Coautora: Karina Pulrolnik, Pesquisadora da Embrapa Cerrados
Ao longo das últimas três décadas, o agronegócio brasileiro vem crescendo e se transformando de maneira expressiva. A incorporação de terras da região do cerrado ao processo produtivo nacional, em especial a partir da década de 1970, explica parcela considerável desse sucesso. Entretanto, um grande desafio para a agricultura será contornar os problemas decorrentes de décadas de práticas agrícolas de monocultivo e de elevada pressão sobre o ambiente, como a erosão e a perda de fertilidade dos solos, assoreamento dos cursos d’água, poluição do solo e da água e emissões de gases de efeito estufa.
A pecuária de corte, frequentemente apontada como um segmento pouco produtivo, somente se viabilizava economicamente pela expansão da área de pastagem. Entretanto, nas últimas décadas, seu modelo de produção mudou sensivelmente e passou a priorizar tecnologias mais intensivas em capital, as quais vêm gerando significativos ganhos em produtividade e, consequentemente, liberando áreas significativas para outras atividades do agronegócio. No período de 1950 a 1985, a expansão da área de pastagens cultivadas foi responsável por 71% do incremento de produção de carne bovina e aumento na produtividade em 29%.
No entanto, entre 1985 e 2006, observou-se redução na área de pastagem, e o desempenho animal respondeu por 66% do incremento de 4.664 t equivalente-carcaça. Sem esses ganhos, para se obter a mesma produção, teria que ser incorporado à produção o adicional de 525 milhões de hectares. Contudo a perda de produtividade das pastagens, em razão do manejo inadequado e da falta de reposição de nutrientes, tem comprometido a produtividade animal, contribuindo para abertura de novas áreas de vegetação nativa.
O mercado interno brasileiro consome 13,5 milhões de m³ de madeira serrada oriunda de floresta natural (Unece & FAO) e 65 milhões de m³ originados de florestas plantadas (Abraf). A estimativa da demanda de madeira no mercado interno poderá atingir 300 milhões de m³ (AMS), o que significará plantar 2 a 2,5 vezes mais do que é plantado atualmente. A área de florestas plantadas para finalidade comercial é de 1,33% da cobertura florestal total, ou seja, 6,97 milhões de hectares - 0,82% do território brasileiro - (Abraf).
A demanda crescente por alimentos, bioenergia e produtos florestais, em contraposição à necessidade de redução de desmatamento e mitigação da emissão de gases de efeito estufa, exige soluções que permitam incentivar o desenvolvimento socioeconômico sem comprometer a sustentabilidade dos recursos naturais. A intensificação do uso da terra em áreas agrícolas e o aumento da eficiência dos sistemas de produção podem contribuir para harmonizar esses interesses.
Estimativas indicaram que, até 2030, o consumo mundial de madeira em toras aumentará aproximadamente 45% em relação ao consumo em 2005 e atingirá cerca de 2,4 bilhões de m3 (FAO). Segundo esses estudos, a pergunta fundamental não é se haverá madeira no futuro, mas sim de onde virá, quem a produzirá e como será produzida? A demanda crescente por alimentos, bioenergia e produtos florestais, em contraposição à necessidade de redução de desmatamento e de mitigação da emissão de gases de efeito estufa, exige soluções que permitam incentivar o desenvolvimento socioeconômico sem comprometer a sustentabilidade dos recursos naturais.
A intensificação do uso da terra em áreas agrícolas e o aumento da eficiência dos sistemas de produção podem contribuir para harmonizar esses interesses. É nesse cenário que a estratégia de integração lavoura-pecuária-floresta tem sido apontada como uma das alternativas para conciliar esses conflitos de interesse da sociedade. Os sistemas de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (iLPF) são estratégias de produção que integra atividades agrícolas, pecuárias e florestais na mesma área, em cultivo consorciado, em sucessão ou rotação. As combinações podem ser as seguintes: integração agropastoril (lavoura e pecuária), silviagrícola (floresta e lavoura), silvipastoril (pecuária e floresta), ou agrossilvipastoril (lavoura, pecuária e floresta).
O interesse nesse modelo de exploração apoia-se nos benefícios potenciais que podem ser auferidos pelo sinergismo entre os diferentes componentes (culturas anuais, pastagem e árvores) do sistema. Como exemplo, destacam-se:
a. maior taxa de infiltração, armazenamento de água no solo e sequestro de carbono decorrente do aumento na matéria orgânica do solo;
b. redução da erosão e perdas de nutrientes do solo pela melhor cobertura vegetal;
c. mitigação do déficit de forragem no período de estresses climáticos (seca, geada, vento), um dos principais problemas da pecuária a pasto do País;
d. maior eficiência de uso de fertilizantes proporcionada pela maior ciclagem de nutrientes por meio dos componentes perenes do sistema (pasto e árvores);
e. redução de algumas doenças, de insetos-pragas e de plantas daninhas;
f. redução de riscos econômicos pela diversificação espacial e temporal de produtos;
g. redução na emissão de metano por unidade de produto animal, pela maior oferta de forragem em termos de quantidade e qualidade em comparação à pecuária tradicional;
h. mitigação da emissão de GEE’s nos sistemas;
i. redução do custo na recuperação/renovação de pastagens em processo de degradação ou degradadas;
j. redução do estresse térmico pelo sombreamento das pastagens, influenciando positivamente a reprodução e o desempenho animal (ganho de peso, produção de leite);
k. intensificação e utilização racional dos fatores de produção.
Em várias regiões do Brasil, é possível cultivar durante o ano todo, sem irrigação. Por exemplo, soja na primeira safra de verão, milho consorciado com capim na segunda safra de verão e “safrinha de boi” na estação da seca. O que possibilita diluir custos e melhor aproveitamento da mão de obra na propriedade. Com relação às emissões de gases de efeito estufa pelo efetivo bovino brasileiro, verifica-se grande potencial para a expansão da produção de carne bovina no País sem aumento proporcional nas emissões.
Há, na verdade, oportunidade para se aumentar a produção de carne bovina mantendo-se estáveis os níveis atuais de emissão de metano. Essa condição ocorre pela melhoria do desempenho produtivo e reprodutivo dos animais, que determina menor emissão por unidade de produto, quando tecnologias e sistemas de produção mais eficientes para desempenho animal são adotados. O efeito “poupa-terra”, advindo de ganhos de produtividade na integração lavoura-pecuária, em particular na fase de pecuária, é tido como fator-chave para permitir a expansão de alimentos e de biocombustíveis no País, com mínima pressão sobre a vegetação nativa.
Para ilustrar o potencial de integração lavoura-pecuária na liberação de áreas agrícolas para outros cultivos, considerou-se um cenário de taxa de lotação de 0,4 cabeças ha-1, cuja pastagem vai ser recuperada usando-se dois anos de pasto e dois ou três anos de lavouras de alta produtividade. A taxa de lotação projetada para a iLP é de duas cabeças ha-1, sendo que, no verão, 50% da área está com pasto, e a outra metade, com lavouras. Nesse cenário, o efeito poupa-terra seria de 2,5 ha por hectare de pasto recuperado.
Assim, a recuperação de uma área de pasto de um milhão de hectares, potencialmente, permitiria que o rebanho na área aumentasse de 400 mil para 1,25 milhão de cabeças, e, adicionalmente, ter-se-iam 500 mil hectares liberados para outros usos. Alternativamente, se o rebanho permanecesse constante, 840 mil hectares poderiam ser direcionados para outros usos, quer sejam outras atividades agrícolas ou florestais, ou ainda a recomposição da vegetação nativa e a criação de áreas de preservação.
O componente florestal dos sistemas de iLPF pode trazer mais renda para o produtor e aumentar a eficiência do sistema de produção, além de reduzir a pressão sobre as matas nativas. O cultivo de árvores no sistema é uma poupança para uso no médio prazo, com o fornecimento de madeira, celulose ou carvão vegetal, além de outras finalidades não madeireiras, como frutos, resinas e sementes. Numa visão de futuro, é importante internalizar que será necessário expandir a produção de alimentos, fibras, biocombustíveis e madeira no País. Porém não basta apenas aumentar a produção: essa expansão da oferta de alimentos deverá ocorrer respeitando critérios de sustentabilidade, que abrangem as dimensões técnico-econômica, social e ambiental.