Professor da Faculdade de Economia e Administração da USP
Op-CP-16
A economia real está no centro da turbulência que abala, desde setembro de 2008, em maior ou menor proporção, todos os países do mundo. Cabe articular, no contexto dessa crise, as análises de questões relacionadas à sustentabilidade, em busca de uma reestruturação na arquitetura financeira global. É preciso oferecer bases sólidas a um novo ciclo de desenvolvimento, focado em tecnologias limpas, energias renováveis e uso sustentável de recursos naturais.
Com respeito aos problemas do meio ambiente e à gestão dos recursos naturais, o Brasil poderia ser uma parte importante da solução, notadamente quanto à redução das emissões dos gases causadores do efeito estufa (GEE) e intensificação das mudanças do clima. Nesse contexto, cabe mencionar as nossas florestas tropicais e suas imensas reservas de água doce, acumulando cerca de 20% das reservas mundiais.
Os cinco estudos setoriais realizados no âmbito do Projeto Para Mudar o Futuro mostram que o segmento de papel e celulose em nosso país tem condições de liderar o processo de estabelecimento de metas setoriais na emissão de GEE. As empresas brasileiras alcançam resultados significativos na neutralização de suas emissões, em função da ampla base florestal plantada.
Além disso, os fatores naturais favoráveis do país, o incremento da produtividade florestal e os investimentos industriais em eficiência energética, que incluem a redução da disposição de resíduos em aterros, permitiriam ao setor produzir, com certificações Carbon Free, ou mesmo Carbon Reducer. A maioria das empresas está ciente de que deve expandir o foco, que hoje está nas operações internas, para uma perspectiva global, abrangendo todo o ciclo de vida do produto.
Torna-se imprescindível que as corporações mantenham os investimentos atuais na base florestal e nos processos industriais, mas passem também a desenvolver estratégias para mitigação das emissões derivadas do transporte e da disposição final do produto, após o seu tempo de uso. O estabelecimento de metas setoriais faria surgir, então, um novo cenário competitivo para as empresas, conferindo peso ao atributo “emissões de carbono” dos produtos.
Esse cenário futuro difere muito do que temos atualmente, com o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo e as emissões em mercado voluntário, sendo fontes de receita não operacional. As metas setoriais introduziriam a questão do carbono no core business da empresa, determinando parâmetros de competitividade e acesso a mercados e ao crédito.
Certamente, as maiores empresas brasileiras do setor têm plenas condições de assumir um papel de liderança no processo de negociação, adoção e conquista de metas setoriais para papel e celulose. Entretanto, apesar das cinco maiores empresas representarem cerca de 70% do negócio, o segmento é bastante pulverizado, com 220 empresas, a maior parte delas atuando em nichos regionais, com pouca capacidade de investimento e baixo poder de negociação.
Essas empresas devem receber incentivos e transferência de tecnologia, para permanecerem competitivas dentro do horizonte de tempo necessário ao cumprimento das metas. Com relação às fontes de financiamento, o relatório do Banco Mundial, State and Trends of the Carbon Market 2009, destaca que o mercado global dos créditos para emissões de carbono saltou de 63 bilhões de dólares, em 2007, para 126 bilhões, em 2008, valores que correspondem a créditos comercializados relativos a 4,8 bilhões de toneladas de emissões de dióxido de carbono. Uma alta de 61% em relação ao ano anterior.
Os cortes de emissões efetivamente feitos e vendidos por projetos de energia limpa, com registro na ONU, em países em desenvolvimento, caíram 30% em 2008, ficando em 389 milhões de toneladas, ou 6,5 bilhões de dólares. A oferta continua sendo restringida por demoras regulatórias, e a crise financeira tornou a obtenção de financiamento de projetos muito mais difícil.
A crise no sistema financeiro contribuiu para destacar a necessidade de mecanismos robustos de governança para gerir o problema das mudanças climáticas. Os mecanismos devem, também, ser criteriosos, ao mesmo tempo articulando, com agilidade, as pressões e demandas dos atores globais. Rigorosos mecanismos de controle deveriam assegurar que o mercado de carbono atendesse plenamente ao princípio de responsabilidade comum, porém diferenciada sobre as mudanças climáticas, e fomentar, nos países em desenvolvimento, alternativas sustentáveis de crescimento.