Uma das minhas primeiras experiências de trabalho, lá nos idos de 1986, foi trabalhar contratado pela Jaako Poyry como tradutor-guia para um grupo de indonésios em visita à Ripasa. Aquele trabalho foi um marco na minha vida. Pela primeira vez, trabalhei para uma grande empresa. Meus contratantes, Valentin Suchek e Walter Jacob, eram ícones florestais dos meus tempos de faculdade, pois estavam em todos os eventos técnicos falando de futuro e economia.
A Ripasa era um poço de talentos. Na direção, o Nelson Barbosa Leite, com seus dois gerentes, de silvicultura, o Edson Balloni, e de colheita, o Lineu Waduski. Os engenheiros mais operacionais eram o José Luiz Stape, começando sua carreira na silvicultura, e o José Zani Filho, um mago do viveiro florestal.
Até hoje, lembro de coisas que aprendi, e uma delas tem tudo a ver com este artigo. O Lineu, conversando comigo, falou que sempre tentavam melhorar os processos no seu dia a dia, mas alguns processos tinham que ser totalmente repensados, começar do zero e fazer tudo diferente. Se bem me lembro, falava de modificar espaçamentos de plantio e da forma de fazer estradas florestais, pensando não no plantio, mas na colheita. Lineu era um cara com um olho no futuro, já havia visto máquinas finlandesas e suecas substituindo motosserras e caminhões.
Naquela época, não sabia que ele simplesmente falava de conceitos de inovação incremental, melhorando tecnologias e processos existentes, e de inovação disruptiva, aquela que chega como quem não quer nada e toma o lugar das práticas antigas. Só conheci o conceito anos depois, já trabalhando para a Embrapa.
Hoje, inovação é uma palavra na boca de todos, basta ligar a televisão, ir a um evento ou olhar uma mídia social. Para alguns, inovar é comprar uma máquina nova da China, para outros é desenvolver um programa para celular, mudar a forma de vender táxis e alugar imóveis. E, como todos estão certos, começam a aparecer adjetivos para qualificá-la: os já citados, social, organizacional, mercadológica e assim por diante, cada uma com seu conceito e área de aplicação.
Para mim, a inovação é uma mudança positiva, sempre ligada à solução de problemas e, consequentemente, à abertura de oportunidades. Sempre, o mais importante é resolver um problema, não promover inovação. Temos que trabalhar para resolver problemas específicos para pessoas específicas e, se tivermos sucesso, vamos estar, automaticamente, sendo respeitados e chamados de inovadores.
No setor florestal, vimos várias inovações que resolveram grandes problemas e abriram horizontes: a entrada da silvicultura clonal em eucalipto, os programas cooperativos de controle de pragas (como o da sirex, ou do percevejo-bronzeado), a entrada da fibra curta em produtos típicos de fibra longa, a valorização de trabalhadores rurais, o processo de certificação, a organização profissional de representações nos estados e no País, entre outras.
Olhando para o futuro, na óptica de buscarmos soluções para problemas, eu apostaria minhas fichas em algumas inovações:
• Com relação às florestas plantadas, especialmente em setores menos estruturados do que papel e celulose, não se tem um panorama preciso de onde estão e em que estado estão nossas florestas. E onde estão os consumidores para as florestas? Quais suas demandas de qualidade? Anos e anos sem mapear e tabular informações fizeram com que certas regiões falem em apagão florestal por falta de matéria-prima, outras reclamem de terem florestas sem indústrias para processá-las. A grande inovação que poderíamos atingir é ter um sistema nacional de informações com dados fidedignos coletados em escalas apropriadas e com certa regularidade. Primeiro, ele daria a real dimensão do setor florestal. Segundo, permitiria planejamento público e privado, com incentivos cirurgicamente distribuídos, tanto para plantadores como para indústrias. O Plano Nacional de Florestas Plantadas e a Câmara Setorial de Florestas Plantadas também apontam para a necessidade desse trabalho.
• Temos 12 milhões de hectares a reflorestar, segundo nossa Contribuição Determinada para o Acordo de Paris. Talvez 3 ou 4 milhões de hectares sejam plantados pela indústria florestal tradicional, mas ainda teremos, pelo menos, 8 milhões de hectares dissociados da indústria, localizados em Áreas de Preservação Permanente (APP) e Reserva Legal. Se eu fosse recuperar uma APP, pensaria em simplesmente isolá-la e abandoná-la à própria sorte, deixando o tempo fazer seu trabalho. Em alguns casos, plantando algumas árvores para promover regeneração. As APPs são intangíveis e não dão retorno econômico, é difícil investir em uma restauração mais cara. Já as reservas legais podem ser usadas e gerar não só serviços ambientais como também renda. E é aqui que precisamos de duas inovações: o desenvolvimento de sistemas silviculturais multiespecíficos, biodiversos, mas rentáveis, no curto, médio e longo prazos; e a mais difícil, alinhar a visão de produtores, de órgãos ambientais e de ONGs, para que produtores possam plantar e colher com segurança jurídica, sem controles excessivos e impeditivos.
• Temos muitas florestas na Amazônia e na caatinga, sempre ameaçadas de corte e substituição por áreas de pecuária e agricultura. A floresta em pé, intocada, não é sustentável, pois não gera dinheiro suficiente para agricultores. Esse problema poderia ser resolvido se a sociedade remunerasse a floresta em pé, com o pagamento de serviços ambientais. Em larga escala, seria uma grande inovação, mas de onde vem o dinheiro? Várias experiências nesse sentido não conseguiram ganhar escala e ganhar caráter, pelo menos regional. O manejo florestal sustentável, implantado de maneira técnica e em larga escala talvez seja a inovação mais factível do ponto de vista financeiro para a conservação desses biomas. Para que ocorra, o Estado deveria aumentar a área de concessões, oferecer subsídios para concessionários na forma de inventários e assistência técnica, simplificar procedimentos, garantir o escoamento de produtos da floresta e combater ferozmente a ilegalidade de desmatamentos e de comercialização de madeira ilegal, barata. Tomara que o Serviço Florestal Brasileiro avance nessa área e que o Ibama seja estruturado para fiscalizar efetivamente a legalidade e a ilegalidade de desmatamentos.
• Com florestas plantadas, somos líderes mundiais em crescimento. Nossas áreas florestais naturais são passíveis de manejo e de produção de madeira com diferentes características. No entanto produzimos muito pouca madeira para construção. O eucalipto, campeão de crescimento, nunca decolou como madeira serrada. O pínus é mais usado, mas tem seus problemas tecnológicos para pleno uso na construção civil. Uma vez visitei um assentamento no Amapá, com uma área derrubada enorme, queimada, com toras espalhadas pelo campo.
A madeira lá, disponível, e tijolos chegando em barquinhos pelo rio, vindos de Belém do Pará, para construir casas. Tudo financiado pelo INCRA. Precisamos trabalhar em um ambiente propício para a fabricação de casas de madeira, casas mistas, com molduras estruturais, com tábuas como nossas casas polacas ou em outros sistemas construtivos, usando o poder de compra e de direcionamento do setor público. A madeira tem que se tornar competitiva frente a outros materiais, e isso só vai acontecer com a oferta de toras de qualidade para indústrias, com a diminuição de perdas industriais e com muita agregação de valor aos resíduos gerados.
Hoje, com raras exceções, onde há integrações com fábricas de papel ou de chapas, os resíduos de serrarias e laminadoras são usados apenas para gerar calor, muitas vezes em sistemas de baixa eficiência. Com isso, a agregação de valor a esses resíduos florestais, começando com geração distribuída e, depois, seguindo para a obtenção de novos materiais e químicos, também é uma inovação a ser seguida.