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Walter de Paula Lima

Professor de Ciências Florestais da Esalq-USP

Op-CP-43

Hidrologia florestal no planejamento do manejo florestal
Aceitei o convite para escrever este artigo porque achei muito interessante o tema escolhido para esta edição da Revista Opiniões. De fato, é, sem dúvida, importante a preocupação para com o resgate da história, ou do desenvolvimento do conhecimento florestal, principalmente para não cometermos os erros do passado. E esse aspecto é particularmente importante na área de hidrologia florestal, que é a ciência que fornece a base teórica para o entendimento das relações entre a floresta e a água, embasada no conceito de manejo de bacias hidrográficas.
 
Em 1968, último ano do meu curso de Agronomia na Esalq, fui perguntado se teria interesse em estudar manejo de bacias hidrográficas, que seria uma das disciplinas do futuro Curso de Engenharia Florestal da Esalq, previsto para iniciar a primeira turma em 1972. Não pude responder de imediato, pois precisei de tempo para tentar descobrir o que seria esse tal de manejo de bacias hidrográficas. A única coisa concreta, então, era que tinha a ver com a água, mais precisamente, com a relação entre a floresta e o manejo florestal e a água.

Em dezembro de 1969, fui para os Estados Unidos fazer pós-graduação em manejo de bacias hidrográficas. Voltei em dezembro de 1971 e fui contratado pela Esalq em abril do ano seguinte, ainda em tempo de oferecer a disciplina Manejo de Bacias Hidrográficas aos alunos da primeira turma do Curso de  Engenharia Florestal da Esalq-USP. Conforme tive oportunidade de observar, já naquela época,  manejo de bacias hidrográficas era uma área temática bastante forte da ciência florestal, assim como era uma disciplina já bastante consolidada nos cursos de engenharia florestal em muitos países.

A base teórica da disciplina  trata das relações entre a floresta e a água na natureza. A aplicação prática dessa teoria, visando contribuir para a busca de práticas hidrologicamente sustentáveis de manejo florestal, é o que constitui o conceito mesmo de manejo de bacias hidrográficas. Assim, manejo de bacias hidrográficas não deve ser entendido apenas em sua conotação estática de conservação da natureza, ou de floresta de proteção de mananciais.

Ao contrário, e muito mais importante, implica algo mais dinâmico, pois seu objetivo principal é desenvolver estratégias de manejo florestal que atendem ao objetivo principal de produção florestal, mas que também se preocupam com a conservação da água. Ou seja, é um conceito fundamental para o manejo florestal, principalmente nos dias atuais, em que a chamada crise hídrica começa a se manifestar mais claramente. Mas, no nosso país, esses conceitos somente começaram a ganhar força a partir de meados da década de 1980.

Ou seja, a partir de seu início acadêmico em 1972, em termos de ensino e pesquisa, a hidrologia florestal e o manejo de bacias hidrográficas permaneceram como “perfumaria” por mais de 10 anos, não apenas na sala de aula, mas principalmente no setor florestal produtivo, assim como em termos de políticas públicas. Por outro lado, era preciso iniciar trabalhos de pesquisa nessa área, que são, por natureza, de campo e de longa duração, já que envolve a análise de dados hidrológicos, cuja variabilidade é muito grande, e da rotação florestal, que é de longo prazo.  

 
O método mais usado para esse tipo de estudo é a microbacia experimental, como unidade geomorfológica da paisagem, a qual permite a quantificação do balanço hídrico, que é o indicador mais adequado para a avaliação das relações entre o manejo florestal e a água. Depois de muitos esforços, conseguimos instalar o primeiro par de microbacias experimentais no Vale do Paraíba, São Paulo, em 1987, numa área de plantações florestais de eucalipto.

A polêmica sobre plantações de eucalipto era forte naquela época, assim como o é ainda hoje. Só que, naquela época, não tínhamos nenhum resultado experimental obtido nas condições do País. Esses estudos cresceram e deram origem ao Promab (www.ipef.br/promab), um dos programas cooperativos do IPEF, que conta, atualmente, com série histórica de dados hidrológicos de mais de 18 anos consecutivos em algumas das microbacias experimentais do programa. Sem dúvida, esses estudos foram, de alguma forma, importantes para a melhoria do aspecto ambiental do setor florestal, principalmente no que diz respeito ao melhor conhecimento que temos hoje dos impactos hidrológicos, ao esclarecimento de pelo menos a parte principal da controvérsia sobre o eucalipto e à inserção da preocupação para com a conservação da água como parte integrante do plano de manejo de plantações florestais.

Mas também é preciso lembrar que os resultados do Promab jamais resolveram, definitivamente, a questão da água no manejo de plantações florestais com espécies de rápido crescimento. Muito pelo contrário, o que esses resultados vêm mostrando é que os impactos hidrológicos do manejo de plantações florestais existem e podem ocorrer em maior ou menor intensidade, dependendo das condições locais, principalmente em termos de solos e de disponibilidade natural de água, assim como das estratégias e do bom planejamento do manejo florestal. 

 
Ou seja, esse conhecimento atual da hidrologia de plantações florestais está disponível e pode nos orientar no estabelecimento de estratégias hidrossolidárias de manejo. Se essa história é perdida, ou negligenciada no planejamento florestal, então pode haver problemas e questionamentos por parte da sociedade. Sem dúvida que o setor florestal produtivo já avançou um pouco nesse aspecto, mas, infelizmente, a preocupação para com a inserção definitiva da questão da água no planejamento florestal ainda é vista como secundária e, frequentemente, desnecessária ou não pertinente. 
 
E quanto ao futuro, o que se pode dizer é que o que conseguimos até agora é apenas a parte que nos cabia. As evidências acumuladas até o momento mostram, primeiro, que a controvérsia relacionada com a água não é apenas uma opinião popular, mas pode realmente ocorrer, manifestada pela diminuição, e às vezes interrupção, da vazão de riachos, ou seja, na escala de microbacias. Mostram, também, que isso ocorre sempre e quando o planejamento do manejo florestal ignorou as condições locais, principalmente em termos da disponibilidade climática de água.

Esses efeitos têm, também, a ver com a hidrologia peculiar das plantações florestais com espécies de rápido crescimento, de alta produtividade e de rotação curta. Mais importante, as experiências acumuladas mostram, também, que esses possíveis efeitos hidrológicos podem ser perfeitamente controlados pelo manejo. Por fim, é preciso entender que o manejo hidrologicamente sustentável de plantações florestais não deve ser considerado como um livro que já ficou pronto, mas sim um livro em constante elaboração, na medida em que o conhecimento avança.

O próprio manejo de plantações florestais também não é estático, mas se aprimora continuamente, na busca incessante da melhoria da produtividade. E isso tem muito a ver com a água, o que reforça a necessidade de tê-la como fator chave para o estabelecimento de estratégias hidrossolidárias de manejo. Em outras palavras, em termos da pesquisa em hidrologia florestal, avançamos um pouco durante esses quarenta e tantos anos, mas tudo ainda está para ser desvendado.