Em qualquer lugar do mundo, a evolução do setor agropecuário leva, inevitavelmente, a mudanças no uso da terra. A quantidade, a qualidade e a velocidade dessa mudança, todavia, são variáveis. Além disso, esses fatores podem ter consequências positivas ou negativas, dependendo da conjuntura socioeconômica da região e de sua orientação para o desenvolvimento sustentável. Atualmente, nos países em desenvolvimento, como o Brasil, tem sido enfatizada a sustentabilidade do setor agrícola, embora o crescimento ordenado ainda seja um desafio, especialmente devido às grandes dimensões do País.
A região Centro-Norte é onde, atualmente, ocorrem as maiores mudanças no uso da terra no Brasil. Nesse contexto, o estado do Mato Grosso do Sul pode ser considerado um bom “termômetro” de como essas mudanças tendem a ocorrer. A pecuária de corte extensiva é uma das principais atividades econômicas do estado. Devido, especialmente, à sua proximidade com as regiões Sudeste e Sul, onde estão os maiores centros consumidores e pontos de exportação, outras atividades do agronegócio têm se expandido no Mato Grosso do Sul, influenciando sobremaneira os preços da terra e levando, consequentemente, a alterações em seu uso e ocupação.
As atividades tradicionais no estado têm mostrado sinais de ajustes às diferentes aptidões de cada região, conforme os recursos disponíveis, especialmente relacionados com solos e clima. Naturalmente, a cadeia da pecuária de corte como um todo e os estabelecimentos rurais, individualmente, são levados a promover as respectivas alterações em seus sistemas produtivos para continuarem competitivos.
Para se analisar com mais detalhes essa dinâmica no uso da terra que se percebe no Mato Grosso do Sul e que pode, futuramente, se repetir em outras regiões do País e até de outras partes do globo com condições similares, foi realizado estudo considerando as microrregiões geográficas do estado, com as mudanças de uso da terra ocorridas nas mesmas entre 2010 e 2014. Foram utilizados dados do Sistema de Informações Geográficas do Agronegócio de Mato Grosso do Sul - Siga/MS, organizado pela Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso do Sul - Aprosoja/MS e Sistema Famasul.
O gráfico da página seguinte, que agrega as principais atividades agrícolas existentes na região, evidencia que o crescimento da produção de grãos, cana-de-açúcar e florestas comerciais, essencialmente de eucaliptos, ocorreu sobre áreas de pastagens. Com um aumento de quase um milhão de hectares, a área total com cultivos passou de 2,77 para 3,74 milhões de ha entre 2010 e 2014. Já a área de pastagens, que cobria 61% da área do estado em 2010, baixou de 21,82 para 20,03 milhões de ha no período. O setor florestal teve um crescimento de 106%. Ao mesmo tempo, nota-se um outro aspecto muito interessante do ponto de vista ambiental: a área total de remanescentes de vegetação nativa aumentou em mais de meio milhão de hectares.
O avanço dos cultivos ocorrido sobre áreas de pastagens levou à redução no total do rebanho de bovinos no Mato Grosso do Sul. Porém essa mudança ocorreu em graus variáveis, conforme a região do estado e sua aptidão agrícola. Ao se analisarem detalhadamente os dados do rebanho e volumes de abate, observou-se que, ao mesmo tempo em que houve uma redução constante no contingente de bovinos, o número de animais destinados ao abate aumentou nos últimos quatro anos.
Em números, enquanto o rebanho estadual teve uma redução de mais de um milhão de cabeças, o número de animais abatidos teve um aumento de mais de 60 mil cabeças. Esses números evidenciam a tendência de aumento na eficiência produtiva do rebanho bovino de corte do estado, especialmente relacionada com redução na idade de abate dos animais.
Isso ocorre, naturalmente, devido à necessidade de se otimizar o uso da terra. A análise detalhada dos dados permitiu também verificar que especialmente o setor florestal expandiu-se na região leste do estado, de solos menos férteis, tradicionalmente ocupados pela pecuária.
O rebanho nessa região, consequentemente, também sofreu reduções, porém elas não foram tão drásticas como nas regiões de solos mais férteis. E o mais importante, essas reduções de rebanho não ocorreram nas mesmas proporções de redução de áreas de pastagens, considerando-se a lotação animal média por hectare. Isso demonstra que o pecuarista está disposto a promover melhorias em seu sistema de produção para continuar na atividade. Esse é um aspecto muito importante da análise realizada, pois se percebe aí um grande potencial para expansão de sistemas de integração, não somente de pecuária-floresta, mas também de lavoura-pecuária-floresta.
Os sistemas de integração lavoura-pecuária têm, de certa forma, a facilidade de produzir duas commodities de simples comercialização, no caso, carne e grãos. Por outro lado, os sistemas que incorporam o componente florestal demandam muita atenção prévia para o aspecto da venda do produto florestal, especialmente para questões de logística de colheita e transporte até a unidade processadora.
Portanto as condições são mais favoráveis para o desenvolvimento de sistemas integrados nessas áreas onde já existe uma infraestrutura regional do setor florestal. Isso facilitaria tanto a implementação desses sistemas, como no caso de terceirização do plantio das árvores, quanto asseguraria a destinação ideal e a remuneração satisfatória de seus produtos. Tecnologias vêm sendo desenvolvidas e disponibilizadas especialmente para sistemas integrados de produção.
Da mesma forma, existe incentivo governamental com linhas de crédito específicas para isso. Portanto, em regiões com as características similares às do Mato Grosso do Sul, o diálogo e a parceria entre pecuaristas e produtores de grãos, mas especialmente com o setor florestal, poderá trazer resultados excelentes para todas as partes envolvidas. Dessa forma, será possível não apenas promover o desenvolvimento regional, mas, de fato, implementar sistemas de produção agroindustriais baseados na intensificação sustentável.