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Paulo Yoshio Kageyama

Professor Titular da Esalq-USP

Op-CP-41

Biotecnologia florestal: onde estamos e para onde vamos?
Coautor: João Dagoberto dos Santos, Professor Titular Esalq-USP 

A biotecnologia, ou o uso de uma técnica com base biológica, visando a uma melhoria na produção de um bem para a sociedade, vem sendo engendrada desde que os humanos mostraram sua inteligência para sobreviver e se desenvolver. Porém vem sendo usada, atualmente, muito mais para o uso de conhecimentos avançados de genética molecular, chegando aos organismos geneticamente modificados – OGM, os transgênicos. Primeiro, nas plantas agrícolas, e, agora, passando para as florestais. 

 
Para se chegar ao uso do transgênico do eucalipto, vale uma avaliação da evolução da (bio)tecnologia no setor florestal do Brasil, que pode ser uma referência para boa parte do mundo. Resumidamente, esse trabalho deu resultado, e o eucalipto foi escolhido como preferencial para as nossas condições. Depois, vieram as fases de escolha das espécies potenciais, de procedências e progênies, para se desenvolver a seleção e o melhoramento nas populações para implantar os plantios comerciais.
 
O melhoramento clássico (genética quantitativa) foi um passo importante para os programas de seleção de indivíduos superiores (matrizes), que foram desenvolvidos por diversas empresas, auxiliadas por universidades de todo o País, e que tiveram um avanço dos mais significativos na história da genética e do melhoramento. A produtividade do eucalipto passou rapidamente de 20 m3 por hectare, na década de 1970, para cerca de 40-50 m3, na década de 1990. Esse aumento de produtividade foi devido, principalmente, ao melhoramento genético. 

Após esse surto de avanço de produtividade, surge outra biotecnologia, a propagação vegetativa massal em escala comercial, mudando o rumo do melhoramento clássico, ou a da contínua seleção por seguidas gerações, com a manutenção da diversidade genética na população em melhoramento. Na propagação massal, investiu-se na busca de indivíduos superselecionados, incluindo híbridos interespecíficos, para manter plantações cada vez mais produtivas e de qualidade, porém com cada vez menos diversidade genética. 

 
Atualmente, essa produtividade atingiu em torno de 50-60 m3 por hectare, revelando um novo salto na evolução dos plantios de eucaliptos. Porém, ao ponto da grande totalidade das plantações de eucalipto do País ser originária de híbridos de somente duas espécies, o urograndis, esquecendo-se a diversidade e plasticidade das populações de outras espécies, procedências e progênies de eucaliptos. Deve-se registrar que o Brasil foi o maior introdutor mundial de materiais genéticos de eucalipto pelas suas instituições de pesquisas e universidades, além das empresas florestais. 
 
O modelo adotado atualmente tem sido o de busca constante de novos cruzamentos para obtenção de híbridos urograndis mais produtivos, incluindo o uso da genética molecular, mas continuando a afunilar a diversidade genética nas plantações comerciais cada vez em maior escala, com as consequências predizíveis de ocorrência cada vez maior e mais intensa de pragas e doenças, perda de adaptabilidade diante das evidentes mudanças climáticas (levando, inclusive, à morte de talhões inteiros por evidente colapso ecofisiológico) e uso cada vez maior de agrotóxicos.
 
Cabe ressaltar que, em algumas localidades ou territórios, esses impactos derivados de extensas áreas de monocultivos clonais têm impacto em paisagens e bacias hidrográficas, comprometendo, em alguns casos, toda a dinâmica dos ecossistemas onde se encontram esses plantios, afetando não só as condições de equilíbrio ecológico dessas paisagens, mas também social, pois as atuais medidas e ferramentas de controle e de manejo disponíveis para minimizar os impactos atingem a todos, na paisagem rural e urbana próximas. 
 
Nesse ponto atual, entra em cena a dita alta biotecnologia da transformação genética, as árvores geneticamente modificadas e o eucalipto transgênico, apontando para um novo rumo, em princípio para aumentar de novo a produtividade, mas sem mexer com a estrutura genética da população sendo plantada, ou a diversidade genética continua a mesma. Aliás, se for utilizado um clone transgênico no talhão ou no horto florestal, a diversidade vai ser ainda mais diminuída, tornando-os ainda mais suscetíveis e instáveis, ecologicamente falando.
 
As rotas tecnológicas adotadas e desenvolvidas historicamente pelo setor florestal brasileiro, atualmente, têm trazido desafios muito sérios no que se refere à sua sustentabilidade nas suas mais amplas definições. Dentro dessa visão, fica claro que os avanços e a utilização das diferentes “biotecnologias” elevaram o setor ao patamar de referência, mas, ao mesmo tempo, impõe a necessidade de uma reflexão profunda sobre os caminhos a serem tomados daqui para a frente.

Em nosso ver, a “transgenia” até pode ser uma das rotas de “futuro”, mas o atual nível de conhecimento sobre essa tecnologia e dos diversos riscos com relação à biossegurança desses organismos, cada vez mais evidentes e comprovados cientificamente, requer de todo o setor florestal e daqueles que hoje detêm e estão investindo nessa rota, muita responsabilidade e uma visão que vai além da simples vantagem competitiva e comercial.

 
Não existem dados seguros e experimentos realizados com profundidade e com o rigor estatístico necessário para garantir que os riscos relacionados à biossegurança, especificamente do eucalipto transgênico recentemente liberado para plantios comerciais, não sejam significativos. Os riscos previstos com relação à contaminação biológica desse atual evento OGM são reais, e não houve tempo para que eles fossem devidamente avaliados antes de sua liberação. 
 
Se liberado no ambiente e na escala que se prevê para a ocupação de monocultivos no Brasil, os impactos na biodiversidade, principalmente nos agentes polinizadores (nativos e exóticos), podem ser catastróficos, impactando ecossistemas inteiros, levando em conta que umas das grandes qualidades dos empreendimentos florestais, hoje, no Brasil, são os mosaicos, onde plantios monoclonais estão permeados por áreas naturais. 
 
Essa vantagem inquestionável, quando comparada a outros monocultivos, pode ser perdida, pois a eventual contaminação de colmeias e abelhas (nativas e exóticas) pelo pólen transgênico traz riscos de colocar ecossistemas inteiros em colapso. A eventual contaminação do mel pelo pólen transgênico pode inviabilizar o modo de vida de milhares de famílias que, hoje, vivem da produção de mel, diretamente relacionadas à interação dos plantios de eucaliptos nas mais diversas paisagens do País. 
 
A perenidade e o ciclo de vida das árvores e sua inegável interação biótica e estrutural nos ecossistemas, na eventualidade do plantio massal, podem tornar alguns impactos incontroláveis, pois, na prática, é impossível isolar maciços de árvores com mais de 15 metros de altura, ou, em outro extremo, onde hoje praticamente qualquer um, com um simples pedaço de tecido vegetal (um galho), pode clonar uma variedade em seu viveiro de fundo de quintal, dada a popularização das diferentes técnicas atuais de propagação (estaquia, biotecnologia popular). 
 
O que poderia ser um avanço pode também representar um grande retrocesso. Fica claro que as pesquisas e os negócios relacionados aos diversos aspectos da biotecnologia, mais especificamente no setor florestal, precisam ser debatidos de outra forma com toda a sociedade. Essas questões requerem uma visão multidisciplinar, paritária com todos os membros da sociedade que podem ser beneficiados e impactados, não podendo ficar restrito a homens e a mulheres de negócio e aos profissionais da genética e da silvicultura. Pergunta-se:

1. o avanço biotecnológico no melhoramento do eucalipto veio para quê?;
2. o melhoramento clássico serviu somente para produzir indivíduos para produção de híbridos restritos nas plantações?;
3. a infinidade de materiais genéticos introduzidos nas décadas passadas foram úteis para produzir que plantações em grande escala?; 
4. esse eucalipto transgênico aprovado vai resolver quais dos problemas apontados nas plantações de eucalipto?;
5. para qual fase deixada para trás no nosso caminho percorrido devemos voltar?