A área remanescente de floresta amazônica primária ou madura, contínua, ainda é muito grande e, por essa razão, não pode ficar fora do debate sobre floresta e planeta Terra. Além do estoque de madeira, não há dúvidas quanto ao papel dessas florestas na conservação da biodiversidade, no funcionamento de ecossistemas, na proteção de outras formas de vida e no fornecimento de serviços ambientais. Hoje, os serviços ambientais prestados pela floresta estão bem socializados no planeta.
O fato de a árvore retirar CO2 da atmosfera por meio da fotossíntese e transformá-lo em celulose, lignina e hemicelulose a qualifica como peça-chave no processo de mitigação dos efeitos da mudança climática. Essa socialização começou com a divulgação do primeiro inventário de emissões globais, que apontou que o mundo emitira 7 Gt C (1Gt = 1 x 109 t), anualmente, durante o período de 1980-1989.
Essas emissões eram, parcialmente, absorvidas pela bacia oceânica, mas a maior parte estava ficando retida na atmosfera. O carbono transformado em dióxido de carbono ou metano, junto com o óxido nitroso e os gases industriais, passou a alterar a camada de gases de efeito estufa na atmosfera e a ameaçar o equilíbrio climático da Terra. Esse alerta fez com que o mundo político se mobilizasse para antecipar-se aos cenários mais pessimistas. Como resultados das várias mobilizações, foram aprovados, sob o guarda-chuva da ONU, a Convenção do Clima e o Protocolo de Quioto.
A busca de uma nova ordem ambiental do planeta passou a girar em torno do debate sobre o controle das emissões de gases de efeito estufa. Na esteira desse debate, os processos de neutralização e mitigação foram incorporados. Entre a Convenção (1992) e o Protocolo (1997), a Companhia Vale do Rio Doce publicou o livro Emissão e sequestro de CO2 – uma nova oportunidade de negócios para o Brasil, em 1994. Nessa ocasião, o papel da floresta foi bem destacado, principalmente pela capacidade de armazenar carbono nas várias partes da árvore.
A floresta amazônica e os reflorestamentos brasileiros foram colocados como alternativas de mitigação dos efeitos da mudança climática. O Protocolo de Quioto, no entanto, só considerou florestamento e reflorestamento como possibilidade de projetos de mitigação sob o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo – MDL. Indiretamente, a floresta amazônica foi excluída do Protocolo.
O relatório especial do IPCC – Intergovernmental Panel on Climate Change (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), intitulado “Uso da Terra, Mudança no Uso da Terra e Floresta” – LULUCF (sigla em inglês), publicado em 2000, pela primeira vez, cogitou a possibilidade de incluir o “desmatamento evitado” em florestas tropicais ao MDL. Durante a COP 7 (Marrakech, 2001), a floresta primária foi formalmente excluída do MDL.
Em 2005, durante a COP 11 em Montreal, a ideia do “desmatamento evitado” foi materializada como a modalidade Redução de Emissões por Desmatamento em Países em Desenvolvimento (REDD, em inglês) e proposta formalmente por Costa Rica e Papua Nova Guiné. Para o primeiro período de compromisso do Protocolo, de 2008 a 2012, essa modalidade foi descartada. Em 2007, o relatório do grupo de trabalho de “mitigação” do 4º Relatório de Avaliação do IPCC apontou que “no curto prazo, os benefícios da mitigação do carbono por meio do desmatamento evitado são maiores do que os benefícios do reflorestamento e florestamento”.
Ato contínuo, a ONU criou o UN-REDD Program em 2008, que acrescentou “degradação florestal”. Com essa medida, as florestas primárias e, em particular, a floresta amazônica, voltaram a desempenhar papel importante no debate sobre neutralização e mitigação. Durante a COP 15 (Kopenhagen, 2009), o REDD-plus foi mencionado no acordo, acrescentando ao conceito original, conservação e manejo florestal.
O tempo passou, e o primeiro período (2008-2012) de compromisso do Protocolo teve que ser prorrogado até 2020. Resultados? As emissões globais em 1990 eram de 38 Gt CO2eq. A meta do Protocolo para o primeiro período de compromisso (2008-2012) era de redução de aproximadamente 5% das emissões de 1990. O período de compromisso chegou, e, em 2010, as emissões globais atingiram 49 Gt CO2eq., ou seja, em vez de redução (da promessa de 5%), houve um aumento de 28%.
Na prática, de 1997 (Protocolo) até os dias atuais, várias reuniões técnicas e políticas ocorreram no Brasil e no mundo, sempre sob o apelo da relação intrínseca entre a floresta tropical e a mudança climática global. Provavelmente, houve um aumento em número de consultores na área de carbono florestal com aumento de oferta de empregos (que não é ruim), uma maior ocupação de hotéis e muitos livros e cartilhas que auxiliaram na ampliação e na democratização do acesso às informações e aos debates.
Só não houve retorno para as florestas tropicais. Ao contrário, o desmatamento e a destruição das florestas tropicais não arrefeceram durante o período entre a aprovação do Protocolo e seu primeiro período de compromisso. No caso da Amazônia brasileira, o desmatamento médio anual do período de 1992 (Rio-92) a 1997 (Protocolo) foi de 18.836 km2, enquanto, de 1997 a 2007, essa média subiu para 19.065 km2.
A partir de 2008, a área desmatada na Amazônia vem caindo; constatada uma redução de quase 30 mil km2 por ano para os atuais (2015) 5 mil km2. No entanto o desmatamento ainda é muito grande se comparado com o retorno à economia nacional. Qual é o potencial de mitigação por meio da floresta amazônica? Vamos considerar apenas o estado do Amazonas para essa reflexão. A floresta madura remanescente do Amazonas cobre uma área de 149 milhões de hectares, 45% da floresta remanescente da Amazônia. O laboratório de manejo florestal do INPA – Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, monitora, desde 2004, 2.509 parcelas temporárias e permanentes, que totalizam 660,25 hectares amostrados em 30 localidades diferentes do Amazonas.
O estoque médio total (acima do solo + raízes grossas) de carbono das florestas do estado é igual a 169,2 ± 7,6 t C/ha (IC 95%) ou, em CO2 equivalente, igual a 620,4 ± 27,9 t CO2eq./ha. Extrapolando linearmente para o Amazonas todo, o estoque do estado é de 92,4 ± 4,2 Gt CO2eq. (IC 95%). A emissão brasileira de CO2 equivalente, em 2013, foi de 1,57 Gt CO2eq. Simples assim, somente as florestas do Amazonas poderiam neutralizar todas as emissões brasileiras durante quase 60 anos.
O potencial de mitigação das florestas amazônicas se resume aos estoques de carbono e, eventualmente, à capacidade de sequestro das mesmas. Só isso? Não, se fizermos analogia com o metabolismo humano. Um homem, para manter o seu peso de 80 kg, por exemplo, quanto tem que consumir durante o ano? É razoável afirmar que ele consome três vezes o seu peso? Para a economia, para a política, etc., o que é mais importante: o seu peso (estoque) ou a sua capacidade de consumo?
Obviamente, é a sua capacidade de consumo. É razoável aceitar que o estoque de carbono de toda a floresta amazônica brasileira seja de aproximadamente 200 Gt CO2eq., e isso poderia significar uma troca gasosa anual com o sistema climático do planeta Terra em torno de 600 Gt CO2eq. por ano. Isso, sim, é importante e isso, sim, magnifica o papel da floresta junto ao planeta!