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Ricardo Young

Conselheiro do Instituto Ethos

Op-CP-25

O desafio de um novo ethos

Sempre que colocamos os conceitos de desenvolvimento e de preservação como antagônicos, todos perdem. São não apenas complementares, como interdependentes. Neste artigo, argumentarei a favor dessa interdependência e mostrarei os novos elementos de reflexão que precisamos incorporar.

A necessidade de um novo modelo de desenvolvimento não foi colocada pelas questões relacionadas às mudanças climáticas. O aquecimento global apenas acelerou uma questão que já vinha preocupando os cientistas, os economistas e os organismos multilaterais desde a década de 80.

Um modelo de desenvolvimento centrado na agregação crescente e contínua de bens e serviços sem incorporar as externalidades produzidas e o caráter limitado e exclusivo dos serviços ambientais iria encontrar os seus limites, inexoravelmente. Se somarmos a isso a limitação dos indicadores de desenvolvimento quase exclusivamente àqueles de natureza econômica, iríamos acabar por descobrir sérias imperfeições nas políticas de natureza social e nos processos de concentração de renda.

Do que vale crescimento agravando a escassez ou sem a criação das condições necessárias para a sua própria reprodução? Do que vale o crescimento medido através de inclusão social por aumento de renda sem que os outros indicadores de progresso social e bem-estar sejam considerados?

Essas questões já haviam sido colocadas pela comissão de Bruntland,  criada em 1987 pelas Nações Unidas para discutir o nosso futuro comum. Estávamos às vésperas da queda do muro de Berlim e do final do bloco soviético.

O capitalismo liberal prenunciava a sua libertação plena, o "fim da história", a hegemonia definitiva da produção, circulação e consumo de mercadorias e serviços em escala global! O triunfo final da economia de mercado e da democracia levou alguns teóricos a negligenciarem, inclusive, o papel dos Estados e do sistema multilateral, advogando através do "Consenso de Washington", o chamado neoliberalismo.

Olhando em perspectiva, principalmente após 2008, vemos que não foi e não será assim. Não é o caso, neste pequeno espaço, de se fazer digressões a respeito das falhas sistêmicas que nos trouxeram à crise fiscal deste início de década.

Mas alguns fatores que não estavam presentes no pensamento hegemônico do final da década de 80 e de 90 precisam ser pontuados como elementos integrantes do enorme desafio para um novo modelo de desenvolvimento: limites de autorregeneração de sistemas ambientais; limites do aumento da produção e consumo como única referência para o desenvolvimento; limites para o modelo de acumulação disseminador de bolhas sistêmicas; limites do PIB e demais indicadores econométricos; limites para a desigualdade social e a pobreza absoluta; limites para a concentração demográfica em megacidades; limites para a exploração da terra baseada em produção agrícola exclusiva e exaustivamente; limites para a extinção da biodiversidade. Limites, enfim, a uma visão antropocêntrica da vida e da natureza.

Quando a Comissão Bruntland definiu sustentabilidade, introduziu um novo conceito ético para o desenvolvimento: a solidariedade intergeracional, a cooperação em dimensão de tempo e espaços diferentes. Esse ethos que está na raiz do conceito de "Desenvolvimento Sustentável" ou "Verde" não implica apenas o tripé econômico, social e ambiental. Implica também um conjunto de princípios éticos e valores sem os quais esses pilares não se sustentarão.

Esses princípios, ao proporem a substituição da competição pela cooperação; o sucesso individual pelo bem-estar coletivo; a natureza como provedora inesgotável de recursos para a humanidade por um conceito no qual humanidade e natureza são interdependentes; o crescimento permanente como valor exclusivo pela eliminação das desigualdades como o objetivo maior da economia; o bem-estar como balizador do sucesso econômico ao invés do crescimento apenas do PIB possibilitam um sistema de valores compartilhados mais próximo da Carta da Terra do que da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Do antropocentrismo para o biocentrismo. Se integrarmos a um novo modelo de desenvolvimento essa consciência emergente, veremos que não há dicotomia entre desenvolvimento e preservação: o desenvolvimento implicará preservação, regeneração dos serviços ambientais e reconstituição saudável do tecido social. Essa complementaridade fará com que os aglomerados urbanos sejam complementares aos ecosistemas, realimentando-se mutuamente.

Um bom passo inicial nessa direção será entendermos que a discussão de projetos como o do Código Florestal não pode ser feita no confinamento tradicional da velha teoria econômica. Ao contrario, pode ser a grande oportunidade de construirmos, na prática, o ethos imposto pela solidariedade intergeracional.