Para entender a influência do clima nas características da madeira, é essencial revisitar sua composição, formação e função dentro da árvore. Aqui, vamos considerar apenas as fibras e os vasos como células componentes da madeira em função da relevância para a árvore e a indústria.
As células da madeira são produzidas por um meristema chamado câmbio. A primeira etapa é a formação da lamela média, uma fina camada que separa e confere suporte às células e é composta essencialmente por polissacarídeos pécticos e lignina. Na sequência, as células são formadas: a parede primária e a secundária são depositadas. Ambas contêm polissacarídeos diversos, proteínas, lignina e microfibrilas de celulose que diferem entre as duas paredes no que concerne ao ângulo de deposição.
Outra variação possível é com relação à composição química da parede celular que lhes confere a especificidade ideal para a execução de suas funções. Após o depósito de todo material necessário à construção das paredes celulares, o citoplasma perde sua função dando lugar a um vazio que chamamos de lúmen. Como a parede em seu entorno foi lignificada, a célula não colapsa e possui um revestimento impermeável viabilizando seu uso, por exemplo, para armazenamento de substâncias químicas genericamente denominadas de extrativos.
Apesar de parecer simples, o processo de formação da madeira é excepcionalmente complexo. Um estudo recente mostrou que mais de 17 modelos de formação da madeira já foram propostos, tamanha sua complexidade. Temos certa segurança sobre o fato de que esse processo é dirigido pela expressão coordenada de numerosos genes estruturais e reguladores, mas muito pouco se sabe sobre os processos que estão subjacentes à formação da madeira. Dada a relevância da madeira para a indústria, é surpreendente ver que nossa compreensão sobre como a madeira se desenvolve e, consequentemente, como pode ser impactada pelo clima está longe de ser completa.
Inclusive, apenas recentemente conseguimos adaptar tecnologias para análise em larga escala da composição química da madeira, e a determinação da densidade básica da madeira em larga escala ainda é apenas um projeto para a maior parte das empresas do setor. Acrescente-se a isso uma carência de padronização de tais análises dificultando inclusive ações cooperativas como meio para aceleração do conhecimento. Enfim, os desafios para o entendimento do efeito do clima sobre a madeira começam pela dificuldade na aquisição de dados sobre a própria madeira.
Apesar dessa lacuna tecnológica, pesquisadores têm conseguido evidenciar em seus estudos o efeito do clima sobre as características da madeira. Um exemplo é o resultado de um estudo conduzido em um experimento com eucalipto simulando um déficit hídrico extremo, com exclusão induzida de 80% das águas pluviais.
Nesse caso, as árvores tiveram seu crescimento drasticamente reduzido, e, quando a madeira dessas árvores foi analisada, identificaram uma redução na densidade da madeira e uma forte alteração na proporção de fibras e vasos, além dos vasos terem sofrido uma redução no diâmetro em relação àqueles produzidos em árvores do tratamento controle. Quando o aporte hídrico natural foi restaurado, as árvores retomaram o crescimento de forma surpreendente: um crescimento três vezes superior ao das árvores que cresciam sem a limitação. Podemos pensar que em algum tempo elas atingiriam o mesmo volume das árvores controle.
Mas haveria uma recuperação da qualidade da madeira? Poderíamos deixá-las crescer a ponto de a nova madeira formada diluir o problema, mas ele permaneceria na madeira, como um registro da sua capacidade adaptativa corroborando para o aumento do problema de arrancamento que assombra o setor de papéis de alta qualidade para imprimir. Além disso, o padrão normal de formação da madeira poderia nunca ser retomado.
Essa situação retrata uma condição extrema cujos resultados foram similares a um estudo conduzido com uma conífera de rápido crescimento também utilizada como matéria-prima na indústria de papel na França: árvores que sofreram com eventos climáticos extremos tiveram seu crescimento e sua densidade reduzidos significativamente em relação às árvores que foram afetadas de forma mais branda pelo mesmo evento climático. A quase normalidade foi restabelecida após o evento, em níveis que variaram em função do clone. Experimentos simulando déficit hídrico mais brando no Brasil também mostraram um aumento na densidade básica.
Se considerarmos que a densidade básica é o somatório de características anatômicas e químicas da madeira, também seria esperado que esses componentes tivessem sido afetados. De fato, estudos mostram que há um aumento no teor de lignina em locais mais secos. Essa alteração parece coerente já que a lignina também é responsável por viabilizar o transporte de água ao tornar as paredes celulares impermeáveis, rígidas e flexíveis na proporção exata para que a célula resista à pressão da coluna d’água sem colapsar. A lignina também possui propriedades isolantes que protegem as células de flutuações extremas de temperatura, normalmente associadas a condições de déficit hídrico.
Considerando que em condições de clima desfavorável o teor de lignina aumenta, verifica-se uma redução na representatividade dos demais componentes, como os polissacarídeos. Entretanto, a redução desses polissacarídeos pode ocorrer em decorrência de um outro fator que ainda é pouco compreendido: o turnover de polissacarídeos parietais das células da madeira. Esse processo foi observado em plantas de linho que, sob estresse, teriam utilizado polissacarídeos parietais para sobrevivência. Esse turnover de polissacarídeos e de proteínas é comum no metabolismo das plantas, mas normalmente não envolvem os componentes estruturais de células de tecidos funcionais, como a madeira.
Por fim, apesar de não ser um componente estrutural e possuir composição química variável, os extrativos também têm seu teor aumentado diante de condições climáticas desfavoráveis. Esse aumento tem por objetivo proteger a madeira e a árvore. Mas tem consequências negativas para a fabricação de polpa celulósica e de papel, prejudicando a qualidade ou gerando uma demanda de aumento de consumo de insumos químicos em uma tentativa de mitigação de risco.
Mitigar riscos pensando no efeito do clima sobre a qualidade da principal matéria-prima do setor de papel e celulose é crucial, não há dúvidas. Alguns desafios ainda precisam ser superados, passando primeiramente pelo entendimento da madeira em cenários cotidianos antes mesmo de pensar como seria a reação da árvore face às mudanças climáticas, e, para isso, precisamos construir pontes sólidas para superar as barreiras tecnológicas e assim alcançar o resultado esperado na velocidade necessária.