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Renato Serena Fontaneli

Pesquisador da Embrapa Trigo

Op-CP-40

Trigo de duplo propósito no iLP
A região sul-brasileira apresenta similaridades edafoclimáticas e de exigências ambientais que atendem às exigências dos cereais de inverno. Apesar das peculiaridades específicas a cada estado ou microrregião, existe semelhança nas demandas. Excluindo as terras de arroz irrigado, haveria, no mínimo, 4 milhões de hectares disponíveis no inverno com aptidão agrícola, somente no Rio Grande do Sul, o que representa considerável ociosidade de terras e de infraestrutura, com reflexos negativos na economia.
 
Nessa região, principal produtora de cereais de inverno, após a colheita da soja e do milho, há um período de um a três meses, antes da semeadura das culturas de inverno, em que o solo fica exposto às intempéries. Com a adoção crescente do sistema plantio direto (SPD), essa área vem sendo cultivada com culturas de cobertura de solo, como a ervilhaca, o nabo forrageiro e, principalmente, a aveia preta, aumentando o custo de produção das culturas de verão.

A aveia é cultivada no outono/inverno no Sul do Brasil para a produção de grãos e forragem e é uma das alternativas para suprir as deficiências das pastagens nativas, compostas, basicamente, por espécies estivais, que apresentam reduzido valor nutritivo no final do verão, agravado pela ocorrência de geadas, seguidas de chuvas. Enquanto nas áreas tradicionais de pecuária há falta de alimentação para os bovinos nos meses de inverno, nas áreas de lavoura sob SPD, há disponibilidade de forragem, predominantemente de aveia preta e de azevém, de elevada qualidade no mesmo período.

Uma das maneiras de aumentar a renda é usar essas forrageiras como pastagens de inverno, engordando novilhos e produzindo leite. Essas práticas têm levado à intensificação da integração da lavoura com a pecuária (iLP) e atraído investimentos para a ampliação da indústria leiteira. O uso de aveia preta como cultura de cobertura para o sistema plantio direto faz com que as aveias ocupem o primeiro lugar em área semeada no Brasil, durante o outono/inverno. Isso vem ocorrendo há vários anos. Entretanto o uso extensivo e contínuo da aveia preta resulta no aumento de enfermidades que poderão comprometer as características de rusticidade e de potencial produtivo de biomassa da cultura.

Assim, as doenças da aveia preta podem comprometer o sistema de produção atual, que é embasado nessa espécie como cobertura de solo ou como forrageira inserida na iLP. Portanto é necessário um sistema eficiente de rotação, mesmo das culturas de cobertura de solo, para viabilizar o sistema plantio direto e a exploração do potencial da propriedade rural. 
A iLP impõe desafios para equacionar inúmeras questões relativas ao forrageamento adequado dos animais em áreas agrícolas.

O esforço na geração de novas tecnologias para aperfeiçoamento de sistemas mistos vem, desde as primeiras décadas do século passado, passando pelo desenvolvimento de genótipos diversos de aveia, azevém, 
centeio e leguminosas de inverno. Resultados promissores relativos a consorciações, estabelecimento, utilização e manejo, conservação de forragem, valor nutritivo e produção animal são frequentes na literatura. Nesse sentido, na Embrapa Trigo, desde a década de 1970, vêm sendo desenvolvidos trabalhos com cereais de inverno, principalmente com a cultura de trigo, para serem utilizados como espécie destinada a fornecer forragem verde no período de carência alimentar e, ainda, produzir grãos.

Dessa maneira, esse material poderá ser semeado somente para o pastejo (duas ou mais vezes), somente para a produção de grãos ou, ainda, para o pastejo (um ou dois) e produção de grãos. 
O trigo, como cultura de duplo propósito, forragem e grãos, tem sido usado em diversos países, como Estados Unidos, Austrália, Uruguai e Argentina, como alternativa econômica em sistemas de produção agrícola. Pesquisadores, analisando e comparando o retorno líquido de cultivo de trigo grão e trigo em duplo propósito em duas épocas de semeadura no período de 1980-1999, no estado de Oklahoma-USA, observaram maiores retornos do cultivo de trigo grão em quatro safras, enquanto o trigo em duplo propósito gerou maior retorno líquido em 16 safras.

A estimativa de média de retorno líquido de trigo somente para grão foi de US$ 148/ha, enquanto, nos dois sistemas de trigo duplo propósito, os valores foram de US$ 175/ha (semeado em 20 de setembro) e US$ 168/ha (semeado em 1º de setembro). 
O trigo e os demais cereais de inverno de duplo propósito, juntamente com outras gramíneas e leguminosas forrageiras de inverno, podem ser sobressemeados em pastagens naturais ou em gramíneas perenes de estação quente rizomatosas e/ou estoloníferas durante o outono, para aumentar a produção de forragem, especialmente no RS e em SC.

Há aumento de disponibilidade de matéria seca e de proteína bruta com a introdução de 
espécies de estação fria em pastagens nativas. Além disso, as forrageiras anuais de inverno melhoram a distribuição de forragem e o valor nutritivo da dieta para ruminantes, podendo beneficiar sistemas de produção animal em regiões temperadas ou subtropicais. No Sul do Brasil, tem sido observado que trigo de duplo propósito, após ser pastejado, produz rendimento de grão similar ou mais elevado do que quando não pastejado, em virtude de vários fatores, como elevado afilhamento, renovada área foliar e redução de porte, permitindo maior contribuição fotossintética ao desenvolvimento da planta.

Dessa maneira, as plantas de trigo tendem a se ajustar após o pastoreio (adaptação fenotípica), antes do período crítico do alongamento dos entrenós. 
A disponibilização de cinco cultivares de trigo de duplo propósito pela Embrapa Trigo (BRS Figueira, BRS Guatambu, BRS Umbu, BRS Tarumã e BRS 277) permite ofertar forragem durante o outono/inverno, período de menor taxa de crescimento e, portanto, de necessidade de maior extensão de áreas com pastagens para suprir a demanda do rebanho crescente de vacas leiteiras.

A vantagem dessas cultivares é que permitem serem semeadas de 20 a 40 dias antes do período indicado às cultivares tradicionais para grãos, cobrindo o solo mais cedo, ofertando a mesma quantidade de forragem da aveia preta, com vantagem de parte da área ser diferida, em fins do inverno, possibilitando a colheita de 1.500 a 4.500 kg/ha de grãos, que, no mínimo, servirão para comporem rações para os animais domésticos (aves, suínos e bovinos).