Coautor: Erich Gomes Schaitza, Pesquisador da Embrapa Florestas
Desafios como mudanças climáticas e expectativa de depleção de reservas fósseis têm compelido a humanidade a repensar seu modo de produzir e consumir. Para tal, urge que se amplie a possibilidade de utilização de recursos renováveis, tais como a biomassa florestal.
Dentre as principais rotas de conversão disponíveis, a termoquímica tem sido a mais amplamente empregada. Ela compreende basicamente os processos de combustão direta, pirólise lenta, pirólise rápida e gaseificação. De forma geral, o termo “pirólise” compreende a decomposição térmica de material carbonoso em condição de ausência ou baixa concentração de oxigênio.
Como resultado, são geradas três frações básicas: sólida, líquida e gasosa, cujas proporções podem ser alteradas de acordo com variáveis, como tipo de processo, temperatura e tempo de residência. O mais intuitivo exemplo é a carbonização, também chamada de pirólise lenta, que há milhares de anos vem sendo utilizada para produção de carvão. Envolve temperaturas baixas a intermediárias (300-500 ºC) e altos tempos de residência (da ordem de dias), visando priorizar a formação da fração sólida (carvão vegetal). Recentemente uma variante dessa tecnologia tem despertado crescente interesse, é a chamada pirólise rápida.
Como o nome sugere, é realizada em altas taxas de aquecimento e baixos tempos de residência (de 1 a 5 segundos), associados a temperaturas por volta de 500 ºC. Nesse caso, o objetivo principal é obter maior produção da fração líquida, denominada genericamente de bio-óleo, com menores proporções de carvão e gases.
Por consequência dos processos de degradação térmica ocorridos, uma variedade enorme de compostos é gerada, o que aumenta consideravelmente as possibilidades de aplicação desse produto. Basicamente, o bio-óleo é composto por diversas classes de hidrocarbonetos oxigenados, além de uma quantidade apreciável de água. Pode ocorrer separação de duas fases líquidas distintas, sendo a fração oleosa designada como bio-óleo e a aquosa, extrato ácido. A complexidade da mistura também torna desafiadora a tarefa de caracterização dos produtos, requerendo equipamentos e métodos avançados de análise.
Outro agravante é o fato de se tratar de um produto “vivo”, com reações contínuas de polimerização e oxidação, que demandam estudos de estabilidade e envelhecimento do produto. Inspiradas por exemplos internacionais, as empresas brasileiras de papel e celulose têm apostado na tecnologia de pirólise rápida para agregar valor a alguns de seus resíduos, como cascas ou partículas finas de eucalipto. Estão disponíveis no mercado equipamentos com tecnologias variadas, ofertados por fornecedores nacionais ou internacionais.
A principal aplicação pretendida para o bio-óleo tem sido como combustível. Esse pode ser usado diretamente em alguns equipamentos da própria fábrica, como caldeiras ou fornos de cal, em substituição a óleos combustíveis derivados do petróleo. Em contrapartida, algumas características inviabilizam a sua utilização direta em motores de combustão interna. Grande quantidade de água, baixo pH, elevada acidez, alto teor de compostos oxigenados e baixo poder calorífico são alguns dos obstáculos.
Para melhorar a qualidade do bio-óleo, é possível empregar processos de desoxigenação auxiliados por catalisadores. No intuito de reduzir custos adicionais com esse processo, estratégias alternativas podem ser adotadas. Uma delas é o fornecimento do bio-óleo bruto a refinarias de petróleo, para incorporação em baixas proporções nas unidades de craqueamento catalítico fluidizado (FCC). Tais plantas são responsáveis pela produção de gasolina e diesel e, como resultado, pode ser obtido um combustível parcialmente oriundo de fontes renováveis, que permita a diminuição global de custos e de emissão de gases de efeito estufa.
Com o objetivo de impulsionar a adoção da tecnologia de pirólise rápida, as universidades e instituições de pesquisa, como a Embrapa, unem forças com o setor produtivo para ampliar as perspectivas de uso dos produtos. Nesse sentido podem ser citados: estudos de aplicação do bio-óleo para tratamento preservativo de madeira e produção de fibra de carbono; estudos de separação de frações com interesse para indústrias químicas diversas como a alimentícia; obtenção de resinas fenólicas; aplicação do extrato ácido como adjuvante no controle de ervas daninhas; e uso dos finos de carvão para produção de briquetes, carvão ativado e fertilizante. Ressalta-se ainda a importância da avaliação de impactos da adoção da nova tecnologia, incluindo estudos de toxicidade dos produtos.
A gaseificação é outro processo termoquímico que tem sido reavaliado como alternativa frente às pressões ambientais. A biomassa, normalmente na forma de cavacos de madeira, é queimada em um tanque fechado ou reator, a altas temperaturas (800-1200 ºC). Como o próprio nome do processo sugere, grande parte do material é convertida em gás, composto de monóxido de carbono, hidrogênio, metano e outros gases inertes. Além do gás, é gerada uma fração sólida residual de cinzas e carvão.
O gás pode ser usado tanto para queima quanto diretamente como combustível para motores à combustão. De fato, os motores a gasogênio são anteriores aos motores a diesel ou gasolina e já chegaram a ser muito usados em momentos de indisponibilidade de outros combustíveis, no Brasil e no exterior. Ao invés de parar em um posto de gasolina, o motorista buscava uma pilha de cavacos para abastecer seu veículo.
Em gaseificadores de larga escala, o ar pode ser substituído por oxigênio ou por vapor d’água superaquecido, com consequente redução da quantidade de nitrogênio. Nesses processos, há incremento significativo do poder calorífico do gás, com aumento da proporção de metano, monóxido de carbono e hidrogênio. Algumas vezes, o gás resultante passa a ser chamado de gás de síntese – ou pelo seu apelido syngas –, uma vez que esse gás mais rico pode ser matéria-prima para a sintetização de outros produtos.
Usar o gás de madeira como combustível de veículos não é muito prático, pois seriam necessários tanques muito grandes para viajar a grandes distâncias. Por outro lado, há um grande potencial para o uso de gás em atividades estacionárias, com motores à combustão. Talvez o principal uso potencial seja a geração de energia elétrica, acoplando-se um reator a um motor de combustão e a um gerador elétrico.
Em escalas pequenas, na faixa de capacidades de geração de dezenas a uma ou duas centenas de quilowatts, a gaseificação pode ser uma alternativa economicamente viável, devido ao baixo custo de investimento inicial. Em sistemas maiores, na faixa de capacidades acima de 1 MW, há sistemas movidos à caldeiras e turbinas, amplamente usados no mercado e, provavelmente, com menor custo de geração de energia.
No passado, essa alternativa não foi tão bem explorada pela inexistência de equipamentos que agregassem reatores de gaseificação, motores de combustão e geradores em sistemas compactos e ajustados de geração de energia. Hoje, já há vários sistemas nessa fase que começaram a ser usados em todo o mundo.
O consumo de madeira é de aproximadamente 1,5 kg de madeira seca ao ar por quilowatt/hora gerado. Realizando uma análise do custo para produção de energia elétrica com um gerador de 18 kW da AllPower Labs, concluímos que o custo nivelado de energia estava em aproximadamente R$ 0,45/KWh. No nosso caso, esse custo foi similar ao da energia fotovoltaica e menor do que o valor do KWh pago a companhias elétricas por consumidores urbanos.
Um ponto positivo desses sistemas é que, quando usados com motores de combustão modernos com a presença de catalisadores, independente de o gás ser produzido com o uso de ar, oxigênio ou vapor superaquecido, as emissões de gases SOx e NOx são baixas e seriam consideradas aceitáveis na Califórnia ou na Europa, locais bem mais exigentes do que o Brasil.
Em escalas maiores, é possível diminuir a quantidade de madeira necessária para gerar a mesma energia; seja pela maior eficiência de reatores e motores maiores ou mesmo pelo uso de diferentes agentes de gaseificação, com a obtenção de gases mais ricos. Ainda há vários problemas para o pronto estabelecimento de pequenos sistemas de geração de energia elétrica por gaseificação.
Não há sistemas nacionais prontamente disponíveis em prateleiras no mercado. Há empresas que montam sistemas, mas nem sempre há arranjos ideais entre gaseificador, motor e gerador, como nos sistemas importados. Gaseificadores pequenos exigem o uso de biomassa seca, a teores de 10-15% em base úmida, sendo necessária a pré-secagem dos cavacos de madeira. Finalmente, esses sistemas, mesmo que pequenos, requerem uma logística razoável para serem supridos de forma constante.