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Luiz Carlos Estraviz Rodriguez

Professor de Economia e Planejamento Florestal da Esalq-USP

Op-CP-58

O futuro do reflorestamento frente a uma nova bioeconomia
Exercícios de futurologia envolvem vieses ao elaborar os argumentos que justificam as especulações que fazemos. Se a especulação envolve projeções sobre o desempenho de um setor que provê insumos para a indústria – como o setor de florestas plantadas industriais e o reflorestamento em pequenas ou grandes propriedades –, é esperado que os vieses venham da forma como enxergamos os fatores que afetam a demanda pela matéria-prima produzida.
 
Assim sendo, para começar, me parece oportuno definir para quão longe no tempo estamos fazendo as previsões. Seguindo uma tendência geral, usarei aqui o ano de 2050 como referência. Também me parece necessário explicitar três blocos de fatores que considero os mais impactantes na demanda futura por reflorestamentos no Brasil. Esses três blocos explicitam o viés da minha opinião sobre o futuro do reflorestamento no País.
 
O primeiro bloco formador se pauta nos argumentos do sociólogo-economista norte-americano Jeremy Rifkin (www.foet.org/). O trabalho desse influente consultor, e conselheiro dos governos chinês e alemão, mostra que vivemos uma transição para a Terceira Revolução Industrial (https://youtu.be/QX3M8Ka9vUA). 
 
Nessa transição, os seguintes avanços se observam nos três elementos que alavancaram as revoluções anteriores:
1)  nos meios de comunicação, a massiva interconexão digital de coisas e pessoas, 
2) nas fontes de energia, o câmbio para novas fontes de origem não fóssil, e
3) nos meios de mobilidade, a conversão para mecanismos de transporte artificialmente inteligentes e automatizados.
 
No segundo bloco, levo em consideração 
1) o aumento da população,
2) as mudanças na redistribuição demográfica e composição etária,
3) o consequente efeito dessas tendências sobre a ocupação da terra e sobre o uso do solo cultivável, devido às atuais demandas industriais, e
4) sobre as novas indústrias que se consolidarão (biocombustíveis, biorrefinarias e biomateriais, principalmente os que virão como alternativas ao plástico). 
 
Esse é um bloco de complexas relações que certamente impõem crescente pressão pelo aumento da produção em países com significativa parcela das suas terras destinadas à agricultura. Mais especificamente, o aumento em extensão, a elevação da produtividade e a reabilitação de áreas degradadas serão inevitáveis para atender a uma população que passará dos atuais 7,38 bilhões de habitantes (16% na África, 13% nas Américas, 60% na Ásia, 10% na Europa e 1% na Oceania) para 9,77 bilhões em 2050 (26% na África, 12% nas Américas, 54% na Ásia, 7% na Europa e 1% na Oceania), dos quais um em cada seis habitantes terá, em 2050, mais de 65 anos de idade. 
 
Como terceiro e último bloco, formador de uma visão de futuro, considero as vantagens competitivas do Brasil e a expectativa de que os produtos de origem florestal continuarão na pauta dos mais exportados pelo País. Acho, inclusive, que a participação desses produtos no valor das exportações do agronegócio nacional será maior do que a apresentada atualmente. 
 
Hoje, esse valor é superado apenas pelo complexo soja, carnes e açúcar-alcool. Se considerarmos que as fibras de origem celulósica não encontrarão substitutos em grande escala e que o consumo de embalagens (corrugados e cartões) e de papéis absorventes (toalhas de papel, lenços, higiênicos e guardanapos) manterá a tendência de crescimento, me parece razoável prever que, em termos de valor das exportações, os produtos florestais representarão, em 2050, mais do que os atuais 12% do total gerado pelo agronegócio brasileiro. Isso significará, inclusive, mudar a forma como a celulose bruta (54%), madeira (27%) e papel (18%) irão compor a participação no agronegócio.
 
Retomando, portanto, o exercício de previsão de como o reflorestamento no Brasil terá que atender às demandas geradas pelas tendências de uma nova economia em 2050, me parece razoável dizer que 
1) a área será muito maior do que a atual,
2) o setor terá mais pequenos e médios produtores, 
3) parcela significativa das terras hoje degradadas no Brasil terão se convertido para reflorestamentos; e 
4) a produtividade média por hectare reflorestado será maior.

Justificam-se essas afirmações pelos argumentos já apresentados: a menor dependência de combustíveis fósseis, promovendo a viabilidade de florestas energéticas; a maior dependência de fontes renováveis de energia e de biomateriais, estimulando a criação de novos usos para a biomassa florestal; processos produtivos digitalmente interconectados que melhor atenderão a demandas autonomamente planejadas por modelos de inteligência artificial em redes mundiais autônomas de transações, evidenciando ainda mais a lógica da nucleação da produção de fibras em países como o Brasil; uma população da qual 70% viverão integrados a um mercado demandante de embalagens e papéis absorventes na África (2,53 bi), Índia (1,66 bi), China (1,36 bi) e Américas (1,21 bi), mantendo forte a demanda por fibras de origem celulósica; e a produtividade das nossas florestas plantadas, que crescerá aliada à competitividade do agronegócio brasileiro, mantendo custos e margens economicamente atraentes para os nossos produtores florestais.
 
Esse cenário, de certa forma otimista para o reflorestamento no Brasil, será ainda mais bem-sucedido se crescente for o estímulo para que indústrias e florestas plantadas se tornem negócios independentes. A verticalização e a vinculação da produção industrial ao plantio da matéria-prima florestal não são saudáveis para a consolidação de um eficiente e eficaz setor de reflorestamento. A vinculação das atividades reflorestadoras à indústria torna o produto final desse esforço um item de custo.

Por outro lado, se as atividades reflorestadoras fossem um fim econômico em si para os responsáveis pela sua gestão, formas mais eficientes e competitivas de produção surgiriam.  Basta lembrarmo-nos de que minimizar custos gera estratégias menos atraentes do que maximizar lucros.
 
Enfim, como mensagem final que potencializa o cenário positivo para o reflorestamento brasileiro de 2050, creio ser importante dizer que a indústria já cumpriu com o seu papel de criar a extensa base produtora de matéria-prima que hoje temos. 
 
A gradual transição para um modelo em que as áreas produtoras de matéria-prima se profissionalizam como negócios independentes levará a ganhos em todos os níveis, e o Brasil crescerá ainda mais como potência florestal mundial. Mas esse parece ser tema para uma outra oportunidade, não é?