, a dupla também foi responsável pela formação do Conselho Empresarial de Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), e, apesar de sua participação não ter sido direta, o TFD foi um modelo para a criação do Diálogo Florestal e da Coalizão Brasil Clima Agricultura e Florestas, segundo Carlos Roxo.
Carlos Aguiar, que trabalhou de perto com o Sr. Lorentzen, foi presidente da Aracruz e da Fibria e participou da criação da Indústria Brasileira de Árvores (Ibá), a visão estratégica que ele tinha chamava a atenção. Ele se voltou à inovação e foi capaz de transpor uma cultura que trouxesse novos mecanismos e tecnologias a partir das árvores cultivadas.
Em um comunicado divulgado por seu filho, Haakon Lorentzen, fazer diferença em um Brasil tão carente era um dos objetivos do seu pai. “Media seu desempenho não por parâmetros meramente financeiros, mas sim pela quantidade de empregos de qualidade criados e pelo impacto no desenvolvimento econômico para a sociedade em geral”.
A visão do empreendedor transformou valores e norteou muitas ações conhecidas hoje no setor. Embora não existisse uma legislação ambiental brasileira específica para a atividade à época, o Sr. Lorentzen trouxe o que havia de mais moderno com relação a padrões ambientais utilizados nos Estados Unidos, Canadá, Suécia e Noruega. A realização levou o setor voluntariamente para o caminho das certificações pelos principais sistemas internacionais e, comprovadamente, adota práticas de manejo sustentáveis.
O setor florestal nacional abraçou o eucalipto e o tornou um protagonista no cultivo e na produção de matéria-prima a partir da espécie. Essa ação bem-sucedida teve o apoio do Sr. Lorentzen, o qual incentivou que engenheiros brasileiros fossem estudar no exterior, com o objetivo aprofundar conhecimento e voltassem ao Brasil com as melhores práticas para fibras de eucalipto. Não à toa, a nação brasileira é a maior exportadora de celulose do mundo.
Rico, velejador, simples, amava a marcenaria e o clichê, “um homem à frente de seu tempo” representava-o muito bem. Sempre morou no mesmo apartamento no Rio de Janeiro e passava muito tempo no interior do Espírito Santo, em sua casa em Pedra Azul. Além de sua contribuição ao estado por ter construído a pioneira em celulose – algo que provou seu amor pelo povo capixaba –, também revelou a moradia em Pedra Azul, seu refúgio favorito.
O Sr. Lorentzen faria um bom trabalho, como sempre fez, se estivesse no comando de qualquer companhia hoje. O líder se foi, mas seus aprendizados, exemplos e atitudes permanecem firmes e fortes. Em uma entrevista à Harvard Business School, resumiu sua fala: “Há um ditado que diz que ‘nada é impossível. Só que o impossível leva um pouco mais de tempo para ser feito’. Eu acho que é muito importante se convencer do que você está fazendo e não desistir sob nenhuma circunstância, porque, no meio do caminho, você vai enfrentar centenas de dificuldades. Tanta coisa pode acontecer no meio do caminho…
O sucesso é uma questão de persistência”.
Uma mente brilhante e inspiradora como exemplo a todos nós.