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Vinicius Lobosco

Pesquisador Senior de Biorrefinarias da Suzano

Op-CP-49

A importâncioa e a oportunidade da geração de tecnologia
O ganho de produtividade no setor agrícola brasileiro desde a década de 1970 é impressionante. Esse é o fator principal a explicar o aumento da produção agrícola brasileira, que também experimentou expressivo aumento em outros fatores de produção, como terra, maquinário, insumos, etc. 
 
Saímos da condição de país importador de produtos agrícolas e com crises de abastecimento na década de 1980, para nos tornarmos o maior exportador de produtos agropecuários. Essa transformação não ocorreu por acaso. Além de o País dispor de uma grande quantidade de terras aráveis, ele conseguiu fazer com que houvesse a incorporação das tecnologias desenvolvidas no processo de produção, além de integrar os produtores dentro da cadeia de valores.

De fato, o Brasil investiu 1,8% do PIB agrícola em pesquisa e desenvolvimento, a maior taxa na América Latina e, de longe, a maior entre os níveis observados nos países em desenvolvimento. Essa observação inclui o setor florestal, que também experimentou crescimento de produtividade como chave do aumento da produção brasileira. 
 
O Brasil é hoje o maior fornecedor mundial de celulose de mercado, fruto de um crescimento extremamente robusto (6,5% anuais entre 2006 e 2016). No entanto, o País ainda alavanca pouco para além das commodities. Se as pesquisas para obter clones melhores fez com que a produtividade brasileira saltasse de cerca de 15 m3/ha/ano para cerca de 40 m3/ha/ano atuais (uma das maiores produtividades mundiais), nossos esforços para conquistar o mercados a jusante ainda são pequenos tanto no setor florestal como no agronegócio como um todo. 
 
Também temos dificuldade em esparramar as vantagens do agronegócio para outras áreas intensivas em tecnologia do setor agrícola. Temos poucas start-ups desenvolvidas no setor que exportam tecnologia. Que somos grandes importadores líquidos de tecnologia no setor não é surpreendente, mas a enorme vantagem competitiva não parece estar nos proporcionando evolução em áreas tecnológicas associadas a ele.
 
Uma das prováveis razões para tal afirmação é que a tecnologia do processo kraft foi desenvolvida há muito tempo. Além disso, os grandes provedores de tecnologia se consolidaram e mantêm sua estrutura de desenvolvimento perto das suas bases originais. Algumas desvantagens decorrem desse fato. O desenvolvimento de tecnologias é altamente intensivo em mão de obra extremamente qualificada e de altos salários. 
 
Outra desvantagem é o fato de o desenvolvimento ser feito com foco em outro tipo de biomassa, com uma adaptação menos provável para o eucalipto. Por outro lado, a oportunidade que já se esboçou no horizonte é que a grande atenção que a sustentabilidade tem tido nos últimos quinze anos está a proporcionar o desenvolvimento de novas tecnologias que ainda não estão dominadas. Há, então, possibilidades de desenvolvimento tanto de tecnologias como de fornecimento de produtos de maior nível de industrialização; bem como sermos detentores de tecnologia de processos como toda a possibilidade de puxarmos o desenvolvimento de fornecedores locais.
 
Isso pode, de fato, estar ocorrendo. Para tentar responder a essa questão, fiz uma análise do que era a visão do desenvolvimento há cerca de dez anos para analisar se algumas tecnologias novas estão sendo desenvolvidas no Brasil. A perspectiva é o processo kraft de desconstrução da madeira.

Essa visão foi feita com base nas apresentações feitas no Nordic Wood Biorefinery Conference de 2008, uma conferência nórdica sobre biorrefinaria que ocorre a cada um ano e meio. Ainda que vários processos de biorrefinaria já fossem existentes, esse conceito tinha se fortalecido há cerca de meia década. Uma releitura dessa visão de futuro aponta que, algumas expectativas, de fato, se realizaram, ainda que não somente relacionadas à biomassa de madeira.
 
O primeiro a ser implementado foi o processo de obtenção do chamado eteno verde para a produção de polietileno, este produzido a partir de etanol – atualmente feito com o de primeira geração –, é, portanto, de fonte renovável. A tecnologia foi aprimorada pela Braskem baseada no processo inicial desenvolvido pela Salgema lançado em 1982, época de ouro do Proálcool. Esse processo foi provavelmente o maior projeto de inovação da Braskem até hoje lançado.

A empresa teve (e ainda tem) grande projeção internacional por causa desse processo e produto, que tem cerca de 80% de sua produção exportada, em claro contraste com a produção de PE de fonte fóssil que só é exportado marginalmente. O sucesso econômico foi limitado, no entanto. A Dow e a Mitsui tinham um projeto conjunto de 1,5 bilhão de dólares para fazer algo similar, mas com produção de etanol integrado à produção do eteno e à planta de polimerização, que acabou por ser adiado indefinidamente.
 
O segundo processo de grande relevância foi a produção do chamado bioetanol, o etanol produzido a partir de celulose e hemicelulose de bagaço ou da palha da cana. Foram construídas duas unidades, uma pela Granbio em São Miguel dos Campos-AL, e outra pela Raízen em Piracicaba, interior de São Paulo. Há significativos atrasos nos projetos, mas o sucesso virá com a perseverança dos envolvidos. 
 
A tecnologia em nenhum dos dois casos é brasileira, ainda que haja grande ganho de know-how e potencial de desenvolvimento para toda a cadeia de produção. Foram apontados problemas com o pré-tratamento da biomassa, uma possível consequência do desenvolvimento ter sido feito com matéria-prima diferente da utilizada aqui. 
 
O CTC desenvolveu tecnologia local e anunciou a implementação de uma planta de demonstração na Usina de São Manoel, no município de mesmo nome no interior de São Paulo. A partir da biomassa da madeira, essa tecnologia não se desenvolveu. Finalmente, a Suzano, empresa para a qual trabalho, está construindo uma planta de extração de lignina e seu posterior beneficiamento em sua unidade de Limeira, também no interior de São Paulo. A planta de 20 mil toneladas/ano é de tecnologia totalmente nacional e deverá entrar em funcionamento em agosto de 2018. 
 
Esse trabalho foi feito com o desenvolvimento de diversos fornecedores locais e teve a ajuda de diferentes institutos de pesquisas nacionais e alguns internacionais. O processo requereu desenvolvimento tecnológico de vários fornecedores e, além disso, foi especialmente desenvolvido para extração de lignina kraft de eucalipto.
 
A minha leitura é que mesmo a visão de quase dez anos sendo curta para a verificação de tendência, parece que está havendo desenvolvimento considerável de novas tecnologias que poderiam fazer do País um exportador de tecnologia no futuro, com consideráveis impactos socioeconômicos.

No entanto, o ambiente de desenvolvimento ainda pode ser consideravelmente melhorado. Recentemente foi analisada – processo no qual participei ativamente – a implantação do Centro Tecnológico em Celulose e Papel encabeçada pelo MCTI através do CGEE. Um dos principais objetivos do centro seria o desenvolvimento de tecnologias que despontam atualmente como promissoras. O projeto ainda não foi para frente por questões orçamentárias. É de grande importância para o setor que o centro seja implementado em tempo hábil para que a janela de oportunidade atual seja aproveitada.
 
Além disso, dado o grande risco e importância da primeira planta industrial demonstrativa de cada processo na implementação de tecnologia desenvolvida no País, é essencial que bancos de fomento e agências financiadoras de pesquisa participem mais ativamente, incluindo financiamento parcial a fundo perdido, distinguindo pela origem da qual foi realizado. 
 
O impacto da escolha da origem do desenvolvimento da tecnologia é muito grande e é determinante para que ele permeie pelos diversos locais envolvidos. Ele possibilita que fornecedores locais desenvolvam produtos de maior nível tecnológico e que colaboradores e pesquisadores locais trabalhem com processos na fronteira do desenvolvimento. 
 
Esses aspectos não são – e não devem ser – levados em conta pelo investidor, que  é normalmente conservador e naturalmente tende a ficar com os grandes fornecedores, que podem dar maiores garantias. A internalização dessas externalidades positivas deve ser feita com recursos públicos, assim como é feito nos países em que também ocorre desenvolvimento no setor agrícola.