Coautor: Emerson Léo Schultz, Pesquisador da Embrapa Agroenergia
Antigamente, quando se falava em produtos de origem florestal, as pessoas eram levadas a refletir no uso tradicional dessa biomassa, ou seja, somente na indústria moveleira, geração de energia e produção de papel. Essa concepção está em plena transformação. Diferentes fatores são os responsáveis, tais como: instabilidade econômica, novas formas de consumo e pressões ambientais para minimização do descarte de resíduos e reuso de efluentes.
Além desses, há a necessidade crescente de diversificação dos produtos a serem obtidos em um mesmo local ou a partir de um mesmo processo produtivo. Dessa forma, a integração de diversos processos de conversão de biomassa – químicos, termoquímicos e bioquímicos – aumenta o aproveitamento dessa matéria-prima, possibilitando a diversificação de produtos. Essa integração é conhecida como biorrefinarias, que é análoga às refinarias convencionais de petróleo, porém que usam como matéria-prima, a biomassa, que é renovável, em substituição ao petróleo, de origem fóssil.
Atualmente, em meio a tantas questões de instabilidade econômico-financeira mundial e de interesses políticos e estratégicos, a flexibilidade na obtenção de diversos produtos é ponto de destaque. Dependendo da demanda do mercado e do interesse por produtos com maior valor agregado ou de questões de demanda energética, existe a possibilidade de a empresa redirecionar ou focar sua produção.
O exercício a ser feito trata-se de utilizar ao máximo as frações de cada biomassa, valorizando as qualidades mais importantes de cada uma. No Brasil, dois setores industriais estão mais alinhados e podem ser mais facilmente adaptados como biorrefinarias: a indústria sucroalcooleira energética e a de papel e celulose.
Embora as pesquisas em sua maioria ainda estejam em nível de laboratório, elas vêm sendo aprofundadas por vários grupos em universidades e centros de pesquisa, como a Embrapa. Empresas do setor de papel e celulose em todo o mundo têm investido nesse novo conceito. No Brasil, esse panorama não é diferente, empresas como Suzano Papel e Celulose, Klabin e Fibria estão trabalhando com plantas-piloto dentro desse propósito.
A biomassa florestal é constituída de celulose, hemicelulose, lignina e extrativos, possibilitando a obtenção de diferentes produtos. Os polissacarídeos celulose e hemicelulose, que são utilizados para a produção de polpas branqueadas e não branqueadas, também podem ser utilizados para obtenção de diferentes produtos, como compostos químicos e biocombustíveis.
A remoção de hemiceluloses da madeira picada antes da polpação pode ser uma das vertentes, embora elas sejam necessárias para a própria qualidade da polpa celulósica. O desafio é desenvolver tecnologias otimizadas de pré-tratamento que forneçam duas correntes: uma de hemicelulose e outra lignocelulósica, sendo a segunda para produção de polpa de celulose. Dependendo do valor agregado do produto que será obtido e da flutuação do valor de mercado da polpa celulósica, a sua própria utilização pode ser cogitada.
Dentre os compostos químicos e biocombustíveis que podem ser obtidos a partir dos referidos polissacarídeos, estão os álcoois, polióis e ácidos orgânicos. Polióis são amplamente utilizados nas indústrias alimentar, farmacêutica, e na medicina. Na indústria alimentar, os polióis são usados como adoçantes naturais aplicados em produtos alimentares light e diet.
Ácidos orgânicos têm sido tradicionalmente usados na indústria alimentar. Contudo, o mercado de produção de ácidos orgânicos tem sido expandido, visto que esses constituem um grupo chave entre os compostos químicos, conhecidos como building blocks, que podem ser utilizados para obtenção de produtos químicos e materiais de forma mais sustentável.
Os resíduos florestais, como galhos, cascas e pedaços de madeira inadequados para produção de papel e celulose, podem ser obtidos em processos termoquímicos, como por meio da pirólise e da gaseificação. De um modo geral, o processo de pirólise pode ser classificado em: pirólise lenta ou carbonização, cujo principal produto é o carvão vegetal, bastante usado na indústria siderúrgica, mas também pode ser usado como condicionador de solos; e pirólise rápida, sendo que o produto obtido em maior quantidade é um líquido conhecido como bio-óleo. Pesquisas estão sendo desenvolvidas para convertê-lo em biocombustíveis e produtos químicos renováveis.
Na gaseificação, a biomassa é convertida em gás combustível, constituído de hidrogênio (H2), monóxido de carbono (CO), dióxido de carbono (CO2), metano (CH4) e outros componentes, podendo ser usado para produção de energia e, se purificado, para obtenção de produtos químicos. A mistura de hidrogênio e monóxido de carbono é conhecida como gás de síntese, que pode ser utilizado para produção de metanol, hidrocarbonetos e hidrogênio.
O licor negro oriundo da polpação kraft, tem sido usado majoritariamente para produção de energia nas caldeiras, mas também poderia ser usado em processos de gaseificação. No entanto, em virtude de ser uma mistura rica e complexa de componentes inorgânicos e orgânicos, tem sido alvo de muitos estudos visando recuperar e “purificar” a lignina presente no licor, visando agregação de seu valor comercial.
Uma forma muito interessante de valorizar esse resíduo consiste em utilizar a lignina recuperada para obtenção de macromoléculas de valor agregado, que atualmente são obtidas a partir do petróleo, como fibra de carbono, polímeros modificados, adesivos e resinas, bem como fenol, tolueno e benzeno.
Além disso, alguns resíduos florestais podem ter componentes de alto valor agregado em sua composição. Por exemplo, extratos da casca de Eucalyptus grandis e Eucalyptus urograndis são abundantes em compostos químicos promissores para o desenvolvimento de novos agentes bioativos. Dessa forma, a aplicação de diversos processos à biomassa florestal, incluindo resíduos e coprodutos, em uma biorrefinaria, obtendo-se produtos químicos e biocombustíveis, pode aumentar a sustentabilidade da cadeia florestal brasileira.