Pesquisador Científico aposentado da Embrapa e atual Diretor da Medrado e Consultores Agroflorestais Associados
O Brasil tem vocação natural florestal e é um grande fornecedor de produtos provenientes da floresta (madeira, frutos, óleos e resinas) e serviços ambientais. O patrimônio florestal brasileiro é imenso, tratando-se de, aproximadamente, 500 milhões de hectares de florestas nativas e cerca de 8 milhões de florestas plantadas.
No quadro atual de plantações florestais comerciais, destacam-se as espécies de eucalipto, pínus e acácia-negra, seguida pela produção comercial de teca. As espécies nativas do Brasil, excetuando-se a seringueira e o paricá, podem ser consideradas pequenas sombras no território das plantações florestais comerciais. Em função disso, muito pouco se publicava sobre espécies nativas em comparação com as espécies florestais exóticas; quando isso ocorria, eram publicações sobre levantamentos florísticos e fitossociológicos, ou recuperação ambiental.
A lembrança do valor econômico das espécies nativas, até o final do século passado, apenas estava presente nos bancos das escolas florestais, em alguns campos experimentais das universidade brasileiras, nas notícias de exploração ilegal de madeiras e em um, ainda, pequeno número de abnegados profissionais e de produtores que acreditavam na possibilidade da plantação florestal comercial de espécies nativas, na agrofloresta e nos consórcios ou nos sistemas agroflorestais convencionais de baixa a alta complexidade biológica.
Neste século, várias ações visando à valorização das espécies nativas estão tomando corpo, com destaque para as seguintes: Plano Nacional de Silvicultura com Espécies Nativas e Sistemas Agroflorestais – Pensaf; Lastrop (Laboratório de Silvicultura Tropical, uma iniciativa da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” – Esalq); Pacto pela restauração da Mata Atlântica; Planaveg (Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa); Programa de Conservação Genética e Melhoramento de Espécies Florestais Nativas da Universidade Federal de Viçosa; Projeto Verena; e a Coalizão Brasil (segmento floresta).
Em todas as propostas citadas, parece estar claro que, independente da necessidade de políticas públicas de apoio, da participação de agências de fomento e das empresas florestais, é importantíssimo o estabelecimento de uma rede de sistemas de produção florestais e agroflorestais regionalizados, de um forte programa nacional de melhoramento genético e de um eficiente sistema de banco de dados e de monitoramento. Neste artigo, faremos um recorte para tratar da importância da propagação assexuada como uma das ferramentas para a expansão das plantações florestais comerciais.
Para tal, nos apoiaremos em afirmações científicas de que, apesar de a maioria dos estudos de propagação das espécies florestais nativas do Brasil serem voltados para a propagação sexuada, esta apresenta limitações para várias espécies nativas. Limitações decorrentes do grande número de espécies com sementes recalcitrantes e, também, por outros fatores, como produção irregular ou baixa de sementes, dificuldades de localizar matrizes de espécies raras, dificuldade na definição da época ideal de colheita das sementes, entre outros.
A propagação assexuada se constitui, portanto, numa forma de superação de tais dificuldades e, além disso, em uma ferramenta auxiliar no resgate e na conservação de recursos genéticos florestais, além de serem utilíssimas como apoio na formação de plantios florestais comerciais de espécies nativas.
A propagação assexuada, no entanto, quase não tem sido utilizada com finalidade de apoio à formação de plantios florestais, devido ao posicionamento de muitos profissionais que a julgam uma ferramenta a ser utilizada, somente, para o estabelecimento de pomares clonais como etapa do melhoramento, ou para multiplicação de materiais já melhorados.
Como são poucos os materiais nativos melhorados, e a propagação assexuada de materiais superiores de plantios seminais não é valorizada ou incentivada, os plantios são realizados a partir de sementes, apresentando, por isso, uma variação fenotípica muito grande que afasta os potenciais plantadores, até mesmo pelo aspecto visual.
É necessário, portanto, que se discuta uma nova estratégia menos rígida, que costumamos denominar de estratégia do “entroncamento” ou trunking strategy, em que a estrada da propagação vegetativa pura e simples (estrada secundária) se junta, em determinado momento da viagem comercial, com a estrada do melhoramento clássico (estrada principal), em um entroncamento científico.
Costumo dizer que a estrada da propagação vegetativa é uma estrada de uso temporário, aproveitada ou construída de forma rápida, que considera como sua base, “sua brita”, apenas a propagação de materiais superiores não melhorados, mas selecionados de plantios seminais existentes. Ela visa permitir que produtores e empresários possam trafegar com relativa segurança até que a estrada principal estabelecida, com base em um bom projeto científico tecnológico, seja construída.
Apesar de simples, deverá ser uma estrada com leito uniforme e não uma estrada cheia de desníveis perigosos, como tem sido a “picada” atual, cuja base é formada por sementes que originam plantios desuniformes que deixam inseguros quem tenciona trafegar por ela. É óbvio que a estrada secundária, temporária, exigirá que todos andem em uma velocidade menor que a liberada quando da construção da estrada principal, mas será, certamente, mais atrativa e rápida do que a “picada” original.
A construção dessa estrada secundária deverá considerar como base os plantios “seminais” e os resultados dos trabalhos de propagação vegetativa elaborados por nossos cientistas nas universidades, nas instituições de pesquisa e na iniciativa privada. Vejam, no excelente trabalho Vegetative propagation and application of clonal forestry in Brazilian native tree species (https://bit.ly/2KOdSKP), quantas espécies já foram estudadas. Além desse, existem centenas de outros trabalhos que poderão contribuir para a construção da base da estrada.
Com tal base, o leito poderá ser construído, com certa facilidade, clonando-se materiais superiores escolhidos nos plantios já feitos, ou em plantios a serem estabelecidos nas diversas regiões, especificamente para tal finalidade. É importante ressaltar que essa é uma estratégia paralela àquela a ser aplicada nos trabalhos de seleção e de avaliação clássicos, e o número de espécies poderá ser maior.
É uma estratégia, sob nosso ponto de vista, adequada para atrair produtores/empresários para o plantio de espécies nativas que ainda não foram trabalhadas em algum programa de melhoramento; quem sabe algumas das seguintes espécies: Araucaria angustifolia, Bertholletia excelsa, Calophyllum brasiliense, Cariniana estrellensis, Cordia goeldiana, Cordia trichotoma, Handroanthus heptaphyllus, H. impetiginosus, Hymenaea courbaril, Platymenia foliosa, Piptadenia gonoacantha, Zeyheria tuberculosa, dentre outras.
Tais plantios poderão garantir uma performance produtiva maior das espécies em relação aos feitos com mudas “seminais”. Dessa forma, os produtores poderão garantir plantios mais uniformes, ganhos de forma mais rápida, enquanto trabalhos de melhoramento clássico estarão sendo feitos com tais espécies futuramente.
A estrada do melhoramento clássico, por sua vez, é a estrada principal, que considera como sua base elementos como a biologia reprodutiva, a estrutura genética das espécies, o tamanho efetivo das populações, a variação genética entre e dentro de populações e como práticas construtivas os ensaios comparativos de espécies, os ensaios de procedências e progênies e, somente por fim, a propagação vegetativa e a produção de sementes nos pomares.
Na estrada do melhoramento clássico, deverão estar aquelas espécies que já contam com um grande número de informações e que estão em um estágio além do pré-melhoramento. Deverá ser, portanto, um grupo bem pequeno, rigorosamente estabelecido.
A forma de fazer essa seleção tem sido, exaustivamente, discutida no âmbito de vários grupos de trabalhos. Para a seleção, além do estágio de melhoramento atual, devem ser considerados o avanço já obtido na área de propagação vegetativa, o valor comercial da espécie, sua demanda efetiva, além da consideração sobre o estado da arte em relação à mesma. Arriscaríamos ficar ao lado daqueles que apontam a seringueira e a erva-mate como duas das principais.
É importante que, uma vez selecionada a espécie e estabelecidas as populações, se proceda à realização dos testes de procedências e progênies, que é primordial para a comparação de várias populações e/ou progênies dentro de populações, para avaliar as possíveis diferenças de comportamento silvicultural ligadas às respectivas diferenças genéticas.